Para investigar portugueses dos Panama Papers, fisco olhou para 223 contribuintes

Acções da administração tributária junto de alguns dos portugueses visados nos Panama Papers começaram em Fevereiro.

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O “saco azul” do GES é uma das sociedades que aparece nos Panama Papers Rui Gaudencio

As acções conduzidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) junto de alguns dos portugueses visados nos Panama Papers começaram em Fevereiro deste ano, com origem num levantamento interno dos dados fiscais de duas centenas de contribuintes que aparecem referidos nos documentos da firma de advogados Mossack Fonseca.

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As acções conduzidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) junto de alguns dos portugueses visados nos Panama Papers começaram em Fevereiro deste ano, com origem num levantamento interno dos dados fiscais de duas centenas de contribuintes que aparecem referidos nos documentos da firma de advogados Mossack Fonseca.

O semanário Expresso, parceiro do consórcio internacional de jornalistas que há um ano começou a revelar negócios offshore com base numa fuga de informação de 11,5 milhões de documentos da sociedade de advogados do Panamá, avança na edição deste sábado que o fisco português tem em curso “várias acções junto de sujeitos passivos nacionais”.

A informação foi confirmada pelo Ministério das Finanças, que ao PÚBLICO já adiantara que a administração fiscal fez ao longo do último ano o reconhecimento das situações a averiguar. Quando em Fevereiro foi questionado sobre os resultados das diligências já realizadas, o gabinete do ministro das Finanças fez saber que “foi realizado pela AT um levantamento, a partir do dados publicados no site do International Consortium of Investigative Journalists (ICIJ) relativamente aos 223 sujeitos passivos relacionados com Portugal, que culminaram já, no decurso do mês de Fevereiro, em acções junto de alguns dos visados”.

Ao Expresso, o ministério adiantou que as investigações em causa estão em curso: foram realizados estudos e, a partir daí, “estabelecidos graus de prioridade para actuação”. O ponto de partida foram os 223 contribuintes (singulares e empresas), mas não se sabe quantos foram alvo de averiguações. A informação não foi especificada pelo ministério, nem ao PÚBLICO nessa altura, nem agora ao Expresso.

Quando há um ano, a 3 de Abril, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI) divulgou as primeiras investigações, começou por revelar que altos dirigentes políticos de vários países eram clientes da Mossack Fonseca, especializada na gestão de activos offshore e um refúgio fiscal de dirigentes políticos, empresários e clientes internacionais desde os anos 1970.

Um mês depois, é publicada a lista das entidades offshores que ali tinham sido criadas ao longo de décadas. E a partir do momento em que é possível ver em que paraíso fiscal está localizada cada conta, em que dada foi criada e a que país está associada, as administrações fiscais de todo o mundo começam a investigar os nomes revelados pelo consórcio. Na base estão milhões de documentos obtidos através de um dos parceiros do consórcio, o jornal alemão Süddeutsche Zeitung.

O trabalho de análise do fisco português aos clientes da Mossack (residentes fiscais ou com ligações a Portugal) não é, por isso, um caso isolado. “Em Maio de 2016, e após as primeiras notícias sobre o caso Panama Papers, o Governo determinou que Portugal aderisse, no âmbito do fórum dos assuntos fiscais da OCDE, ao Joint International Tax Shelter Information and Collaboration (JITSIC), composto por mais de 30 países, o qual tem vindo a reunir-se regularmente com o objectivo de proceder à troca de informação célere sobre os desenvolvimentos efectuados pelas várias administrações fiscais participantes”, explicou ao PÚBLICO o ministério liderado por Mário Centeno.

Há 243 entidades offshores que de alguma forma estão relacionadas com Portugal, seja pela nacionalidades dos clientes e intermediários, seja pelas operações em causa.

Uma das empresas que o Expresso, em conjunto com a TVI, encontrou nos Panama Papers foi a ES Enterprises, a sociedade que o Grupo Espírito Santo (GES) usou como “saco azul” para realizar pagamentos fora dos circuitos oficiais, com a circulação de fundos entre várias praças financeiras, não só no Panamá, mas também no Luxemburgo, Miami e Suíça. A sociedade não fazia parte do organigrama do GES e foi referida pela primeira vez numa investigação do PÚBLICO a 7 de Novembro de 2014.

Portugueses do SwissLeaks aderiram ao RERT

Por norma, quando surgem casos de grande projecção mediática internacional como o Panama Papers ou Football Leaks, as administrações tributárias avançam com diligências e elas demoram tempo até surtirem efeito, desde logo por causa da morosidade dos processos de troca de informação fiscal, muitas vezes envolvendo paraísos fiscais pouco ou nada cooperantes.

Portugal ainda tem em marcha acções relacionadas com o SwissLeaks, no qual aparecem 611 clientes com ligações ao território nacional. Em relação a este caso ainda estavam a decorrer recentemente diligências por causa da troca de informação fiscal com a Suíça.

“No entanto, dos casos já encerrados constata-se que a maioria dos sujeitos aderiram ao Regime Extraordinário de Regularização Tributária (RERT), tendo disso feito prova”, referiu ao PÚBLICO o Ministério das Finanças. O que aconteceu aos restantes? “Ou já haviam encerrado as contas bancárias, uma vez que se tratavam de contas abertas há muitos anos, na sequência de períodos conturbados vividos em Portugal, ou diziam respeito a tititulares considerados não residentes em Portugal”, justificou ainda o ministério.