Copos, mulheres e vandalismo
Andávamos nós defensando que os portugueses são bem mais que "copos e mulheres", e, em jeito de irreverência, resolvem os jovens finalistas do secundário dizer que "afinal, havia outra", no país vizinho
Andávamos nós defensando que os portugueses são bem mais que "copos e mulheres", e, em jeito de irreverência, resolvem os jovens finalistas do secundário dizer que "afinal, havia outra", no país vizinho. Gosto da revolta, da rebeldia, sobretudo da irracional, mostramos que nenhum escrúpulo nos tolhe os movimentos. Pena que o país seja, em contramão, tão lesto a afirmar-se perante os outros.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Andávamos nós defensando que os portugueses são bem mais que "copos e mulheres", e, em jeito de irreverência, resolvem os jovens finalistas do secundário dizer que "afinal, havia outra", no país vizinho. Gosto da revolta, da rebeldia, sobretudo da irracional, mostramos que nenhum escrúpulo nos tolhe os movimentos. Pena que o país seja, em contramão, tão lesto a afirmar-se perante os outros.
A culpa disto tudo é das antigas gerações. Depois de anos de silenciamento e pancadaria, resolveram "libertar" o mais possível os seus filhotes, não fossem sofrer dos mesmos ímpetos castradores. Resultou um novo fluxo geracional de bebedolas sem ideias ou capacidades. Ainda poderiam ser uns bebedolas com ideologia ou inteligência. Mas nem a isto chegam. E vão congeminando as fileiras do secundário, como do superior. E, depois, a culpa dos jovens não se interessarem pelos estudos está nos antigos modelos magistrocêntricos! Volta e meia, humaniza-se o ensino, liberta-se ainda mais a fera, não vá a pena ferir a persistência, e os novos "meninos" surgem ainda mais persignados em serem tudo o que quiserem. Livres do horror do esforço, sobra a negligência, mas não há qualquer problema, pois as futuras vítimas serão pouco exigentes, lerdas na relação com o perfeccionismo.
Assim, aliviados dos traumas, andam traumatizando os meninos da nação. E como todos são ditadores, resta pouco com que ditar a "verdade", que, de qualquer modo, é de cada um e da ordem da força ou do sentimento. Sobra, também, pouco com que se possa conquistar o olhar do "outro", do estrangeiro, é preciso que a frustração se transtorne "obra"; podemos sempre mostrar o arrojo da liberdade, não se preocupem os outros, porque nós somos livres e felizes, é o modo de ser português, viver despreocupadamente, deixando que os outros acabem enquistando nossos movimentos, o nosso cansaço de viver, o nosso pejo de sermos de nós mesmos. Por vezes, para que possa haver liberdade, é preciso haver menos liberdade. As estruturas criam um trajecto, um sentido de ofensa culposa, uma razão de ser autónomo. A intransigência sabe bem, mas ela sabe melhor quando possui uma lógica construtiva, de outro modo, sobra a mera destrutibilidade, uma tentação, é certo, mas um risco de decepção de muitos sonhos e jornadas (um risco, também, de geração de caos, guerras de "deuses" e "titãs", providos pelo falso domínio da libertinagem, os "reis" geram outros "reis", ressabiados, impossibilitados de reinar onde todos querem vencer, palco "diabólico", de impermanência, preterido pelo "outro", de domínio heráldico, onde a escravidão pode, quiçá, ser mais inconsciente e permutável, e, no entanto, este pode dificultar a alternância de modelos, a liberdade de mudar, o domínio precisa da liberdade, o domínio prescreve a liberdade; a liberdade cria os escolhos que (se) toldarão dominantes - reinando indómitos, quiçá, cinicamente sobre o fruto de um caos indominado/indominante -, o domínio perpetua o domínio - quiçá outro domínio, ou seja, um reinado de outra anfractuosidade, o que, ademais, prescreve outro tipo de caos -, mas também cria o libertário - e o libertarismo também é um domínio, sobretudo se se transformar numa crença, numa receita que se impõe, acaso traindo a própria liberdade proposta).
Falará em mim a "culpa"? Fará sentido querer dominar ideologicamente o "alheio"? Não será tal coisa igualmente destrutiva? Olha, mais vale dominar que ser dominado, diria, mas isto parece tão pouco ético quanto certo vandalismo. Será feliz o dominante, será feliz o dominado pelo dominante? O dominado, pelo idealista ou pelo vândalo, não poderá tornar-se um dominante? O domínio é uma oportunidade ou a via da frustração? Enfim, tudo coisas de quem não bebe o suficiente, de quem foi mais vandalizado do que vandalizou. Espero, entretanto, não ser o vilão da coisa, já basta que uns tantos se vinguem de termos sido vilanizados. E porque se vingam, acabam frustrando a liberdade de muitos outros, os quais acabarão vingando ou salvando conforme a oportunidade.