Famílias pagam 28% das despesas com saúde directamente do seu bolso

Relatório que será apresentado nesta quinta-feira lembra que a Organização Mundial de Saúde recomenda que o valor nunca ultrapasse os 20% e diz que o SNS não está a satisfazer totalmente as necessidades das pessoas.

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A farmácia é uma das fatias mais significativas da despesa privada das famílias Patrícia Martins

O dinheiro que sai directamente do bolso das famílias portuguesas para pagar as despesas em saúde ultrapassa largamente os valores máximos recomendados pela Organização Mundial de Saúde. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) ainda é maioritariamente financiado pelos impostos, mas os portugueses já pagam directamente muitos actos fora, como consultas médicas e exames, mas também medicamentos e outros complementos, como óculos e tratamentos dentários. Os pagamentos directos das famílias representam 28% das despesas totais em saúde.

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O dinheiro que sai directamente do bolso das famílias portuguesas para pagar as despesas em saúde ultrapassa largamente os valores máximos recomendados pela Organização Mundial de Saúde. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) ainda é maioritariamente financiado pelos impostos, mas os portugueses já pagam directamente muitos actos fora, como consultas médicas e exames, mas também medicamentos e outros complementos, como óculos e tratamentos dentários. Os pagamentos directos das famílias representam 28% das despesas totais em saúde.

O alerta é deixado num relatório do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), feito em parceria com o Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde, que será apresentado amanhã, em Lisboa, e ao qual o PÚBLICO teve acesso. O documento foi realizado no âmbito da série de relatórios Health Systems in Transition (HiT) que, periodicamente, analisam os sistemas de saúde dos vários países, com uma formato que permite fazer comparações entre eles. Neste caso, o período de análise vai de 2011 a 2016.

“A má notícia é que os pagamentos directos das famílias cresceram e atingiram quase 28% das despesas totais em saúde. A Organização Mundial de Saúde aconselha os governos de todo o mundo a que não se ultrapasse os 20%”, explicou ao PÚBLICO o coordenador do relatório português, Jorge Simões. Valores como estes, segundo o economista e professor do IHMT, significam “que as pessoas não têm no SNS as portas tão abertas quanto as suas necessidades e são obrigadas a recorrer ao sector privado mais do que gostariam”.

Nos últimos anos o valor tem tido oscilações, mas a tendência agora tem sido de aumento. Para Jorge Simões a principal explicação para esta subida está nas “restrições ao financiamento público” impostas pelo memorando de entendimento acordado com a troika, e que levaram a “uma resposta mais tímida do SNS, portanto com tempos de espera mais elevados”. Se à despesa das famílias juntarmos a restante factura privada (como é o caso dos seguros), a fatia privada dos gastos com saúde já ascende a 35% da despesa total, quando a média europeia é de 24%.

A este propósito, o HiT alerta que entre 2010 e 2014 a despesa pública em saúde caiu, estando Portugal abaixo da média da União Europeia: “A crise económica em Portugal provocou mudanças na despesa total em saúde. A redução do PIB em 5,4% entre 2010 e 2013, foi acompanhada por uma redução de 12,4% da despesa total em saúde no mesmo período.”

Mas nem tudo são más notícias. O HiT avaliou vários indicadores de saúde e concluiu que mesmo com as dificuldades dos últimos anos “o SNS conseguiu atenuar os efeitos da crise”. À cabeça, Jorge Simões destaca os resultados conseguidos nos cuidados de saúde primários, em especial com a implementação das chamadas unidades de saúde familiares, que são centros de saúde com equipas multidisciplinares.

O investigador aponta também o bom trabalho no alargamento da rede de cuidados continuados e, já com o actual ministério de Adalberto Campos Fernandes, congratula “o aumento da transparência”, com a divulgação dos tempos de espera e das dívidas das várias unidades.

O problema das desigualdades

Numa análise global do que aconteceu entre 2011 e 2016, Jorge Simões defende que as mudanças de governo não trouxeram muitas alterações para o SNS. “Os grandes desafios mantêm-se os mesmos do passado, a começar pela sustentabilidade financeira”, explica o economista. Este é, aliás, um dos principais desafios eleitos pelo especialista, que considera que é urgente definir-se o real orçamento de que a saúde precisa para funcionar com qualidade.

O professor do IHMT antecipa que não é possível continuar com o actual volume de dívidas. Mais: "Vamos ter de gastar mais dinheiro com os profissionais de saúde” para manter no sector público “quadros com tão elevada diferenciação”. Contudo, para isso, é preciso procurar outras estratégias, já que o HiT reconhece que as reformas dos últimos anos seguiram quase sempre a mesma receita: cortes nos salários, na despesa com medicamentos e no preço que se paga aos convencionados. Para Jorge Simões esta é a altura de fazer uma verdadeira reforma hospitalar, o implica obrigatoriamente repensar a oferta que existe no país.

As desigualdades entre as várias regiões do país não são novas, assim como entre homens e mulheres. Mas Jorge Simões elege este problema como um dos principais desafios com que o SNS terá de lidar, lembrando que são as pessoas com rendimentos mais baixos as que têm mais dificuldade em encontrar no sector privado aquilo a que o SNS não responde. “As desigualdades em saúde continuam a ser um problema em Portugal. A população portuguesa concentra-se nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e no litoral, deixando o interior do país envelhecido e desertificado”, lembra o relatório.