Linha do Douro: interrogações sobre um estudo
Em Maio vão ser retomadas na cidade de Vila Real as cimeiras ibéricas, cuja agenda contempla "importantes projetos transfronteiriços". Estaremos perante mais uma oportunidade desperdiçada para a Linha do Douro?
Na sua edição de 06/02/2017, o PÚBLICO noticiou as conclusões de um estudo centrado na Linha do Douro, eixo ferroviário internacional de 269 Km, repartidos entre Estados ibéricos, cabendo 191 Km (Ermesinde-Barca de Alva) ao território nacional, constituindo o mais curto caminho terrestre existente entre Madrid, a Área Metropolitana do Porto e o Oceano Atlântico. Intitulando-se Estudo de Desenvolvimento da Linha do Douro, o trabalho, sob a égide das Infraestruturas de Portugal, apresenta a Linha do Douro como o itinerário ferroviário lógico, de integração funcional da Área Metropolitana do Porto, e de toda região Norte, com a restante Península Ibérica e Europa além-Pirinéus, validando-o como a "melhor opção", nas dimensões técnico-operacionais, económicas e estratégicas. Adicionalmente, o estudo projeta a linha como vetor incontornável para um novo modelo de desenvolvimento territorial transfronteiriço, volvidas mais de três décadas após a suspensão de todos os serviços internacionais, na sequência da qual têm permanecido ao abandono 106 Km de via, entre Pocinho, Barca de Alva/Fregeneda (fronteira) e Fuente de San Esteban (entroncamento a 56 Km de Salamanca). Este estudo vem lançar uma série de desafios e interrogações.
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Na sua edição de 06/02/2017, o PÚBLICO noticiou as conclusões de um estudo centrado na Linha do Douro, eixo ferroviário internacional de 269 Km, repartidos entre Estados ibéricos, cabendo 191 Km (Ermesinde-Barca de Alva) ao território nacional, constituindo o mais curto caminho terrestre existente entre Madrid, a Área Metropolitana do Porto e o Oceano Atlântico. Intitulando-se Estudo de Desenvolvimento da Linha do Douro, o trabalho, sob a égide das Infraestruturas de Portugal, apresenta a Linha do Douro como o itinerário ferroviário lógico, de integração funcional da Área Metropolitana do Porto, e de toda região Norte, com a restante Península Ibérica e Europa além-Pirinéus, validando-o como a "melhor opção", nas dimensões técnico-operacionais, económicas e estratégicas. Adicionalmente, o estudo projeta a linha como vetor incontornável para um novo modelo de desenvolvimento territorial transfronteiriço, volvidas mais de três décadas após a suspensão de todos os serviços internacionais, na sequência da qual têm permanecido ao abandono 106 Km de via, entre Pocinho, Barca de Alva/Fregeneda (fronteira) e Fuente de San Esteban (entroncamento a 56 Km de Salamanca). Este estudo vem lançar uma série de desafios e interrogações.
Desde logo, desmistifica-se a argumentação absurda sobre uma alegada "inadequação técnica", no tocante à possibilidade de circulação de pesadas composições de mercadorias, posicionando-as com os recursos de tração existentes, diesel ou elétrico, na dimensão média comum das maiores cargas brutas rebocadas em contexto ibérico. Tal coloca esta via-férrea como solução natural e incontornável, quer no atendimento das necessidades dos "hinterlands" de plataformas logísticas como o Porto de Leixões e Valongo-São Martinho do Campo (SPC), quer no facultar de uma saída atlântica rápida aos "portos secos" da Rede Logística de Castilla-y-León (CYLOG) e além. Não é esquecido o papel fulcral da Linha do Douro (complementada com a reativação parcial em via larga de 30 Km da Linha do Sabor entre Pocinho e Carvalhal), no escoamento da eventual extração de minério de ferro de Moncorvo-Reboredo, incluindo a respetiva exportação para clientes potenciais em Espanha (Astúrias), através da fronteira de Barca de Alva, reabilitada e reaberta a todos os tráfegos.
A invulgaridade do estudo afigura-se notável, no que respeita à valência “passageiros”, a qual é enquadrada em estrita articulação com as atividades económicas das regiões atravessadas. À Linha do Douro é-lhe atribuído um papel de catalisadora do desenvolvimento regional, do Atlântico a Salamanca e a Madrid, com passagem por uma Região Turística Património Mundial, preconizando-se um reforço adicional da oferta em acessibilidades transfronteiriças, atuando em sinergia com a navegação fluvial, hoje padecendo de consideráveis constrangimentos técnicos à sua expansão. O estudo aponta, realizadas simulações de marcha com software adequado, para tempos de viagem de 2h50m, de Porto-Campanhã à fronteira de Barca de Alva (200 Km), e ainda 4h30m, na viagem até Salamanca (336 Km), onde um enlace facilitado com a já existente oferta de serviços "Alvia" (Alta Velocidade Espanhola Regional) permitiria aceder a Madrid em 95 minutos adicionais, possibilitando Porto-Salamanca ou Madrid-Alto Douro Vinhateiro com regresso no próprio dia.
Apresentam-se pressupostos técnicos de reabilitação do itinerário de 269 Km, incluindo os 106 Km transfronteiriços desativados, onde se contempla o reforço/substituição de tabuleiros metálicos de numerosas obras de arte, requalificadas de 16 para 22,5 toneladas por eixo. Consideram-se várias modalidades de investimento, incluindo ou não eletrificação integral a Leste da Régua (Km 105 a partir de Campanhã), estabelecendo uma orçamentação entre os 192 e 230 M€, do lado de Portugal, e 87 a 119 M€, na porção em território de Espanha. Adicionando-se uma variante de traçado opcional "Almendra/Fregeneda", na zona raiana, orçamentada preliminarmente em 93 M€, e ainda o restabelecimento parcial da Linha do Sabor (de índole industrial e mineiro), avaliado em 29,5 M€, o montante total a investir ascenderia a 473 M€. Qualquer cenário de reabilitação da Linha do Douro quedar-se-ia a uma considerável distância orçamental do montante de 1100 a 1500 M€, estimado como custo de construção de uma linha entre Aveiro e Mangualde, relativamente à qual Bruxelas declinou atribuir comparticipação no âmbito do Fundo Connecting Europe Facility (CEF), por inexistência de retorno socioeconómico.
Em três décadas de integração europeia, Espanha e Portugal viram ser-lhes atribuídos fundos comunitários, consagrados a regiões fronteiriças e "de convergência", sucedendo-se protocolos e programas conjuntos, sem que qualquer deles contemplasse a reabertura ao tráfego internacional da Linha do Douro. Estaremos perante um mero estudo informativo ou pretende-se preparar algo de diferente do que até agora Bruxelas, os Governos centrais dos Estados ibéricos, CCDR-Norte e Castilla-y-León e AECTs (Agrupamentos Económicos de Cooperação Transfronteiriça) se mostraram (in)capazes de realizar?
Em Maio do presente ano, vão ser retomadas na cidade de Vila Real as cimeiras ibéricas, cuja agenda contempla "importantes projetos transfronteiriços". Estaremos perante mais uma oportunidade desperdiçada para a Linha do Douro ou haverá disponibilidade institucional para acolher as recomendações que resultaram do estudo realizado sobre a mesma?
O Estudo de Desenvolvimento da Linha do Douro responde de forma inequívoca e assertiva ao papel que este eixo ferroviário pode e deve desempenhar na integração de mercados no Noroeste, Norte e Centro peninsular, a todos os níveis, assumindo-se como uma verdadeira e inovadora lufada de ar fresco. Mas até que ponto lhe será permitido eximir-se à reclusão do arquivamento?
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico