Testemunhos da escravatura em museus e arquivos de Lisboa
Oito das dezenas de peças em destaque no projecto Testemunhos da Escravatura. Memória africana do Gabinete de Estudos Olisiponenses integrado na Lisboa Capital Ibero-Americana da Cultura.
Museu Nacional de Arte Antiga
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Museu Nacional de Arte Antiga
Uma orquestra de músicos negros, com um maestro branco, merecem destaque nesta pintura de uma oficina lisboeta representando uma cena imaginada, a do Casamento de Santa Úrsula com o Príncipe Conan (Retábulo de Santa Auta), de 1522-25. Longe de serem exclusivos da pintura portuguesa do século XVI, os músicos negros eram presença habitual nas festas da corte e nos salões da nobreza. Marcas de exotismo, eram também usados como símbolo da abrangência do império português.
Museu de Lisboa
Painel de azulejo do século XVIII em que se vê uma mulher, provavelmente uma escrava, a arranjar peixe. Para que pudesse representar a sua pele escura, o artesão viu-se obrigado a fugir um pouco à paleta habitual da azulejaria lisboeta do barroco. Nos finais do século XVI, a maioria das pessoas dedicada ao serviço doméstico nas casas nobres da capital era escrava (documentos mostram, aliás, que já em 1551 viviam em Lisboa 10 mil escravos, cerca de 10% da população da cidade).
Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado
Mariana e Catraio eram dois escravos angolanos que acompanharam Alexandre Serpa Pinto na sua famosa travessia de África e são aqui retratados por Miguel Ângelo Lupi (Os pretos de Serpa Pinto, 1879). O explorador português fala deles nas suas memórias, publicadas em 1881 (Como eu atravessei África). Segundo Maria de Aires Silveira, do Museu do Chiado, Catraio rapidamente se transformou no “moleque inteligente e ladino” (as palavras são do explorador) que Serpa Pinto procurava e Mariana, que o avisou de uma traição, destacava-se no grupo dos expedicionários. Terá sido Serpa Pinto, provavelmente o encomendador deste retrato, a oferecer a Mariana um dos colares com que Lupi a pinta.
Gabinete de Estudos Olisiponenses
Os anúncios na imprensa de fugas de escravos, com os seus proprietários a prometerem recompensar quem ajudasse a capturá-los, eram comuns. Neste, publicado no Supplemento da Gazeta de Lisboa Occidental, em Dezembro de 1743, diz-se que o “morador à Pampulha” a quem fugiu um negro chamado António, que descreve como “bem feito, sem barba, com um dente menos da parte de cima, e de dezoito anos de idade”, pagará “muito bem” a quem tiver dele notícia ou a quem o mande prender em qualquer parte do reino. Na imprensa, os donos também costumavam anunciar os seus “negros de ganho” (escravos para alugar) e os que pretendiam vender.
Biblioteca Central de Marinha
O tráfico de escravos era promovido e regulado pela coroa portuguesa e, embora criticado por alguns desde o século XVI, foi uma realidade cruel e sombria durante 400 anos. O Marquês Sá da Bandeira (1795-1876) é a figura central da luta contra a escravatura em Portugal e a ele se deve o decreto que a proíbe em todos os territórios portugueses em 1869. É claro que essa proibição não surte efeito de imediato, como mostra o relatório do cruzador São Rafael que a Biblioteca Central da Marinha decidiu incluir no projecto Testemunhos da Escravatura. Memória Africana. Neste documento de 1902 descreve-se o êxito das operações militares de combate ao tráfico na foz do rio Naburi e Simuco.
Museu Nacional dos Coches
Uma das jóias da colecção, o Coche da Coroação de Lisboa (século XVIII), é a peça escolhida pelo Museu dos Coches para participar no projecto de resgate da memória da escravatura em Lisboa. Trata-se de um dos carros da célebre embaixada enviada por D. João V ao papa Clemente XI. A cidade, capital de um império, é aqui uma mulher jovem a ser coroada pela “Fama” e pela “Abundância”, tendo a seus pés duas figuras masculinas agrilhoadas em representação dos continentes africano e asiático.
Arquivo Histórico Ultramarino
Desenho colorido que documenta uma fase da exploração diamantífera em Minas Gerais, Brasil, por volta de 1775. Sob um alpendre e vigiadas por um feitor branco, escravas africanas lavam diamantes.
Museu Nacional de Etnologia
Para se associar a esta programação, Etnologia destaca uma peça que reflecte com particular eficácia a violência com que os escravos eram tratados. Chama-se “grilhão” ou “prisão de escravos” e era usada para prender ao mesmo tempo punhos e tornozelos, o que conduzia à imobilização total. Testemunho do tráfico atlântico que durante quatro séculos subjugou milhões de pessoas, levando-as de África para as Américas, sobretudo, esta peça foi comprada em Ouro Preto, Minas Gerais, em 1965, pelo etnólogo-viajante Victor Bandeira.