Descoberta a arma que o castanheiro usa para se livrar da doença da tinta
Se ataca o castanheiro, não há castanhas para ninguém. Uma equipa de cientistas portugueses quer resolver este problema e acabou por desvendar o mecanismo usado pelo castanheiro para se ver livre da mortífera doença da tinta.
Se há doença que pode estragar o Outono é a doença da tinta. Apodera-se dos castanheiros e faz com que as suas raízes e a zona do caule apodreçam. Depois, alastra-se e contamina as folhas, que ficam amarelas. A partir daí, não há-de tardar muito até que a árvore morra, pois o castanheiro deixa de conseguir absorver água e nutrientes. Como tal, não dá os tão esperados frutos: as castanhas. Mas calma, agora um grupo de cientistas portugueses conseguiu perceber as armas que podem ser usadas pelos castanheiros para afugentar esta doença mortífera.
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Se há doença que pode estragar o Outono é a doença da tinta. Apodera-se dos castanheiros e faz com que as suas raízes e a zona do caule apodreçam. Depois, alastra-se e contamina as folhas, que ficam amarelas. A partir daí, não há-de tardar muito até que a árvore morra, pois o castanheiro deixa de conseguir absorver água e nutrientes. Como tal, não dá os tão esperados frutos: as castanhas. Mas calma, agora um grupo de cientistas portugueses conseguiu perceber as armas que podem ser usadas pelos castanheiros para afugentar esta doença mortífera.
Antes de avançarmos para a estratégia de guerra usada pelos castanheiros contra a doença da tinta, é necessário apresentar os “guerreiros”. São eles a espécie de castanheiro Castanea crenata, ou castanheiro-asiático; e a Castanea sativa, ou castanheiro-europeu. Façamos então uma viagem com estas árvores centenárias. O castanheiro-asiático é de pequena e média dimensão (entre dez a 15 metros) e com folhas pequenas e dentadas. E tal como o nome indica, teve origem na Ásia, mais propriamente no Japão e na Coreia.
Pensa-se que a expansão para oeste das espécies do género Castanea tenha acontecido a partir da Ásia Oriental durante o Eoceno (época que começou há cerca 55 milhões de anos e terminou há 36 milhões). Depois terá existido uma dispersão entre as espécies chinesas, europeias e norte-americanas. E por fim, uma divisão entre as espécies europeias e norte-americanas.
Aproximemos agora a escala até Portugal. O castanheiro-europeu é a espécie mais comum no território português, ocupando uma área de cerca de 35 mil hectares em 2010, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). Pensa-se que este castanheiro tenha tido origem na região da actual Turquia. E hoje, além de Portugal, onde se situa com maior incidência no Centro e Norte do país, pode ser encontrado nos Balcãs, na Ásia menor, no Cáucaso e no Centro e Oeste da Europa.
O castanheiro, além de nos dar madeira, lenha e infusão de folhas, fornece-nos as apetecidas castanhas. Actualmente, a China é o maior produtor mundial de castanhas. De acordo com os dados da FAO, em 2010 a China produziu cerca de 80% das castanhas do mundo. Portugal está entre os principais produtores mundiais (ocupa o 10.º lugar), produzindo entre 35 mil e 45 mil toneladas por ano e foi ainda o quarto maior exportador mundial. Em 2016, de acordo com a mesma organização, só a zona do Mediterrâneo produzia cerca de 117 mil toneladas de castanhas.
Portanto, a doença da tinta, provocada pelo fungo Phytophthora cinnamomi, pode formar uma autêntico campo minado para as plantações de castanheiros. O microorganismo que origina a doença vive no solo e ataca as raízes da árvore, impedindo a absorção de nutrientes e água, levando o castanheiro à morte. A desmistificação do mecanismo de defesa do castanheiro a esta doença seria assim fundamental. E foi isso que fez uma equipa de cientistas portugueses, coordenada pelo Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária e que inclui ainda o Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (da Universidade Nova de Lisboa), em Oeiras, e a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Os resultados foram publicados este mês na revista Frontiers in Plant Science.
Segredo está em proteínas
Para perceberem o mecanismo, os cientistas infectaram o castanheiro-asiático, o castanheiro-europeu e quatro espécies híbridas de castanheiros com o agente patogénico. Depois de recolherem as amostras, fizeram o transcriptoma, que é o conjunto de ARN resultante da transcrição da molécula de ADN e que sintetiza as proteínas a partir dos genes.
Centremo-nos então no castanheiro-asiático e no castanheiro-europeu. Houve uma diferença entre os dois: o primeiro sintetizou uma maior quantidade de proteínas de ARN a partir dos genes, que estavam relacionadas com a doença. Para ver melhor esta reacção, os cientistas usaram a técnica da reacção em cadeia da polimerase (PCR), para amplificar fragmentos de ADN e obter assim grandes quantidades desta molécula em pequenas amostras. Observaram depois que os genes de resistência à doença da tinta estão mais activos (ou expressos) no castanheiro-asiático do que no castanheiro-europeu.
E como consegue o castanheiro-asiático defender-se? Há três linhas de defesa e este castanheiro usa sobretudo a primeira linha nesta batalha contra a doença. Quando é atacado pelo fungo, o castanheiro-asiático produz proteínas que conseguem proteger as raízes e aumentar a espessura das células da raiz. O fungo tem assim mais dificuldades em penetrar nas células do castanheiro. “Essa linha está presente nos castanheiros-asiáticos mesmo sem haver contacto com o agente patogénico. Ele próprio faz isso”, explica ao PÚBLICO o biólogo Pedro Fevereiro, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier e um dos autores do artigo científico.
O castanheiro-europeu também activa estes genes, mas só depois do fungo ter penetrado na raiz, o que já é tarde de mais. O castanheiro acaba por morrer em combate. “Ao contrário do castanheiro-europeu, o asiático evoluiu em contacto com este agente patogénico”, explica Pedro Fevereiro. “O castanheiro-europeu só mais tarde começou a contactar com este agente.”
Este ataque da primeira linha é completado com a segunda, que reconhece as substâncias produzidas pelo fungo e que transmite essa informação ao núcleo das células, induzindo assim a actividade de certos genes associados à doença. E ainda há uma terceira linha, em que as células do castanheiro, ao reconhecerem o agente patogénico, sintetizam o ácido salicílico, que tem a função de se disseminar para outras células e aumentar a actividade dos genes das plantas.
Este trabalho inclui-se no programa de melhoramento do castanheiro-europeu (do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária e é coordenado por Rita Costa) e tem um objectivo: “O conhecimento destes genes permite desenhar marcadores moleculares que com duas funções: ao identificarmos as sequências de ADN, podemos analisar o ADN das plantas e encontrar árvores mais resistentes”, considera Pedro Fevereiro. A partir destes marcadores moleculares, os cientistas pretendem agora criar castanheiros-europeus mais resistentes ao fungo da doença da tinta.
Pedro Fevereiro fala ainda da criação de castanheiros híbridos, resistentes como o castanheiro-asiático e darem frutos grandes como o castanheiro-europeu. Com os novos marcadores moleculares poder-se-á analisar a descendência dos castanheiros híbridos: “Podemos saber como se pode produzir um castanheiro híbrido [resistente]. Assim, reduz-se o tempo para obter plantas resistentes. Este será um trabalho futuro.”
A doença da tinta tem mesmo uma importância fulcral nas plantações de castanheiro-europeu: “Um dos problemas causados pela doença é a degradação do ecossistema.” Em Valpaços e Vinhais, respectivamente numa área de 483 hectares e 394 hectares, houve perdas na produção de cerca de 50%, entre 2006 e 2014, devido a doenças como a doença da tinta e o cancro do castanheiro, de acordo com o estudo Monitorização da condição fitossanitária do castanheiro por fotografia aérea obtida com aeronave não tripulada, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Estes dois concelhos representam uma região com elevada produção de castanhas em Trás-os-Montes. Também segundo esse estudo, houve uma redução em 27,3% da área de castanheiros entre 2002 e 2004 devido à já nossa bem conhecida e destrutiva doença da tinta.