Dívida dos hospitais às farmacêuticas volta a crescer mais de um milhão de euros por dia

Conselho Estratégico da Saúde reclama para o sector lei de bases financeira semelhante à da Segurança social. Dívidas vencidas a vários fornecedores aumentaram 59 milhões de euros, só em Fevereiro, diz.

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Os dados agora conhecidos indicam, de facto, que a dinâmica de crescimento da dívida dos hospitais públicos se mantém Rui Gaudêncio

Depois de uma quebra acentuada em Dezembro, graças a uma injecção extraordinária de capital, a dívida total dos hospitais públicos à indústria farmacêutica voltou a disparar nos dois primeiros meses deste ano e, em Fevereiro, estava já a crescer a um ritmo médio superior a um milhão de euros por dia. Aumentou 36,6 milhões de euros, ascendendo no total a 844,6 milhões de euros, segundo revelou nesta quarta-feira a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma).

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Depois de uma quebra acentuada em Dezembro, graças a uma injecção extraordinária de capital, a dívida total dos hospitais públicos à indústria farmacêutica voltou a disparar nos dois primeiros meses deste ano e, em Fevereiro, estava já a crescer a um ritmo médio superior a um milhão de euros por dia. Aumentou 36,6 milhões de euros, ascendendo no total a 844,6 milhões de euros, segundo revelou nesta quarta-feira a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma).

Em Janeiro já tinha aumentado 28,1 milhões face a Dezembro, altura em que a dívida total à indústria farmacêutica estava nos 779,9 milhões. Quanto à dívida vencida (facturas em que o prazo de pagamento acordado entre as partes foi ultrapassado) essa era de 517,8 milhões de euros em Dezembro e aumentou para 597,9 milhões de euros em Fevereiro deste ano.

Estes dados (que incluem as dívidas às empresas farmacêuticas, de medicamentos e de diagnósticos in vitro) foram conhecidos no dia em que o Conselho Estratégico Nacional da Saúde (CNES) — um órgão consultivo da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) que integra várias associações do sector e é presidido, justamente, pelo líder da Apifarma, João Almeida Lopes — voltou a apelar à criação de uma “Lei de Meios do SNS” (Serviço Nacional de Saúde). Trata-se de uma lei de bases financeira semelhante à que existe para a Segurança Social e que, frisa o CNES numa exposição à comunicação social, permitirá uma gestão financeira plurianual.

A dívida do SNS tem estado na berlinda nos últimos tempos. Em Janeiro, o CDS questionou o ministro da Saúde sobre o crescimento da dívida dos hospitais EPE (entidades públicas empresariais) em 2016, que evoluiu globalmente a um ritmo de 27 milhões de euros por mês. O ministro Adalberto Campos Fernandes contrapôs, então, que a dívida se manteve “em linha” com os níveis de 2015. “Não pagamos como vocês também não pagaram”, argumentou o governante.

Os dados agora conhecidos indicam, de facto, que a dinâmica de crescimento da dívida dos hospitais públicos se mantém, mas o ritmo de crescimento acelerou um pouco em Fevereiro. Só neste mês, as dívidas hospitalares em atraso (a mais de 90 dias do prazo acordado) aos diversos fornecedores, que não só indústria farmacêutica, "aumentaram 59 milhões de euros, totalizando 672 milhões de euros", lê-se no documento do CNES. Ficaram, assim, 243 milhões de euros acima do valor registado no período homólogo de 2016, frisa João Almeida Lopes — além das farmacêuticas, há outros fornecedores com pagamentos em atraso, como por exemplo as empresas de dispositivos médicos. 

"Uma situação preocupante"

É preciso reconhecer “que há um problema financeiro com a saúde em Portugal”, enfatiza o presidente da Apifarma. Para ilustrar a afirmação, recorda que, segundo os últimos dados da Direcção-Geral do Orçamento (DGO), o valor total das dívidas vencidas (depois de ultrapassado o prazo limite de pagamento acordado entre as partes) dos hospitais públicos voltou a “aumentar 95 milhões de euros” no ano passado em comparação com 2015. E sustenta que, no site da ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde), os dados da monitorização dos hospitais EPE apontam para “uma situação preocupante”, com dívidas vencidas de 1.120 milhões de euros no final de Novembro de 2016, um “crescimento de 45 pontos percentuais face ao ano precedente”. 

Face a estes números, a exposição do CNES defende que "chegou a hora de relançar" o debate sobre a sustentabilidade e financiamento do sistema de saúde. Comprometendo-se a apresentar, até ao final do primeiro semestre deste ano, um “contributo estruturado para uma inovadora Lei de Meios do SNS”, o conselho convida desde já o Governo, os grupos parlamentares e o Conselho Económico a iniciar uma discussão sobre este tema. O PÚBLICO pediu uma reacção ao Ministério da Saúde, que preferiu não comentar.

A proposta do CNES não é nova. Em Dezembro, alguns dos privados que se juntam no neste organismo já tinham enviado uma carta ao Presidente da República a defender uma lei de meios para o sector. Dias depois, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu os seis bastonários das ordens da Saúde que lhe levaram uma proposta para uma lei de programação na Saúde, que invista mais 1,2 mil milhões de euros no sector, por ano.

O fenómeno de crescimento da dívida dos hospitais também não é de agora. Depois da diminuição significativa nos anos da troika, devido a injecções de capital elevadíssimas (mais de 2 mil milhões de euros), a dívida do SNS à indústria farmacêutica voltou um padrão de crescimento sustentado em 2015 e 2016. Este é um problema recorrente que tem afligido sucessivos Governos que, no mês de Dezembro, injectam dinheiro extra para limpar dívidas. Como fez o Governo de António Costa 

“Há um subfinanciamento crónico do SNS”, sublinha o presidente da Associação Nacional dos Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, que defende, porém, que não se deve “colocar dinheiro no sistema” de forma indiscriminada, mas sim dirigi-lo para “onde as pessoas mais precisam”.

"O reforço financeiro é essencial, mas é necessário mudar a forma de relacionamento com os fornecedores, com partilha de risco em que exista uma evidência de ganho para o doente", diz Alexandre Lourenço, para quem qualquer plano de meios deve ser acompanhado por um plano de política de saúde que "priorize as áreas de difícil acesso". Há "problemas graves na área dos investimentos, dos equipamentos e dos recursos humanos nos hospitais públicos, mas não é despejando dinheiro para os hospitais que se resolve o problema", conclui.