Uma fragata russa com toque português vai partir para o mar
A fragata russa Shtandart foi restaurada nos estaleiros de Vila do Conde e segunda-feira vai partir para o mar.
O navio russo Shtandart, restaurado nos estaleiros de Vila do Conde, já está pronto para seguir viagem. O navio do século XVIII, parte integrante da frota de Pedro o Grande, estava a ser reparado por carpinteiros navais portugueses desde Novembro do ano passado.
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O navio russo Shtandart, restaurado nos estaleiros de Vila do Conde, já está pronto para seguir viagem. O navio do século XVIII, parte integrante da frota de Pedro o Grande, estava a ser reparado por carpinteiros navais portugueses desde Novembro do ano passado.
As alterações são pouco visíveis, mas significantes. O deck do navio foi remodelado e a estrutura que o suporta também. Renovados também foram os sistemas eléctricos e de água, para melhorar as condições de habitabilidade da embarcação. O capitão russo Vladimir Martus não sabe dizer quanto é que a obra custou, mas afirma que é mais barata que em qualquer outro lugar da Europa.
A construção naval em madeira faz parte da identidade dos vila-condenses. O orgulho da comunidade no trabalho feito pelos estaleiros é grande, conta a presidente da Camara Elisa Ferraz. Afinal, não é todos os dias que a réplica de uma fragata russa é remodelada, em mais de 40%, por mãos vila-condenses com anos de saber.
A comunidade de Vila do Conde não ficou à margem da reparação. A Câmara criou o projecto Um porto para o Mundo com o objectivo de levar as "Técnicas de construção e reparação naval em madeira de Vila do Conde" a património imaterial da UNESCO. Mas este processo é demorado e envolve ser classificado anteriormente como património imaterial nacional. Elisa Ferraz explica que a candidatura é da responsabilidade da Direcção Geral do Património Cultural (DGPC) e está a ser processada há dois anos.
O capitão russo está satisfeito com a recuperação do navio, que na próxima segunda vai zarpar para Cádis. Acredita que o trabalho foi um dos maiores contratos para o estaleiro Barreto & Filhos. “Foram cinco meses com a equipa toda a trabalhar sem parar. Um grande projecto”, diz.
Martus diz que escolheu os estaleiros de Vila do Conde pela combinação de qualidade de trabalho dos carpinteiros navais, autoridades receptivas ao projecto e clima agradável, mas confessa que o preço também teve peso na decisão. “Com o dinheiro que tínhamos, fizemos mais aqui que em qualquer outro país”, explica, sublinhando a competitividade de Portugal face aos Países Baixos, Holanda e Polónia.
Cutty Sark 2.0
Com a recuperação do Shtandart, vem a promessa de outro projecto: uma réplica, em escala real, do veleiro Cutty Sark. Martus ficou tão satisfeito com o resultado final do trabalho vila-condense na fragata que assinou hoje, com a presidente da Câmara, um documento que assinala a intenção de replicar o emblemático navio também em Vila do Conde.
“Para já é um sonho”, diz Martus, mas confessa que gostava de regressar às origens e recuperar o uso do vento como energia, no transporte de cargas. Sonha com o cenário de produzir mercadorias – “chá ou lã, como no Cutty Sark original, ou rum e café” – pelos métodos tradicionais e depois transportá-las até ao destino com o veleiro. Acredita que há empresas a investir neste modelo de negócio pela sua sustentabilidade a longo prazo.
No entanto, no entender do capitão, não basta voltar a usar o vento, é também preciso investir na técnica. Com o projecto, além de recuperar os conhecimentos da construção naval em madeira, pretende-se incentivar os jovens a abraçar todas as artes do mar. “Queremos transportar carga, mas também ensinar os mais novos a velejar”, explica o capitão russo.
A construção de uma réplica do Cutty Sark seria um projecto muito extenso e diferente do trabalho de restauro feito no Shtandart. Luísa Barreto, uma das responsáveis do estaleiro, garante que quanto à qualificação dos recursos humanos estão preparados para receber o projecto. “É um projecto que temos todo o interesse em abraçar e no que depender de nós estaremos ao lado do capitão”, afirma.
A idade dos trabalhadores do estaleiro é que preocupa Barreto. “A média de idades dos trabalhadores da construção naval em madeira é de 56 anos, o que fará com que daqui a cinco ou seis anos já não haja mais carpinteiros navais especializados em madeira”, assume. Tal pode impedir que o projecto Cutty Sark avance, mas a esperança de que elevação da arte a património imaterial da UNESCO chame as camadas mais novas para aprenderem o saber da construção naval em madeira mantem-se.
Caso o projecto siga mesmo para a frente, os estaleiros de Vila do Conde também vão precisar de algumas remodelações. O Cutty Sark original tem 60 metros de comprimento, quase o dobro do tamanho do Shtandart, é demasiado grande para ser construído nos mesmos estaleiros onde a fragata russa foi recuperada. A presidente da Câmara explica que as autorizações para modificações de estaleiros estão debaixo da alçada da Docapesca e não dependem da autarquia.
Texto editado por Ana Fernandes