Há profissionais de saúde não vacinados contra sarampo. DGS não diz quantos são
Dois dos profissionais de saúde já infectados com sarampo não estavam vacinados. Como é possível? Ausência da doença nos anos recentes pode ter levado a “algum facilitismo”, dizem médicos de família
Dos 21 casos confirmados de sarampo no surto de que resultou já uma morte, nove eram profissionais de saúde e, destes, dois não tinham registo de vacinação, segundo a Direcção-Geral da Saúde (DGS). Como é possível que haja profissionais de saúde não vacinados, quando o Programa Nacional de Eliminação do Sarampo especificava já em 2013 que a este grupo deveriam ser administradas duas doses da vacina, atendendo ao risco acrescido de contacto com casos importados e tendo em conta a elevada contagiosidade da doença?
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Dos 21 casos confirmados de sarampo no surto de que resultou já uma morte, nove eram profissionais de saúde e, destes, dois não tinham registo de vacinação, segundo a Direcção-Geral da Saúde (DGS). Como é possível que haja profissionais de saúde não vacinados, quando o Programa Nacional de Eliminação do Sarampo especificava já em 2013 que a este grupo deveriam ser administradas duas doses da vacina, atendendo ao risco acrescido de contacto com casos importados e tendo em conta a elevada contagiosidade da doença?
“São questões individuais, são erros das pessoas, a vacinação contra o sarampo não é obrigatória”, respondeu o director-geral da Saúde, Francisco George, para quem esta é “uma missão dos serviços de medicina do trabalho”. Sublinha, de resto, que não sabe quantos profissionais de saúde estão nessa situação.
“A verificar-se [a não vacinação de profissionais de saúde], é lamentável. A adesão dos profissionais de saúde a uma vacina como a VASPR [vacina trivalente contra sarampo, papeira e rubéola] deveria ser exemplar, para sua própria segurança, como este surto o comprova”, defende Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia de Doenças Transmissíveis na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e membro da Comissão Técnica de Vacinação da DGS, que destaca a importância da prevenção. A prevenção, enfatiza, “é prova de inteligência”.
São vários os especialistas que sublinham a necessidade da vacinação dos profissionais de saúde. Estão indicadas duas doses, "qualquer que seja a idade”, até porque a possibilidade de contágio é muito superior porque a exposição é maior, explica a médica e consultora da DGS Paula Valente, que lembra que o mesmo está previsto nos casos das pessoas que viajam para zonas onde o sarampo é endémico.
Como o sarampo tem sido nos últimos anos “uma doença ausente, poderá ter havido algum descanso e tranquilidade, algum facilitismo em relação a esta situação", afirma, em jeito de explicação, o presidente da Associação Nacional de Medicina Geral e Familiar, Rui Nogueira, ao mesmo tempo que admite que "os piores doentes são os médicos“.
O PÚBLICO tentou perceber qual é a percentagem de profissionais de saúde não vacinados ou inoculados com apenas uma dose (a vacinação contra o sarampo foi integrada no programa nacional em 1974, mas as pessoas receberam apenas uma dose até 1990, altura em que começaram a ser dadas duas), mas não obteve respostas da DGS, nem das administrações regionais de saúde. Todas as informações sobre sarampo estiveram concentradas esta quinta-feira na DGS — que não enviou os dados solicitados.
Gripe: só 24% dos funcionários dos hospitais vacinados
O que é conhecido e tem sido objecto de debate é a falta de adesão de muitos profissionais de saúde à vacinação contra uma doença que é sazonal — a gripe — e que implica uma nova inoculação todos os anos. Sobre esta matéria os dados são conhecidos, porque todos os anos é feita uma avaliação e os resultados não são animadores: na época de 2015/2016, "a vacinação dos profissionais de saúde foi da ordem dos 45% nos centros de saúde e de 24% nos hospitais”, lê-se num comunicado divulgado no Portal da Saúde, e em que se defende ser “imperioso" aumentar a vacinação de médicos, farmacêuticos, enfermeiros e de outros profissionais que contactam directamente com doentes não só para prevenir a doença mas também minimizar o risco de transmissão.
Um problema que também já está identificado é o da existência de bolsas mais susceptíveis na população por falta de vacinação. Há de facto, comunidades e locais em que a cobertura vacinal é bem inferior à da população em geral. O PÚBLICO pediu também os dados por região e por agrupamentos de centros de saúde a todas as instituições atrás citadas, mas não obteve qualquer resposta.
Mas um relatório de avaliação da contratualização dos cuidados de saúde primários da Admnistração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo adianta alguns dados sintomáticos: em 2014, a taxa de cobertura com a segunda dose da vacina contra o sarampo, papeira e rubéola era de apenas 83% nos agrupamentos de centros de saúde (ACES) de Cascais, de 85% nos de Lisboa Central, de 87% nos da Amadora e de 89% nos de Sintra. Todos, portanto, abaixo da média nacional (que é de 95%).
Helena Costa, directora do ACES de Cascais, escusou-se a fornecer qualquer explicação, frisando que a informação estava centralizada na DGS. Das cinco ARS do país, só a do Centro enviou uma avaliação regional efectuada em 2016 (sem especificar os dados dos ACES), que indica que a cobertura vacinal era então ali de 98% (primeira dose da vacina) e de 96% (segunda dose).
Gratuita e integrada no Programa Nacional de Vacinação desde 1974, a vacina contra o sarampo deve ser actualmente administrada em duas doses: aos 12 meses e aos cinco anos de idade. Face ao avolumar de pedidos de pais que pretendem inocular os filhos mais cedo do que o que está previsto nos centros de saúde, esta quinta-feira a DGS emitiu uma orientação em que sublinha que apenas nos casos de crianças com receita médica em papel será possível antecipar a vacinação, quer aos 12 meses, quer aos cinco anos.