O banqueiro e a neofascista platinada
O que nos dizem as eleições francesas?
1. Os partidos de governo reduzidos a 26% dos votos, 50% se lhes somarmos Macron, o seu subproduto. Em 2012 eram 65%. Hollande e Valls (e, com eles, Macron) destruíram o PS francês, como se antevia; a direita clássica (Fillon, 20%) ficou atrás da extrema-direita (21%). Continua a estiolar o espaço político das elites liberal-conservadoras oligárquicas, apostadas desde há 40 anos em reverter o ciclo das políticas de correção das desigualdades a que o fim da II Guerra Mundial obrigara e em concentrar a riqueza em nome do "saneamento" da economia. Depois da Grécia, Espanha, Itália, a Europa Centro Oriental e parte da Europa do Norte, a França vem juntar-se aos países onde os partidos tradicionais da direita e da social-democracia liberalizada já não capazes de convencer a maioria da sociedade que tudo se resolve entre eles e se vêem obrigados a inventar o "novo" (Macron, os Ciudadanos em Espanha...) ou a integrá-lo no seu seio (Trump, Modi na Índia), para, encenando um registo "anti-sistema", impedir a formação de uma alternativa. Para se perceber bem o "bloco central" de Macron, é só esperar para ver com quem se coligará ele nas legislativas.
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1. Os partidos de governo reduzidos a 26% dos votos, 50% se lhes somarmos Macron, o seu subproduto. Em 2012 eram 65%. Hollande e Valls (e, com eles, Macron) destruíram o PS francês, como se antevia; a direita clássica (Fillon, 20%) ficou atrás da extrema-direita (21%). Continua a estiolar o espaço político das elites liberal-conservadoras oligárquicas, apostadas desde há 40 anos em reverter o ciclo das políticas de correção das desigualdades a que o fim da II Guerra Mundial obrigara e em concentrar a riqueza em nome do "saneamento" da economia. Depois da Grécia, Espanha, Itália, a Europa Centro Oriental e parte da Europa do Norte, a França vem juntar-se aos países onde os partidos tradicionais da direita e da social-democracia liberalizada já não capazes de convencer a maioria da sociedade que tudo se resolve entre eles e se vêem obrigados a inventar o "novo" (Macron, os Ciudadanos em Espanha...) ou a integrá-lo no seu seio (Trump, Modi na Índia), para, encenando um registo "anti-sistema", impedir a formação de uma alternativa. Para se perceber bem o "bloco central" de Macron, é só esperar para ver com quem se coligará ele nas legislativas.
Com a sua passagem à segunda volta (24% não é nenhum triunfo), confirma-se também esta nova moda: uns quantos ricos deixaram de pagar as campanhas eleitorais dos seus testas-de-ferro e atiram-se eles próprios para a frente. Macron é só mais um, depois de Berlusconi, Trump, Piñera (no Chile), Macri (na Argentina)... É a onda dos milionários que, por cima dos partidos tradicionais, vêm propor-se como ídolos do sucesso "ao alcance de todos" (slogan de Macron), como quem melhor entende o descontentamento dos pobres! A campanha "comercial" de Macron não passa de um "neocentrismo" oco (ver análise do historiador Olivier Meuwly no Temps de Genebra, 28.16.2017), ainda que Francisco Assis (PÚBLICO, 27.4.2017) queira ver um "social-democrata" no antigo banqueiro que rejeita abertamente a esquerda e a tradição socialista e que se rodeou dos liberalões que assessoravam o tão recomendável ex-chefe do FMI, Dominique Strauss-Kahn.
2. Consolida-se, sem crescimento, o espaço eleitoral da extrema-direita e a sua capacidade de contágio das agendas da direita clássica e dos neoliberais em campos como a discriminação dos imigrantes e o discurso securitário. Marine Le Pen dá à FN o seu melhor resultado em presidenciais (+3,5% que em 2012), mas ele é pior que o de todas as eleições (europeias, municipais, regionais) dos últimos cinco anos. O perigo neofascista e racista da FN permanece, engrandecido por todas as concessões que lhe têm feito socialistas (tiradas xenófobas de Valls, degradação do Estado de Direito, aventuras bélicas em África e no Médio Oriente) e a direita clássica (a retórica contra imigrantes e refugiados).
Que Paulo Rangel (PÚBLICO, 25.4.2017), que se senta no Parlamento Europeu com correligionários franceses que se recusaram a votar em socialistas contra a FN, subscreva agora disparates dignos de José Rodrigues dos Santos como "a extrema-esquerda e a extrema-direita foram sempre cúmplices" já dou de barato. Mas, em vez de querer meter no mesmo saco o que chama o "social-estatismo" de Le Pen e a alternativa progressista de Jean-Luc Mélenchon, era bom que dissesse que Macron partilha com Le Pen, além dos cortes nos serviços públicos, a vontade de reforçar o Estado policial em que o sempre prorrogado "estado de urgência" transformou a França. Mélenchon, pelo contrário, foi o único dos candidatos a exigir o fim deste e das medidas que violam o direito à privacidade e à presunção de inocência, e o único que viu as suas propostas secundadas pela Amnistia Internacional. Que Assis e Rangel façam coro ao considerá-lo "intrinsecamente antidemocrático" diz tudo deles próprios mas nada diz de Mélenchon.
3. Mais de sete milhões de franceses votaram Mélenchon, o dobro de há cinco anos. Os seus 20% reconstituem o antigo espaço eleitoral que o PCF mobilizava até há 35 anos, um bloco popular que venceu a extrema-direita e Macron nos bairros populares da região parisiense, em Marselha, em Toulouse, em Lille, no coração que ainda bate da França trabalhadora que Hollande e Sarkozy quiseram fazer parar e que, ao contrário de Macron, é limpidamente anti-racista e antifascista. Muitos deles, "la mort dans l'âme", votarão Macron contra Le Pen. Que muitos deles não estejam disponíveis para um banqueiro que lhes propõe pior que Hollande é um puro ato de autodeterminação democrática.
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico