Portela + Montijo: solução acertada
Surpreendentemente, começaram agora a ser levantadas dúvidas (algumas, estapafúrdias) a um aeroporto no Montijo. Haja juízo!
A saga do aumento da capacidade aeroportuária em Lisboa parece não ter fim à vista. O aeroporto de Lisboa, instalado na Portela, a Norte da cidade, e inaugurado em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, ainda no tempo de Duarte Pacheco, foi sempre reconhecido como dotado de excelentes condições aeronáuticas. Contudo, com a ideia de estabelecer em Lisboa um grande hub para ligar ao império ultramarino, no início dos anos 1970, em pleno “marcelismo”, foi decidido construir um novo aeroporto na região de Lisboa. A localização selecionada foi Rio Frio, a seguir ao Pinhal Novo; o concurso para a construção foi aberto e recebidas propostas, mas, com a revolução de 25 de Abril de 1974 e o consequente fim do império, o processo foi anulado.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A saga do aumento da capacidade aeroportuária em Lisboa parece não ter fim à vista. O aeroporto de Lisboa, instalado na Portela, a Norte da cidade, e inaugurado em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, ainda no tempo de Duarte Pacheco, foi sempre reconhecido como dotado de excelentes condições aeronáuticas. Contudo, com a ideia de estabelecer em Lisboa um grande hub para ligar ao império ultramarino, no início dos anos 1970, em pleno “marcelismo”, foi decidido construir um novo aeroporto na região de Lisboa. A localização selecionada foi Rio Frio, a seguir ao Pinhal Novo; o concurso para a construção foi aberto e recebidas propostas, mas, com a revolução de 25 de Abril de 1974 e o consequente fim do império, o processo foi anulado.
A ideia de um novo aeroporto voltou a ser retomada apenas 25 anos mais tarde, já no tempo de António Guterres, mas, com o veto ambiental a Rio Frio, em 1999, era José Sócrates secretário de Estado do Ambiente, Elisa Ferreira a ministra do Ambiente e João Cravinho o ministro das Obras Públicas, o novo aeroporto foi “atirado” para a Ota. Nos anos seguintes, sendo primeiros-ministros Durão Barroso e depois Santana Lopes, com a assunção das dificuldades financeiras do país, o assunto não teve seguimento.
Em 2005, com José Sócrates primeiro-ministro, passou-se novamente ao discurso otimista. Era o tempo do famoso “choque tecnológico”, da criação de 200 mil novos empregos e da realização de um grande plano de obras públicas: um novo aeroporto (“NAL”), na Ota, uma rede de TGV com mais de 600 km de extensão e uma nova travessia do Tejo, num investimento global de mais de 15 mil milhões de euros, a realizar através de PPP. Contudo, com projetos mal estudados e sem integração, instalou-se a confusão, e o “NAL” voltou para a margem Sul, agora para o Campo de Tiro (CT) de Alcochete.
Mas nada avançou. Pior, a irresponsabilidade da governação de José Sócrates pôs o país à beira da bancarrota, tendo, em 2011, de pedir ajuda à troika, no valor de 78 mil milhões de euros, com a obrigação do cumprimento de um exigente programa de austeridade. Coube a Passos Coelho, o primeiro-ministro seguinte, o ónus de implementar essa austeridade.
O aeroporto de Lisboa iria assim continuar na Portela e reforçada a sua capacidade adaptando um dos aeródromos militares da região de Lisboa para voos low-cost. Após vários estudos realizados pela ANA (entretanto privatizada), a escolha recaiu na BA n.º 6, no Montijo, e não levantou objeções. António Costa, que sucedeu a Passos como primeiro-ministro, também se mostrou favorável ao Montijo como aeroporto complementar à Portela, entretanto rebatizado de “Aeroporto Humberto Delgado”, tendo recentemente assinado um memorando com a ANA, com vista ao aprofundamento da solução e à realização do estudo de impacto ambiental.
Surpreendentemente, começaram agora a ser levantadas dúvidas (algumas, estapafúrdias) a um aeroporto no Montijo: aves migratórias, subida do nível das águas do Tejo devido ao aquecimento global, até a estátua do Cristo-Rei. O que pretendem? Voltar à especulação imobiliária em torno da megalómana “cidade aeroportuária” no CT de Alcochete? Haja juízo!
Portugal vive uma situação muito complicada, que precisa ser encarada frontalmente, sem falsos otimismos. Um país considerado “lixo” pelas principais agências de rating, que consegue financiamento apenas porque está “ligado à máquina”, isto é, ao BCE, que nos vai comprando dívida pública no mercado secundário. Mesmo assim, nas últimas emissões de dívida a longo prazo (dez anos) a taxa de juro chegou aos 4%, que é superior ao custo do stock da dívida.
É que, apesar de nos últimos 30 anos ter recebido de fundos comunitários e de remessas dos emigrantes perto de 200 mil milhões de euros, Portugal é hoje o país mais endividado (per capita) do mundo, com uma dívida global (setor publico, empresas e particulares) superior a 700 mil milhões de euros, equivalente a quase quatro vezes o PIB. A dívida pública é já superior a 240 mil milhões de euros, ou seja, mais de 130% do PIB.
Mas o pior são os juros! Em 2016 Portugal pagou mais de oito mil milhões de euros de juros (10% dos nossos impostos), o equivalente a 4,5% do PIB, e este ano vão ser ainda umas centenas de milhões de euros mais. Com a economia com um crescimento estagnado à volta de 1,5% ao ano, Portugal está cada ano mais pobre e tem de ser muito racional nos seus investimentos.
Ora, com a grande procura turística que se prevê para os próximos anos, Lisboa precisa urgentemente de aumentar a sua capacidade aeroportuária. Um aeroporto complementar à Portela no Montijo é uma solução sensata e tecnicamente correta. O investimento necessário é pequeno e suportado pela ANA com as receitas aeroportuárias. O local é muito próximo de Lisboa, com fácil acesso pela Ponte Vasco da Gama e através dos barcos da Transtejo. Dispõe de duas pistas com mais de dois quilómetros de extensão cada, adequadas para operar aviões de médio curso, permitindo praticamente duplicar a capacidade atual para 50 milhões de passageiros/ano, ao nível dos grandes aeroportos europeus. Com uma base aérea a funcionar lá, há mais de 60 anos, os argumentos quanto à segurança não podem ser considerados sérios. De referir que a capacidade ainda disponível na Ponte Vasco da Gama permite acomodar o tráfego gerado, dispensando-se assim a construção de uma nova travessia.
Deixemo-nos de devaneios egoístas e irresponsáveis. Portugal não pode esperar!
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico