Escolas de código, ou cursos para reprogramar a vida
Há quem esteja a cobrar seis mil euros por três meses de aulas numa área com emprego quase garantido. Os casos de sucesso são muitos, mas alguns empregadores hesitam.
Depois de começar seis licenciaturas diferentes, Laura Schuch, 27 anos, precisava de um emprego estável. Via a universidade como o caminho para uma profissão bem paga, mas a única licenciatura que completou, em equinicultura (gestão de actividades equestres), não lhe dava acesso a mais do que estágios não remunerados. “Rapidamente percebi que não havia emprego na minha área em Portugal”, conta Laura. A última tentativa foi uma licenciatura à distância em Informática, mas desistiu passado um semestre.
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Depois de começar seis licenciaturas diferentes, Laura Schuch, 27 anos, precisava de um emprego estável. Via a universidade como o caminho para uma profissão bem paga, mas a única licenciatura que completou, em equinicultura (gestão de actividades equestres), não lhe dava acesso a mais do que estágios não remunerados. “Rapidamente percebi que não havia emprego na minha área em Portugal”, conta Laura. A última tentativa foi uma licenciatura à distância em Informática, mas desistiu passado um semestre.
Em 2016, optou por um curso intensivo de 14 semanas numa escola de programação. Funcionou. Não só chegou ao final do programa da Academia de Código, como o acabou numa sexta e estava empregada na segunda-feira seguinte. “Na faculdade aprende-se muita coisa que não é fundamental ao mercado de trabalho e os empregadores precisam, cada vez mais, de habilidades muito específicas”, defende Schuch.
Em Portugal não há falta de trabalho em informática. Só de profissionais. A Comissão Europeia prevê que até 2020 existam 15 mil vagas para informáticos no país se não existir uma orientação de pessoas para a área. A diferença entre talento disponível e procura levou à criação da Academia de Código, que se apresenta como uma hipótese de requalificação para os milhares de portugueses em situação de desemprego, em particular, jovens em licenciaturas sem saída. Mas não é preciso um diploma para entrar nestas escolas.
João Claro, 26 anos, passou de funcionário numa caixa de uma bomba da Repsol para programador numa empresa holandesa no Fundão. “Como só tenho o 9.º ano, o curso mostra o quanto se consegue fazer em apenas três meses. Felizmente há empresas que olham para as capacidades das pessoas”, diz Claro. Reconhece que, inicialmente, a oferta de perto de 100% de empregabilidade lhe parecia “demasiado boa para ser verdade”. Só começou a acreditar na recta final, quando já estava a ser entrevistado por empresas interessadas.
“O curto espaço de tempo é a chave do nosso conceito”, explica João Magalhães, um dos fundadores do programa. “Tem de ser uma coisa muito intensiva, que ajude a uma transformação rápida para que as pessoas comecem logo a trabalhar. Desenvolvemos o nosso currículo ao olhar para aquilo que as empresas a oferecer postos de trabalho precisavam num programador.”
A Academia de Código, com cursos em Lisboa e no Fundão, não é a única do género. No Porto, a Creators School oferece programação Web, em nove semanas, para grupos de dez alunos. “Surpreendeu-me descobrir que existem muitas empresas que já empregam autodidactas nesta área ou outros candidatos que venham destes cursos intensivos”, diz um dos antigos alunos, Ricardo Justo, 35 anos, um licenciado em História, que encontrou um emprego em desenvolvimento de software.
Existem também propostas menos intensivas, em regime pós-laboral, para quem não pode deixar de trabalhar. Nuno Francisco, 36 anos, está a tirar o curso da Galileu – uma empresa de formação que funciona em várias cidades do país – para deixar o ramo da segurança privada: são 182 horas, divididas em aulas de três horas e meia, duas vezes por semana. Diz que é acessível, “mas exige trabalho e empenho, especialmente quando combinado com um emprego a tempo inteiro”. Mudar de carreira não é a única meta: Nuno quer usar as bases para se candidatar a um curso universitário, mas diz que já foi contactado para uma entrevista de emprego na área de soluções web.
Ainda assim, há alguma cautela do lado dos empregadores. A empresa holandesa Logicalis SMC, com operações no Fundão, estava inicialmente céptica, mas já emprega 12 pessoas da Academia de Código. “São mais velhas, com mais experiência de vida, que não desistem à primeira, que é um dos grandes problemas que encontro em jovens recém-licenciados, que se assustam com alguns desafios”, diz Martijn Odijk, responsável pela actividade em Portugal. As falhas que encontra são nas competências para além da programação: “Faltam alguns extras da universidade: visão do funcionamento, estrutura e fluxo de informação numa empresa de programação. São coisas que lhes temos de explicar.”
Já a Uniplaces, que desenvolve uma plataforma para estudantes encontrarem alojamento online, tem algumas reservas. “A área da informática é onde um curso superior é mais relevante para nós”, diz João Figueirinhas Costa, responsável pelo recrutamento desta startup.
Apenas um profissional entre os cerca de trinta programadores na Uniplaces não tem formação universitária. Foi recrutado da Academia de Código, numa altura em que a empresa procurava profissionais em início de carreira. “É um caso único, que vem de um passado em música, mas teve um enorme sucesso. Conseguiu evoluir com uma rapidez comparável a um profissional de um curso de engenharia informática, mas vai para casa e estuda todas as noites para ser capaz de evoluir e manter-se actualizado”, justifica Figueirinhas Costa.
A lógica de contratação, acrescenta, é procurar trabalhadores que possam crescer na empresa: “Alguém que vem de um programa imersivo pode ter uma entrada mais fluida por ter competências práticas muito específicas. Contudo, o crescimento a curto prazo tende a ser muito menor do que um licenciado com bases teóricas."
A estratégia de escolas como a Academia de Código é focar-se em linguagens de programação específicas e muito procuradas pelas empresas. Os alunos passam horas a programar (até 60 por semana), em turmas pequenas onde há um instrutor por cada cinco alunos. Não há pré-requisitos de entrada, mas o processo de selecção inclui um curso online de introdução às ciências de computação da Universidade de Stanford, um projecto, e um workshop presencial. “As pessoas sem conhecimento nenhum em programação que ultrapassam estas barreiras são quem nós queremos: pessoas motivadas, que não têm medo de se atirarem para o desconhecido,” explica Catarina Campino, uma das responsáveis pelo curso.
Estas formações obrigam ainda a um investimento. A Academia de Código e o Le Wagon (uma escola de programação para empresários) são os mais caros, chegando aos seis mil euros, com os outros cursos a variar entre os dois mil e os 2500 euros. No início, a Academia de Código era grátis, financiada através do Orçamento Participativo de Lisboa. Depois disso, teve o apoio do município do Fundão, onde as empresas de tecnologia absorvem vários dos alunos, que permitiu que as pessoas só começassem a pagar depois de estarem empregadas. Só agora começará a cobrar as inscrições aos candidatos aceites.
Porém, a falta de profissionais em tecnologias de informação não se resolve apenas com estes programas, alerta o professor João Pavão Martins, um dos fundadores do Departamento de Engenharia Informática do Instituto Superior Técnico. É preciso, defende, oferecer formações mais completas. O departamento está a desenvolver a sua própria proposta de requalificação em informática. Será um diploma de formação avançada de dois anos para qualquer licenciado fora da área.
“Há milhares de pessoas que fizeram uma escolha errada quando tinham 18 anos e estão num ramo sem saídas profissionais”, avança Pavão Martins, que acredita que uma licenciatura – em qualquer área – oferece maturidade para um curso mais completo em informática, para “fazer face à necessidade do país e simultaneamente ajudar estas pessoas”.
Admite que programas mais intensivos põem pessoas no mercado de trabalho, mas diz que têm “espectro curto” e focam-se apenas numa linguagem de programação: “Se houver uma evolução do conhecimento, pode haver dificuldade em evoluir para outros tipos de linguagens e modelos de programação.” A empregabilidade, diz o académico, vai depender dos objectivos das empresas: escrever parte de um programa concebido por alguém – algo que é possível com cursos de curta duração – ou desenvolver o conceito do programa a partir do zero. “Pode-se utilizar a analogia da diferença entre um electricista, por muito bom que seja, e um engenheiro electrotécnico,” acrescenta Pavão Martins.
“Todos os cursos são a curto prazo”, argumenta, por seu lado, João Claro, o antigo trabalhador numa bomba de gasolina. E diz que a necessidade de adaptação constante é parte da área: “A informática e a programação vão continuar a evoluir. Qualquer trabalhador tem de estar atento a mudanças se quer ter sucesso.”