Médicos sem especialidade?
É urgente que todas as entidades dêem a cara por uma mudança no sistema de formação dos médicos do futuro.
Sabia que, desde há dois anos, cerca de 270 médicos recém-formados ficaram excluídos da formação especializada?
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Sabia que, desde há dois anos, cerca de 270 médicos recém-formados ficaram excluídos da formação especializada?
É verdade. Estes médicos, que desejavam iniciar o seu processo de especialização, foram condenados a uma de três opções: a repetição de um concurso que exclui, invariavelmente, médicos da formação específica, a precariedade laboral ou a emigração.
No corrente ano de 2017, o número de médicos sem especialidade pode já ultrapassar os 1000 (!), já que, mantendo o atual cenário, há quase 2500 candidatos para cerca de 1700 vagas de colocação na especialidade.
Esta situação é completamente insustentável e de enorme gravidade. Uma “legião” cada vez maior de médicos indiferenciados (ou seja, médicos “de segunda”, mais baratos, sem acompanhamento adequado e não enquadrados nas carreiras médicas) é um autêntico perigo para os doentes e para os próprios profissionais de saúde. Bem sabemos que na sociedade portuguesa existe quem há muito ande a desejar a total precarização da profissão médica, tal como já acontece em muitos outros setores no país... sob um falso pretexto economicista, esta situação trará, a médio-longo prazo, enormes custos para o SNS e para a saúde dos portugueses. E é incompreensível que o Ministério da Saúde de um Governo que diz defender o Estado Social compactue e promova tal atentado ao bem público que é o SNS.
Apesar das gravíssimas carências de recursos humanos e de financiamento no sector da Saúde, a Medicina praticada em Portugal é de grande qualidade e conta com um reconhecimento internacional inquestionável. Entre outros fatores, só foi possível obter estes resultados com a defesa acérrima da especialização médica e através da instauração das carreiras médicas. Voltar aos tempos dos “clínicos gerais” seria um autêntico retrocesso civilizacional, inadmissível em pleno século XXI.
Contra este caminho desastroso, foi lançada, há cerca de duas semanas, uma petição pública, redigida pela campanha cívica “Médicos Indiferenciados, Não!” e apoiada pela organização sindical Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e pela Associação de Médicos pela Formação Especializada (AMPFE). Conta já com mais de 4000 assinaturas, o que obrigará à sua discussão na Assembleia da República nas próximas semanas. Esperamos, ansiosamente, pelas palavras de cada um dos grupos parlamentares.
Tal como é dito na petição, urge perguntar: “Alguém neste país quer que a sua Saúde dependa de médicos sem especialidade? Se a resposta é negativa, só há uma solução: assegurar o enquadramento de todos os médicos recém-formados num processo de especialização rigoroso, transparente e planeado de forma racional, e no qual sejam formados e avaliados continuamente”.
É urgente que todas as entidades envolvidas deem a cara por uma mudança neste sistema de formação dos médicos do futuro. A solução pode e deve passar pelo estudo correto e transparente das capacidades e idoneidades formativas dos vários serviços de internamento e centros de saúde de todo o país; assim como pelo reforço das capacidades formativas nas regiões mais carenciadas, através da contratação de mais médicos para os serviços que aí se encontram. Com esta estratégia, podemos resolver dois grandes problemas em simultâneo: as dificuldades de acesso à saúde nas zonas periféricas e as limitações formativas nesses mesmos locais.
O Parlamento e o Governo têm que se pronunciar e decidir sobre o futuro que querem para a Saúde em Portugal: será o SNS uma mera despesa, ou será, por outro lado, um investimento na qualidade de vida das pessoas? O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico