Alerta! Vem aí a poesia visceral de Moor Mother

Sons electrónicos virulentos e uma voz que expele palavras politizadas com raiva, junção de música e poesia pela americana Moor Mother, em estreia em Portugal por estes dias.

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Pensamos na Detroit da editora Motown, dos Stooges, do tecno ou dos White Stripes. Lembramo-nos da Chicago da música house. Ou da Nova Iorque dos Velvet Underground, do punk, do disco ou do hip-hop. E quando se fala de Seattle, é o grunge e os Nirvana que são evocados.

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Pensamos na Detroit da editora Motown, dos Stooges, do tecno ou dos White Stripes. Lembramo-nos da Chicago da música house. Ou da Nova Iorque dos Velvet Underground, do punk, do disco ou do hip-hop. E quando se fala de Seattle, é o grunge e os Nirvana que são evocados.

Nos Estados Unidos, montra privilegiada de diversas culturas populares de expressão global, a história de cada cidade parece reflectir diferentes narrativas sónicas. Como se a música funcionasse como monografia do espaço urbano. Quando pensamos nessas grandes cidades, imaginamos sons, discos ou algumas músicas. No caso de Filadélfia, a identificação não é tão imediata. No entanto, é uma cidade onde a poesia, a música e a política andaram sempre a par na expressão dos direitos civis dos negros.

Foi ali que músicos como Archie Shepp, Philly Joe Jones e Grover Washington e escritoras e poetisas como Nikka Giovanni, Sonia Sanchez e Toni Morrison reconheceram no jazz a voz mais urgente da negritude. Foi ali também que na alvorada dos anos 1970 o chamado “som de Filadélfia”, cruzamento de soul e disco anos antes de o género nascer oficialmente, iria dar que falar. O mesmo sucedendo, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, com uma geração de poetisas, cantoras e músicos como Ursula Rucker, King Britt, Jill Scott, Vikter Duplaix ou Bilal, cruzando hip-hop com soul, palavra com novas músicas negras urbanas.

Camae Ayewa, ou seja Moor Mother, é também uma filha de Filadélfia, estando imersa na vida mais pulsante da cidade através de vários projectos de âmbito artístico ou sociopolítico, como a Community Futures Lab, o The Afrofuturist Affair ou o colectivo Black Quantum Futurism Collective. É essa activista, poetisa, cantora, performer, artista visual, professora e também música ou produtora que vem agora a Portugal pela primeira vez, actuando solitariamente esta quarta-feira no Porto (Café Au Lait), quinta em Lisboa (Galeria ZDB) e sexta em Coimbra (Salão Brazil).

O álbum que lançou o ano passado, Fetish Bones, deu-lhe uma visibilidade um pouco inesperada, porque a sua música está longe de confortar. Bem pelo contrário, confronta, interpela, provoca, numa mistura de paisagens sonoras electrónicas virulentas, deformadas e disfuncionais, com uma voz potente que expele palavras, rimas e poemas de agonia e raiva, evocando os tempos em que fazia parte da banda punk The Mighty Paradocs. Num tempo em que a América parece perdida no seu próprio nevoeiro, eis uma voz progressista, sem receio de afirmar uma radical ética sociocultural, alicerçada num gesto artístico ousado e de confronto.

Há semanas editou um novo registo, The Motionless Present, talvez ainda mais radical que o álbum do ano passado. Mais uma vez, nas suas palavras politizadas, existem influências poéticas de Sonia Sanchez ou Amiri Baraka, sucessão de histórias de resistência e sobrevivência, envolvidas por uma tapeçaria sónica ruidosa em que se intersectam música concreta, jazz do mais livre, cólera punk, electrónicas, improvisação, samples de blues ou rap. Mas o resultado final é triturado até à sua quase não identificação.

Numa recente mixtape para a publicação inglesa Fact, misturava uma série de temas que ajudam a perceber o seu universo, indo das palavras de Saul Williams ou Amiri Baraka, até à electrónica nocturna de Actress, Burial ou The Bug, passando pela efervescênca rítmica dos portugueses DJ Firmeza e DJ Marfox e alusões à Filadélfia natal, através de King Britt.  

É esta mulher que tem documentado o racismo sistémico nos Estados Unidos e que tem ao mesmo tempo uma profunda consciência do seu lugar e do meio que trilha — “Perguntam-me porque não há mais negros nos meus concertos. A pergunta certa seria: Porque não há pessoas de classes baixas? Que cresceram em bairros sociais como eu? Ser artista implica muitas vezes um certo privilégio”, dizia ela no ano passado, em conversa com o PÚBLICO — que vai estar em Portugal por estes dias.

Quem espera que uma performance seja apenas um lugar para confirmar o que já se sabe por antecipação irá desiludir-se. Os outros estão avisados.