O risco da autodestruição
Ma Loute é o filme em que Bruno Dumont plenamente concebe o humor como vocabulário.
É verdade que, como dizia Bruno Dumont ao Ípsilon da semana passada, já havia humor em L’Humanité, por exemplo. Mas era mais um sorriso escarninho, uma espécie de sarcasmo — o das circunvoluções do destino, por assim dizer, como a que, em Hadewjich, fazia da pia protagonista uma terrorista violenta e dum marginal sem eira nem beira uma variação sobre um Cristo pasoliniano (em Pasolini também havia muito humor, já agora).
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É verdade que, como dizia Bruno Dumont ao Ípsilon da semana passada, já havia humor em L’Humanité, por exemplo. Mas era mais um sorriso escarninho, uma espécie de sarcasmo — o das circunvoluções do destino, por assim dizer, como a que, em Hadewjich, fazia da pia protagonista uma terrorista violenta e dum marginal sem eira nem beira uma variação sobre um Cristo pasoliniano (em Pasolini também havia muito humor, já agora).
O que não havia em Dumont era a comédia, obstinado que estava em refazer os caminhos de Bresson ou de Dreyer, marcas óbvias de um filme como Fora, Satanás!. Portanto, tudo isto para dizer que Ma Loute é o filme em que Dumont plenamente concebe o humor como vocabulário, o burlesco como estratégia figurativa, sem se afastar muito das suas preferências temáticas: as fábulas civilizacionais, o relato das lutas entre a razão e os impulsos.
Auto-destrutivas sempre foram as personagens de Dumont, aqui é como se ele adoptasse, para ele e para o seu cinema, o risco da autodestruição. É estranho — mas é o mesmo cineasta, que se admira (mais do que se ama) desde L’Humanité e de quem se tem sempre a suspeita (aqui, mais uma vez) de que o seu melhor filme ainda está por fazer.