Ameaça de seca extrema põe em risco milhões na agricultura
“Está o ambiente perfeito para uma seca aguda", diz um agricultor de Castro Verde. Especialistas em ciências agrárias admitem que “tudo pode correr mal” se não chover abundantemente nas próximas semanas.
O mundo agrícola aguardava com expectativa que as previsões de chuva feitas em Abril trouxessem alguma precipitação para atenuar os efeitos do tempo seco e dos ventos fortes que se mantêm há várias semanas por todo o país. Mas o clima persiste em manter-se adverso e ameaça assim continuar durante Maio, aumentando a probabilidade de uma estação seca “sem precedentes, com seis meses de calor, baixa humidade relativa e precipitação zero”, admitiu ao PÚBLICO Carlos Aguiar, docente na Escola Superior Agrária de Bragança. A análise que faz diz-lhe que em grande parte do país “há um risco real de se perder tudo”, sobretudo nas regiões de solos muito delgados, onde os cereais plantados dificilmente serão recuperados.
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O mundo agrícola aguardava com expectativa que as previsões de chuva feitas em Abril trouxessem alguma precipitação para atenuar os efeitos do tempo seco e dos ventos fortes que se mantêm há várias semanas por todo o país. Mas o clima persiste em manter-se adverso e ameaça assim continuar durante Maio, aumentando a probabilidade de uma estação seca “sem precedentes, com seis meses de calor, baixa humidade relativa e precipitação zero”, admitiu ao PÚBLICO Carlos Aguiar, docente na Escola Superior Agrária de Bragança. A análise que faz diz-lhe que em grande parte do país “há um risco real de se perder tudo”, sobretudo nas regiões de solos muito delgados, onde os cereais plantados dificilmente serão recuperados.
No Sul, após “três anos consecutivos de seca”, a maioria das albufeiras da região registam “valores críticos de armazenamento” reconhece a Federação Nacional de Rega (Fenareg).
Num comunicado divulgado nesta sexta-feira, a federação alerta para as dificuldades que as associações de regantes estão a viver, precisamente “num momento-chave para a campanha de rega” das culturas Primavera/Verão. “Os volumes armazenados nas albufeiras não poderão dar resposta às necessidades” em quase todo o país. Mas é no Alentejo, a suportar o “terceiro ano consecutivo de fraca precipitação” e quando as previsões meteorológicas não são positivas, que a “preocupação é máxima” pelo que possa vir a acontecer nos próximos meses.
Os regantes já questionaram a Agência Portuguesa do Ambiente sobre a activação da Comissão de Gestão de Albufeiras e da Comissão de Acompanhamento da Seca. E vão solicitar ao Ministério da Agricultura a aplicação de “medidas excepcionais” para viabilizar o reforço de água nas albufeiras que têm ligação a Alqueva para “minimizar os efeitos da seca” nesses perímetros de rega.
É na região do Campo Branco, território que se estende pelos concelhos de Castro Verde, Mértola, Almodôvar e Aljustrel, que os efeitos do tempo seco e escassez de chuva mais se fazem sentir. “Estamos a ser confrontados com altas temperaturas do ar e vento seco e forte”, salientou ao PÚBLICO José da Luz, presidente da Associação de Agricultores do Campo Branco (AACB), situando a maior debilidade nas culturas de forragens e pastagens que “serão afectadas se entretanto não houver precipitação”. O agricultor que já suportou as contrariedades de sucessivas secas ao longo das últimas três décadas, admite que “está o ambiente perfeito para uma seca aguda”.
Falta de água
As consequências são imediatas. “Receamos estar confrontados com falta de água a do final deste mês, precisamente numa altura em que os animais consomem muito mais líquidos”, disse, sublinhando que até o abastecimento de água às populações de Castro Verde, Ourique e Almodôvar está posto em causa. “É muito grave o panorama a curto prazo”, assegura, referindo-se “à má qualidade e pouca quantidade da água” na albufeira do Monte da Rocha, que “já deveria ter sido contemplado como uma extensão a partir do Alqueva ou da barragem de Santa Clara”, advoga.
O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) já veio confirmar que no período de 17 de Abril a 14 de Maio estão previstos, para todo o território nacional, valores de precipitação “abaixo do normal”. E as temperaturas também têm andado muito acima do normal.
A primeira quinzena de Abril também se caracterizou por “valores altos de temperatura máxima, muito superiores aos valores normais para este mês”. Nos dias 10 e 11 de Abril os valores de temperatura máxima superiores a 25ºC (dias de verão) observaram-se em cerca de “85% do território nacional”, acentua o IPMA. Os maiores valores diários da temperatura máxima do ar foram registados no dia 11 de Abril em Mora como 32,5 ºC e Rio Maior 32,3ºC.
E até “as gotinhas de chuva que caíram há uns dias não significaram nada”, observa Carlos Aguiar. O vento que entretanto se fez sentir depressa anulou o grau de humidade que a fraca precipitação possa ter gerado. Para que as reservas de água de superfície fossem minimamente recuperadas, teria de chover abundantemente durante, pelo menos, uma semana.
Referindo-se ao estado do tempo actual e ao dos próximos meses, o docente acredita que se está “num momento-chave em que tudo pode ocorrer francamente mal”. E mesmo que haja precipitação em Maio “não vem resolver o problema dos cereais por estes já se encontrarem em stress hídrico”. Carlos Aguiar adverte que “até nos solos de maior profundidade, se não chover, abundantemente, nos próximos 10 dias, as culturas que ali ocorram serão inevitavelmente afectadas”.
Perda de rendimento
E o que é que pode acontecer se a escassez ou ausência de precipitação se mantiver? Segundo Francisco Mondragão Rodrigues, professor na Escola Superior Agrária de Elvas, “dá-se o encolhimento da espiga, os grãos não enchem e temos trigos de má qualidade que irão para lotes destinados à produção forrageira, que são mais mal pagos”.
Os lotes de cereais de melhor qualidade são destinados à panificação e vendidos a 220 euros a tonelada, enquanto o cereal forrageiro não passa dos 120 euros a tonelada. Por outro lado, como o grão de trigo de menor qualidade tem menos volume, pesa menos e esta condição acaba por se reflectir no resultado final. O que leva a que os agricultores tenham pela frente um ano de penúria. As consequências da falta de água “são extensivas ao milho, e a outras culturas hortícolas como o melão, o pimento, o tomate, etc”, assinala Mondragão Rodrigues, referindo-se àquelas que dependem de barragens com volumes de armazenamento abaixo do normal, o que poderá obrigar ao rateio de água.
Muitas das albufeiras que servem de suporte aos perímetros de rega também abastecem as populações mas quando se verificam situações de escassez, a prioridade é o abastecimento público, elucida o docente de Elvas, corroborando o que diz o seu colega de Bragança: “O cenário não é nada tranquilizador. Se não chover em Maio, as culturas de cereais, as oleaginosas, o olival e o amendoal de sequeiro, serão afectadas, mesmo aquelas que são abastecidas a partir de furos ou poços”.
“E custa-me a crer que chova nesta altura do ano o que deveria ter chovido antes. Duvido que tal aconteça”, vaticina Mondragão Rodrigues, deixando um alerta: A escassez de humidade no solo tem ainda reflexo na criação de condições ideais para a ocorrência de incêndios. A vegetação está seca e não há humidade no ar “e ainda por cima há vento forte que retira do solo e da vegetação a pouca humidade que ainda possa ter”.
Carlos Aguiar descreve o momento crítico: “Nos solos mais delgados, o centeio já está a secar sem espigar e o trevo subterrâneo sem produzir sementes. No ano passado, as árvores dos bosques, os castanheiros e as amendoeiras de sequeiro terminaram o ciclo vegetativo em stress (a queda da folha foi antecipada) porque esgotaram a água das camadas mais profundas do solo que as sustenta na estação seca. Esta água não foi reposta. Para rega, será pouca e racionada, insuficiente para abeberar milhões de turistas, vacas e alfaces. Estão em risco milhões de árvores, milhões de euros em plantações, milhões de euros de exportações. Há planos de contingência? Esperemos que chova...”
Governo vai criar comissão
O ministro da Agricultura Capoulas Santos já reagiu às preocupações dos agricultores. Na quinta-feira, na cerimónia inaugural da Ovibeja, reconheceu que o país atravessa “um contexto algo paradoxal”: por um lado realça-se a vitalidade do sector agrícola que atravessa “um bom momento” mas, em simultâneo, subsiste “grande apreensão face aos sinais que se avolumam de uma seca”.
Capoulas recordou os “terríveis” anos de seca que são cíclicos no Alentejo, cujos consequências a memória dos mais velhos recorda, mas “faltava o Alqueva para resolver o problema”. Agora, “o Alqueva, felizmente, existe e os problemas estão muito atenuados face àquilo que era a realidade anterior”, salientou.
Mesmo assim, anunciou que o Governo está atento e vai criar a “muito curto prazo” uma equipa interministerial para acompanhar a evolução da situação de seca em Portugal e equacionar medidas que se revelarem necessárias tomar.
As preocupações evidenciadas pelo ministro da Agricultura também estiveram patentes na intervenção de Rui Garrido, presidente da Associação de Criadores de Ovinos do Sul, que organiza a Ovibeja. “Começam a ficar comprometidas as pastagens e as culturas arvenses de sequeiro”, alertou o dirigente, chamando a atenção para os baixos níveis de armazenamento de águas “nas barragens públicas e privadas fora do perímetro do Alqueva”. Rui Garrido disse que os agricultores, sobretudo aqueles que se dedicam à pecuária, estão apreensivos sobre o que vai acontecer relativamente “às reservas hídricas para abeberamento dos efectivos pecuários”.
Quando a água é pouca, rateia-se
Apesar da capacidade de armazenamento da barragem do Alqueva garantir o fornecimento de água para rega durante quatro anos de seca sucessiva, as associações de regantes que não foram abrangidas pela concessão da rede secundária de rega que o Governo atribuiu à EDIA em 2013 evitaram sempre requisitá-la alegando que o seu custo era incomportável.
A precipitação sempre ia deixando o volume de água adequado às necessidades dos agricultores até que o tempo seco e a fraca pluviosidade foram esvaziando as albufeiras que dão suporte ao regadio nos blocos de rega do Roxo, Odivelas, Campilhas e Alto Sado, Veiros, Fonte Serne, Monte da Rocha, Vigia, Pego do Altar e Vale do Gaio. A única alternativa está, agora, nos caudais a partir do Alqueva.
Mesmo assim, há quem resista em requisitar água à EDIA, como é o caso da Associação de Beneficiários da Obra de Rega de Odivelas (ABORO) sedeada em Ferreira do Alentejo. Nem a publicação do novo tarifário que oficializa uma baixa nos preços da água entre os 20 e os 33 cêntimos tornou o acesso aos débitos do Alqueva mais atractivos.
Na última assembleia geral da ABORO, os agricultores da associação decidiram ratear a água disponível para não recorrer a fornecimentos vindos do Alqueva. “Temos um volume de 4 milhões de água disponível na albufeira de Odivelas e 25 milhões na albufeira do Alvito”, adiantou ao PÚBLICO Manuel Canilhas Reis, presidente da associação. Ficam a faltar cerca de 11 milhões de metros cúbicos para perfazer os 40 milhões necessários para suprir as necessidades de rega.
Esta situação decorre da aplicação do novo tarifário de água para rega que implica um aumento “muito significativo” da que é vendida pela EDIA às associações de regantes. Ao preço definido no novo tarifário tem de se adicionar o preço que as associações têm de cobrar aos associados pelos encargos na gestão do sistema de rega. No caso da ABORO, os agricultores ficariam a pagar 5,14 cêntimos por metro cúbico de água, muito superior ao praticado pela EDIA que é de 3,2 cêntimos.
Uma situação confirmada também por António Parreira, presidente da Associação de Beneficiários de Rega do Roxo (ABROXO). Neste caso, a água é vendida a 2,8 cêntimos o metro cúbico. “Se acrescermos os 3 cêntimos que temos de pagar pela água do Alqueva, então a água chega ao agricultor a 5,8 cêntimos o metro cúbico”.
O problema é que 7 milhões de metros cúbicos actualmente disponíveis no Roxo não dá para o ano agrícola, que consome uma média de 30 milhões. “Há aqui uma desigualdade entre agricultores”, refere António Parreira, defendendo um preço de água “compatível” com as culturas.
Considerando que, quer os aproveitamentos hidroagrícolas geridos pelas associações de regantes quer os que estão concessionados à EDIA, são propriedade do Estado e estão no mesmo território, “não se vislumbra igualdade nas condições oferecidas a uns e a outros agricultores”. Um problema se tem vindo a intensificar “em consequência dos sucessivos anos de seca”, concluiu o presidente da Aboro.
Bacia do Sado continua a apresentar níveis críticos
Nas 61 barragens que integram a rede nacional dos recursos hídricos, do Instituto da Água (INAG), apenas 6 apresentavam no início de Abril, cota máxima (100%). Contudo as suas albufeiras têm baixos volumes de armazenamento, que, no seu conjunto não chegam aos 50 mil metros cúbicos.
A norte do rio Tejo, 17 albufeiras tinham um volume de água superior aos 80%, 9 armazenam entre 50% e 80% da sua capacidade máxima e apenas 4 tinham uma reserva inferior a 50%.
A sul do Tejo, 11 albufeiras apresentavam um nível de armazenamento superior a 80%, em 9 encontrava-se entre os 50 e os 80% e 11 tinham uma reserva de água abaixo dos 50%.
Cinco barragens - todas na bacia do Sado – estão com níveis críticos de armazenamento: Pego do Altar 34,2%, Odivelas 32%, Divor 28,4%, Monte da Rocha 20% e Roxo 16,6%. A barragem do Alqueva está com cerca de 80% da sua capacidade máxima de enchimento (3.322 hectómetros cúbicos).
No final de Março as 61 barragens sob gestão do INAG, tinham 7.995 mil hectómetros cúbicos armazenados, quando a sua capacidade máxima é de 10.937 mil hectómetros cúbicos.