Desigualdade: uma barreira ao crescimento económico
É importante e urgente que a redução das desigualdades ganhe ainda maior relevância no debate e ação política, social e económica.
No primeiro dia de 2017 faleceu Sir Tony Atkinson, professor na Universidade de Oxford, pioneiro no estudo da pobreza e das desigualdades no contexto económico e autor do livro Inequality – What can be done?. Ao longo dos últimos anos, impulsionado pela publicação de Capital in the Twenty-First Century, de Thomas Piketty, e pela difusão generalizada de trabalhos como The Price of Inequality, do laureado Nobel Joseph Stglitz, o fenómeno da desigualdade na distribuição de rendimentos dentro dos países tem assumido crescente relevância mediática.
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No primeiro dia de 2017 faleceu Sir Tony Atkinson, professor na Universidade de Oxford, pioneiro no estudo da pobreza e das desigualdades no contexto económico e autor do livro Inequality – What can be done?. Ao longo dos últimos anos, impulsionado pela publicação de Capital in the Twenty-First Century, de Thomas Piketty, e pela difusão generalizada de trabalhos como The Price of Inequality, do laureado Nobel Joseph Stglitz, o fenómeno da desigualdade na distribuição de rendimentos dentro dos países tem assumido crescente relevância mediática.
Para Portugal, a questão é particularmente importante. Os mais recentes dados do Eurostat (2015) para o habitual indicador que mede a desigualdade de rendimentos (coeficiente de Gini) colocam Portugal como 9.º país onde a desigualdade é maior de entre 34 países europeus, estando o valor consideravelmente acima da média da União Europeia e da OCDE. Dados da Comissão Europeia relativos a 2013 revelam que, em Portugal, os 1% mais ricos recebem 5% do rendimento gerado no país. Os 10% mais pobres, em Portugal, correspondem a 2,5% do rendimento, nada menos que um décimo da contraparte no topo da distribuição, que recolhe 25% do rendimento.
Além das implicações éticas e de justiça social, de que modo são estas desigualdades prejudiciais à sociedade? Concretamente, quais as suas implicações para o crescimento económico, e através de que mecanismos? Qual o papel e relevância das políticas redistributivas?
A relação entre desigualdade e crescimento económico tem sido alvo de exaustivo debate. Por um lado, existe o argumento de que maior desigualdade pode estimular o crescimento. Contudo, este efeito parece mais relevante em países mais pobres e em vias de desenvolvimento. Os mais ricos poupam e investem uma maior parte do seu rendimento. Pelo menos uma parte da população é capaz de investir na sua educação e estabelecer negócios, estimulando o desenvolvimento das economias e dos países. A prazo, a desigualdade reduz-se.
Porém, num contexto de países desenvolvidos, como é o caso de Portugal, maior desigualdade pode travar o crescimento. Perante maior desigualdade, os mais pobres têm menores oportunidades de investir na sua educação. Alberto Alesina (Univ. Harvard, Estados Unidos) e Roberto Perotti (Univ. Bocconi, Itália) destacam a importância do mecanismo de corrosão social, argumentando que maior desigualdade gera descontentamento, sentimentos de injustiça social e instabilidade política, desviando o investimento público de níveis óptimos. Sendo a formação da população e o investimento público dois dos mais relevantes propulsores do crescimento económico, fica evidenciada a relação negativa entre desigualdade e crescimento.
Maiores níveis de desigualdade estão ainda associados a maiores esforços redistributivos por parte dos governos. Em Portugal, o peso da redistribuição é muito considerável e os seus efeitos notáveis. De acordo com o INE, uma percentagem da população encontrava-se em risco de pobreza (rendimento inferior a 60% da mediana) em 2015, antes de qualquer transferência. Após pensões e transferências sociais (líquido), o número reduz-se para 19%. Apesar das desigualdades no rendimento e o risco de pobreza se manterem relativamente elevados após transferências, o impacto da redistribuição na sua atenuação é inquestionavelmente benéfico. Um estudo realizado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos coordenado pelo professor Carlos Farinha Rodrigues sobre pobreza e desigualdade de rendimentos em Portugal conclui que actualmente os “impostos são claramente o instrumento redistributivo mais eficaz na redução das desigualdades”.
Ostry, Berg e Tsangarides, três economistas do departamento de investigação do FMI, no relatório “Redistribution, Inequality, and Growth” mostram que, para dados níveis de redistribuição, menor desigualdade parece estimular crescimento duradouro e sustentado. Enquanto que para níveis médios de redistribuição não existe evidência de efeitos negativos no crescimento económico e a maior igualdade que dela resulta está associada a crescimento mais sustentado e de maior duração, encontram alguma evidência de que níveis demasiado altos de redistribuição podem impactar negativamente o crescimento.
É importante e urgente que a redução das desigualdades ganhe ainda maior relevância no debate e ação política, social e económica. O foco no crescimento económico não deve ser dissociado da preocupação em reduzir desigualdades, potenciando a sua intensidade e duração e promovendo uma maior partilha dos seus benefícios. Impostos redistributivos parecem ser um mecanismo apropriado à correção de desigualdades, mas dada a intensidade com que são aplicados atualmente, medidas adicionais devem passar por alternativas estruturais que reduzam a médio-longo prazo as vincadas desigualdades na distribuição de rendimentos. Menor descontentamento, corrosão social e maior envolvimento na cidadania ativa podem ainda acrescer aos benefícios económicos de maior igualdade.