Centeno conta com prenda nos juros para pagar exigência da esquerda
Ministro tira ilusões a Bloco e PCP: nem mais um cêntimo para as medidas de 2018 - nem no IRS, nem para a função pública. Os juros ainda dão uma ajuda para pagar uma delas. E para outras matérias sensíveis? É segredo. Hoje Marcelo recebe os partidos, para os ouvir sobre o Programa de Estabilidade.
Até Outubro, muita água passará por baixo da ponte das negociações que se farão entre Governo, Bloco de Esquerda e PCP. Mas o Programa de Estabilidade deixa um sinal muito claro de Mário Centeno para os parceiros de governação: à partida, não haverá mais do que o que já estava previsto há um ano, quer para o IRS dos mais frágeis, quer para descongelar carreiras e progressões na Administração Pública: 200 milhões de euros em 2018, no caso do IRS; e 141 milhões de euros (líquidos) para trabalhadores do Estado, em cada um dos quatro próximos anos.
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Até Outubro, muita água passará por baixo da ponte das negociações que se farão entre Governo, Bloco de Esquerda e PCP. Mas o Programa de Estabilidade deixa um sinal muito claro de Mário Centeno para os parceiros de governação: à partida, não haverá mais do que o que já estava previsto há um ano, quer para o IRS dos mais frágeis, quer para descongelar carreiras e progressões na Administração Pública: 200 milhões de euros em 2018, no caso do IRS; e 141 milhões de euros (líquidos) para trabalhadores do Estado, em cada um dos quatro próximos anos.
Mais até: se compararmos com o Cenário Macroeconómico que Mário Centeno apresentou antes da campanha eleitoral, o montante para o bónus no IRS até acaba reduzido a metade. É que, nesse trabalho, Centeno tinha previstos 400 milhões de euros, para aplicar a partir de 2017 um Complemento Salarial Anual, que era na prática um rendimento extra para os trabalhadores de baixos rendimentos (tão baixos que nem chegam a pagar IRS), sob forma de crédito fiscal. Há um ano, porém, quando apresentou o seu Programa de Estabilidade, a medida ficou reduzida a metade, 200 milhões de euros. E assim ficou no documento que agora foi enviado para o Parlamento.
Sobre o IRS, há mais dois dados a reter: que em 2019 não haverá reforço da medida que for aplicada; e que já nem há certeza que a medida seja um crédito fiscal para muito baixos rendimentos. É que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade, já admitiu estar a estudar duas soluções alternativas, num outro sentido: criar um patamar intermédio entre o primeiro e o segundo escalão do IRS ou alterar as actuais taxas. A ser assim, a medida teria impacto sobre outro universo, o de quem tem rendimentos baixos, mas suficientes para não estar isento de IRS.
Quando à outra medida central nas negociações do próximo Orçamento, a das progressões nas carreiras, não só acaba com impacto um pouco menor do que o estimado — 141 milhões anuais em termos líquidos, face aos 200 milhões anteriormente inscritos —, como Mário Centeno já encontrou uma compensação no Orçamento: é que só em juros, o Estado deve conseguir uma poupança de 152 milhões de euros em 2018, juntando-se outros 134 milhões em 2019, o último Orçamento deste Governo. Isto será conseguido via renegociação dos empréstimos do FMI, acrescenta o documento, que conta com mais juros apenas em 2020, quando se entrar na próxima legislatura.
Mas, para os lados da esquerda, há mais sinais desta firmeza de Centeno em não ceder mais do que o previsto.
Segredo 1: reformas sem penalização
Neste momento, o Governo está a negociar com PCP e Bloco várias medidas, em que a esquerda exige ter soluções já este ano. As três trazem, claro, riscos orçamentais acrescidos para 2018. Mas em nenhum dos casos o Programa de Estabilidade permite antever qualquer impacto nas contas públicas.
Por partes e começando pela mais premente: o ministro Vieira da Silva está a negociar o fim das duplas penalizações para as reformas antecipadas de quem tenha uma carreira contributiva de pelo menos 48 anos (e desde que já tenham 60 de idade). Os partidos à esquerda querem mais, que a medida seja aplicada a quem tenha 46 anos de descontos. António Costa já aceitou o princípio, mas deixou claro que é preciso fazer contas, para não prejudicar a Segurança Social, abrindo portas a um faseamento ou escalonamento da medida. A solução virá até ao próximo mês. Mas no Programa de Estabilidade nada é dito sobre o seu impacto - e olhando os quadros sobre o peso das prestações sociais no PIB, o que se vê é uma tendência decrescente (face ao crescimento previsto da economia).
Segredo 2: e os precários?
Segredo igual na questão da integração dos precários nos quadros do Estado. Em Outubro o plano estará definido - pelo que o impacto orçamental acontecerá em pleno no próximo ano. Bloco e PCP esperam que o universo seja grande, Costa já disse que “podem ser 80 mil ou 100 mil”, desde que preencham os critérios definidos.
É certo que estes critérios são bastante mais restritivos (face ao documento base feito pelo Governo) e que no Executivo se desvaloriza muito o efeito que terá nas contas (que depende do número de abrangidos). O Programa de Estabilidade não desfaz o mistério, nem refere o tema.
Segredo 3: salário mínimo
No acordo que celebrou na Concertação Social em Dezembro, António Costa manteve o mistério que lançou no seu Programa de Governo: se é sabido que o objectivo de aumento do salário mínimo é de chegar aos 600 euros em 2019, fim da legislatura, ninguém sabe qual é o valor que o Governo proporá para o próximo ano.
Hoje, o valor da prestação é já de 557 euros, depois de três aumentos consecutivos (o primeiro no tempo de Passos Coelho). Se a concertação abria espaço à avaliação da medida, neste documento o Governo nem essa referência faz. De resto, o mesmo se aplica ao Programa Nacional de Reformas.
E para Marcelo, um problema
O Presidente da República, que recebe hoje os partidos políticos para discutir o Programa de Estabilidade e medir as temperaturas, também recebe um pequeno balde de água fria no documento. Desde o início do ano que Marcelo insiste na necessidade de a economia portuguesa crescer “muito mais”.
Ora, no Programa agora revisto, Centeno revê, de facto, em alta as estimativas de crescimento, mas apenas vê o PIB acima dos 2% em 2021, na próxima legislatura. Não será suficiente para deixar Marcelo descansado, face ao que disse em Fevereiro: "Precisamos de aumentar as taxas de crescimento, claramente, acima dos 2%. Não é apenas por uma questão de criação de emprego, é para uma libertação de poupança. Uma formação de poupança é um investimento que assegura a sustentabilidade desse crescimento, nomeadamente em termos de recursos humanos, de pessoas”.
Mesmo assim, o Presidente estará genericamente contente com o documento que o Governo vai entregar em Bruxelas. Na semana passada já disse serem “muito boas notícias” o objectivo de um défice de 1% em 2018. E a relativa anuência dos partidos à esquerda face a estes objectivos garante-lhe o outro pressuposto que tem vincado: o da estabilidade política.