Os programas de resgate e o sector financeiro: das narrativas aos factos (2)
O que não podemos é meter o programa de ajustamento negociado com a troika na memória de Passos/Portas retirando-o da memória de Sócrates.
No artigo anterior passei em revista os programas de resgate da Irlanda, Espanha e Chipre. Mostrei que a situação dos respectivos sectores financeiros não era comparável à de Portugal.
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No artigo anterior passei em revista os programas de resgate da Irlanda, Espanha e Chipre. Mostrei que a situação dos respectivos sectores financeiros não era comparável à de Portugal.
Vejamos agora o caso português. A carta de intenções, assinada a 13 de Maio de 2011 pelo ministro das Finanças e o governador do Banco de Portugal estabelece as prioridades para o programa de ajustamento. Cito o parágrafo 2: “Na sequência das medidas já anunciadas, pensamos que mais acção abrangente é necessária em três frentes: (i) profundas reformas estruturais para aumentar o crescimento potencial, criar empregos, e melhorar a competitividade (incluindo através de desvalorização fiscal); (ii) uma credível e equilibrada estratégia de consolidação orçamental, apoiada por medidas orçamentais estruturais e melhor controlo orçamental sobre as PPP e Empresas Públicas; e (iii) esforços para proteger o sector financeiro contra uma desalavancagem desordenada através mecanismos de mercado apoiados por estruturas de salvaguarda”.
O sistema financeiro não aparece como primeira prioridade e a linguagem não é alarmante. Tal é confirmado no memorando de entendimento onde os objectivos para o sector financeiro são “Manter a estabilidade financeira; manter liquidez (sublinhado é meu) e apoiar uma equilibrada e ordeira desalavancagem no sector bancário; reforçar a regulação e supervisão bancária; fechar o caso do BPN e tornar mais eficiente o banco público CGD; reforçar o quadro da resolução bancária e reforçar o Fundo de Garantia dos Depósitos e o Fundo de Garantia para as instituições de crédito agrícola mútuo; reforçar o quadro para a insolvência das empresas e das famílias. No que toca ao capital dos bancos, o Banco de Portugal comprometeu-se a fixar os rácios da capital em 9% para 2011 e 10% em 2012. No caso de os bancos não conseguirem atingir aqueles rácios então poder-se-á recorrer a auxílio público temporário aos bancos privados utilizando recursos do programa até um montante de 12 mil milhões de euros.”
Parece assim claro que as autoridades portuguesas que negociaram o programa de ajustamento não consideravam que o mesmo se deveria concentrar nos bancos, mas sim nas finanças públicas. Opinião partilhada, naturalmente, pela troika, onde pontificava o BCE. Não significa isto que os bancos tenham sido descurados. Dos 78 mil milhões de euros que constituíram o envelope financeiro do programa, até 12 mil milhões podiam ser utilizados para recapitalização pública de bancos privados. O programa foi “concentrado no Estado” e bem. Ou seja, os factos não autorizam a opinião de Rui Tavares!
Mais em geral, aqueles que são críticos em relação ao programa de ajustamento português acordado com a troika em Maio de 2011, inter alia do envelope financeiro, da duração do programa ou de ser “concentrado no Estado”, então que se queixem a Sócrates, primeiro-ministro de então, não a “Passos/Portas”. Eu não me vou queixar, pois considero que o programa de ajustamento era um bom programa. O que não podemos é meter o programa de ajustamento negociado com a troika na memória de Passos/Portas retirando-o da memória de Sócrates.
De notar que a opinião das autoridades portuguesas sobre os bancos não foi formada na azáfama das intensas negociações do programa de ajustamento. De facto, a 11 de Março do mesmo ano, o Governo português apresentara uma “Nota sobre orientações de política e medidas que o Governo português adoptará para responder aos principais desafios económicos” cujo conteúdo sobre os bancos é praticamente idêntico ao que veio a constar do programa de ajustamento. A “Nota”, em que o Governo visava atingir um défice orçamental de 4,6% em 2011 e reduzi-lo para 2% do PIB em 2013, foi recebida positivamente pela Comissão e pelo BCE. Contudo, o “sentimento de mercado” não foi invertido. As dificuldades de financiamento do Estado português, que se vinham agravando desde há vários meses (devido a uma “greve dos compradores”) não se aliviaram. Os tempos já não eram para intenções mas sim para acções. Menos de um mês depois Portugal pediu assistência financeira à União Europeia e ao FMI. Que teve de se concentrar no Estado.
Reformado da Comissão Europeia
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