No Canil Municipal de Elvas, os animais morrem em agonia e sem tratamento
Vereador da autarquia terá dado “instruções” à equipa de voluntários que tratava dos cães para não divulgar nas redes sociais a realidade que observavam no interior das instalações.
As imagens publicadas por Paula Neto, dirigente do Grupo de Intervenção e Resgate Animal (GIRA), na página do Facebook da organização, sobre o Canil Municipal de Elvas dão conta de um cenário de uma "casa de horrores". As fotografias mostram seringas sem cápsula protectora espalhadas pelo chão, animais cheios de feridas e larvas ou pedaços de ração no meio de fezes e urina, entre outros retratos desoladores. Já seguiu uma queixa para o Ministério Público. A autarquia abriu um inquérito.
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As imagens publicadas por Paula Neto, dirigente do Grupo de Intervenção e Resgate Animal (GIRA), na página do Facebook da organização, sobre o Canil Municipal de Elvas dão conta de um cenário de uma "casa de horrores". As fotografias mostram seringas sem cápsula protectora espalhadas pelo chão, animais cheios de feridas e larvas ou pedaços de ração no meio de fezes e urina, entre outros retratos desoladores. Já seguiu uma queixa para o Ministério Público. A autarquia abriu um inquérito.
Face às denúncias, o vereador da Câmara de Elvas Tiago Afonso terá dado “instruções”, no passado dia 31 de Março, aos membros da equipa de voluntários para “não divulgarem nas redes sociais o que se passava no canil municipal”, relatou ao PÚBLICO António Venâncio. Este voluntário é um dos elementos que prestavam apoio no canil e que é o autor de todas as fotografias publicadas sobre as condições em que os animais estavam a ser tratados.
Os maus tratos aos animais agravavam-se até que a situação se tornou insustentável, alastrando a revolta para as redes sociais, com a descrição de situações “deploráveis” e “indescritíveis” que motivaram Paula Neto a apresentar queixa no Ministério Público na passada segunda-feira. “Os animais não podem estar 24 horas por dia dentro de gaiolas a defecar e a urinar uns para cima dos outros”, por estarem amontoadas atrás das grades.
A reacção não se fez esperar e o vereador Tiago Afonso decidiu suspender o voluntariado, precisamente no Dia Mundial do Voluntariado. “Talvez fosse esta a solução que a Câmara de Elvas encontrou para silenciar o sofrimento a que sujeita os animais à sua responsabilidade”, observa Gina Baião, uma activista dos direitos dos animais, na denúncia que fez ao PÚBLICO.
Face ao “número de queixas que foram apresentadas por várias organizações” que criticavam as condições de acolhimento dos animais no canil de Elvas, o município decidiu abrir “um inquérito interno para apurar os factos” e confirmar ou não o que as fotografias publicadas traduzem, adianta o vereador Tiago Afonso.
O autarca confirma ter optado pela suspensão da equipa de voluntários alegando que “não havia condições para ser mantida” dado o trabalho a executar “ter algumas regras”, frisando que houve pessoas a recusar-se a assinar o registo da sua entrada e saída nas instalações. Garante ainda “não ter havido maus tratos de animais como fizeram transparecer”. Para superar o contencioso, Tiago Afonso adiantou que nesta sexta-feira, vai reunir com as associações de defesa dos animais para discutir uma forma de colaboração voluntária que “possa ser responsável e organizada”.
Quanto às “instruções” que terá dado à equipa de voluntários para não divulgar fotografias nas redes sociais, o autarca confirma ter dito que “deveriam ter algum cuidado com as imagens que pretendiam publicar” para que não fosse veiculada uma imagem negativa do canil.
Voluntários para evitar os abates
António Venâncio recorda que foi o vereador Tiago Afonso que, há cerca de dois anos, motivou algumas pessoas a fazerem voluntariado no apoio ao canil “para evitar o abate dos animais”, como alegou na altura. “Limpávamos as boxes e os animais e tratávamos da sua alimentação, sobretudo aos fins-de-semana”, explicou o voluntário ao PÚBLICO.
Com o decorrer do tempo, as condições de tratamento dos animais iam-se degradando, dada a “insensibilidade” do veterinário municipal, acusam os voluntários. "Um cão foi deixado moribundo durante dez dias, até que morreu”, conta António Venâncio, frisando como o ambiente que se vivia era fértil neste tipo de episódios. “Um animal saudável acabou por apanhar sarna e só foi tratado fora do canil”, prossegue, salientando que o tratamento dos animais fora das instalações municipais não era uma situação pontual.
“Pedíamos melhores condições, mas as melhoras não chegavam”, lamenta António Venâncio, realçando uma situação que acabou por ter um final feliz: um animal foi encontrado abandonado com uma corda a apertar-lhe o pescoço e recolhido no canil, onde permaneceu quase um dia sem comer nem beber água. “Olhávamos para ele e percebíamos que devia ter sido bem tratado”. Trazia um hematoma num olho que lhe causou cegueira temporária. Tiraram-lhe uma foto que foi colocada nas redes sociais e ao fim de alguns dias vieram buscar o animal, uma cadela que se chama “Mara”. A dona, Maura Maurício, residente em Estremoz, tinha perdido a “cadelinha” quando passeava com ela. Nunca tinha usado trela. Desesperada, pediu ajuda a pessoas amigas, até que uma delas lhe disse ter encontrado uma foto da “Mara” no Facebook e que o animal estava no canil de Elvas.
“Telefonei logo para o veterinário e fui atendida por uma pessoa muito mal-educada e arrogante que me garantia não ter, no canil, um animal com as características que lhe descrevi”, conta Maura Maurício. Deslocou-se a Elvas e quando entrou no canil caiu-lhe "o coração aos pés”. A sua cadelinha estava “sem água e sem comida, há quase um dia, deitada a um canto com uma corda ao pescoço”, acrescenta, recordando como o animal estava assustado.
O marido pegou-lhe ao colo e fez uma careta: “Cheirava tão mal… e o veterinário a dizer que era normal". À sua volta, os cães dentro das boxes não paravam de ladrar. “Era só fome”. E prevendo o que possa ser dito pelo município de Elvas sobre as condições do canil, garante que dentro das instalações estava “tudo sujo com restos de ração misturada com fezes e urina dos animais”.
Mafalda Campos, dirigente do Movimento Movido a 4 Patas (Amover) disse ter pedido esclarecimentos ao presidente da Câmara de Elvas sobre o que se estava a passar, mas não obteve resposta. Esta situação “é uma vergonha”, protesta, defendendo que, face às leis existentes, bem como os regulamentos municipais, “estas situações têm que ser denunciadas publicamente”. Já foi apresentada queixa ao ministro da Agricultura, grupos parlamentares, Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária e Ordem dos Médicos Veterinários.