Das nuvens até ao fundo do mar
Governo promete explorar o “laboratório natural” dos Açores em várias frentes.
O centro internacional de investigação dos Açores poderá não ser só uma base espacial para lançamento de microssatélites. Há outros projectos especiais dedicados aos oceanos, alterações climáticas e energia. O novo plano do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior quer usar o céu dos Açores para se lançar para o espaço, mas também quer chegar ao mar profundo, medir o vento, e tocar nas nuvens.
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O centro internacional de investigação dos Açores poderá não ser só uma base espacial para lançamento de microssatélites. Há outros projectos especiais dedicados aos oceanos, alterações climáticas e energia. O novo plano do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior quer usar o céu dos Açores para se lançar para o espaço, mas também quer chegar ao mar profundo, medir o vento, e tocar nas nuvens.
O projecto anda a ser discutido há vários meses. A 10 de Junho, nas celebrações do Dia de Portugal em Nova Iorque, realizou-se um workshop que marcou o início da discussão pública do AIR (Atlantic International Research Center). Na versão preliminar do projecto foram definidas as principais linhas orientadoras deste plano que quer aproveitar o “inigualável laboratório natural” do arquipélago. Um dos meios para o conseguir é aproveitar o que já lá está. E já existem várias infra-estruturas importantes como o aeroporto das Lajes, as estações de medição da radiação atmosférica do Departamento de Energia dos EUA na ilha Graciosa ou o Departamento de Oceanografia e Pescas (DOP) da Universidade dos Açores na ilha do Faial.
De acordo com o documento que tem servido de base de trabalho, a investigação que se dedica às alterações climáticas será “uma das áreas mais vai beneficiar com a criação do AIR Center”. As mudanças no clima podem ser confirmadas e medidas nos oceanos que “absorveram” 90% do excesso de energia acumulado no sistema climático desde 1971 e que guardam ainda cerca de 30% do carbono emitido pelos humanos. Depois há o estudo das ondas, das correntes e temperaturas da água que podem explicar muita coisa sobre o que mudou ou pode mudar no clima da Terra.
Na área das alterações climáticas, também é importante andar com a cabeça nas nuvens. A topografia do arquipélago e a riqueza das suas fronteiras marinhas faz dos Açores um lugar especial para observar a reacção das nuvens aos aerossóis (partículas suspensas) e gases com efeito de estufa. Na ilha do Pico, por exemplo, há um observatório da poluição atmosférica, da Universidade dos Açores, que está a 2225 metros acima do nível do mar e que já participa em vários projectos internacionais que estudam a atmosfera. Na Graciosa encontramos a estação norte-americana de medições de radiação atmosférica e em São Miguel está o Centro de Vulcanologia e Avaliação de Riscos Geológicos. Projectos que podem ganhar novo fôlego com o AIR Center.
Na área da energia, outra das prioridades deste plano de investigação, as pequenas e isoladas ilhas parecem oferecer um cenário ideal para testar soluções tecnológicas para novas energias. E há várias fontes para explorar nos Açores, desde a geotermal à solar, passando pelo vento e pelo mar. Mais uma vez, não é preciso inventar nada porque já existem importantes infra-estruturas a trabalhar (e a colaborar em projecto internacionais) no Pico, em São Miguel, nas Flores e na Graciosa.
Por fim, a ciência dos oceanos e a tecnologia para o Atlântico, ou seja, o ambicionado reforço da investigação nas fontes hidrotermais, ecossistemas, biologia marinha, geologia e oceanografia. E ainda o investimento na chamada “economia azul”. Não falta matéria-prima neste arquipélago. A zona económica exclusiva (ZEE) dos Açores cobre cerca de um milhão de quilómetros quadrados, dos quais 99% são mar profundo com um “chão” com fracturas, fendas, bacias, buracos e outros traços (e habitantes) únicos. Espera-se, assim, que o AIR Center facilite a vida dos investigadores que vigiam a superfície e o fundo do mar, desde o efeito dos ventos cá em cima até às espécies que sobrevivem (ou não) lá em baixo.
O documento sugere, por exemplo, que os Açores (com a sua localização estratégica) acolham um “posto avançado de monitorização marinha” que complemente as infra-estruturas que existem no continente. Mas, uma vez mais, os Açores já reúnem algumas condições. O laboratório experimental do DOP no Faial — o Lab-Horta@DOP & Cold Water Coral Lab – que permite recriar em terra firme as condições naturais do mar profundo, possibilitando a simulação de uma profundidade até quatro mil metros, é uma das infra-estruturas que deverá começar a trabalhar no contexto do AIR Center.