Moradores de Carnide arrancaram parquímetros da EMEL durante a noite
Junta vai levar os equipamentos à câmara municipal, que se diz "surpreendida" com um "acto grave" e "inaceitável num Estado de direito". População reclama obras prometidas há vários anos.
A geralmente pacata freguesia de Carnide tornou-se esta quinta-feira a mais mediática do país depois de, na noite passada, quase 200 moradores do centro histórico daquele bairro terem ido para a rua arrancar os 12 parquímetros que a Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) instalou recentemente em algumas ruas. A população e a junta queixam-se de que o estacionamento pago lhes foi imposto sem diálogo, mas a câmara municipal garante que não recua, que vai reinstalar os parquímetros e que remeteu o assunto para o Ministério Público.
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A geralmente pacata freguesia de Carnide tornou-se esta quinta-feira a mais mediática do país depois de, na noite passada, quase 200 moradores do centro histórico daquele bairro terem ido para a rua arrancar os 12 parquímetros que a Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) instalou recentemente em algumas ruas. A população e a junta queixam-se de que o estacionamento pago lhes foi imposto sem diálogo, mas a câmara municipal garante que não recua, que vai reinstalar os parquímetros e que remeteu o assunto para o Ministério Público.
Como se esperaria, era o tema dominante de conversa em todas as esplanadas e lojas de Carnide durante a manhã desta quinta-feira. "Os parquímetros caíram com o vento e a junta, como pessoa de bem, vai entregar os bens encontrados", ironizou um comerciante, que não se quis identificar. Vários outros moradores e comerciantes ouvidos pelo PÚBLICO usam a mesma expressão — "caíram com o vento" — para explicar o que sucedeu na quarta-feira à noite.
Foi durante uma reunião do Grupo Comunitário de Carnide (que junta habitantes, comerciantes e instituições da freguesia) que a população decidiu retirar os parquímetros das ruas. "Este é o momento de agir...", dizia a convocatória para essa reunião. "Desde a Lei 56/2012 [que procede à reorganização administrativa de Lisboa] que é a junta de freguesia a responsável pelos passeios", argumentou o presidente da junta, Fábio Sousa, durante o encontro, segundo a agência Lusa. "Se alguém se magoar num deles, num buraco qualquer, é a junta que é responsabilizada. Com que direito instala a EMEL parquímetros nos passeios sem a autorização da junta?", acrescentou.
De acordo com uma moradora, os 12 parquímetros foram retirados em meia hora e colocados numa carrinha da junta, onde ainda se encontram. Esta quinta-feira, pelas 18h, um grupo de moradores de Carnide vai aos paços do concelho, na Praça do Município, entregar os equipamentos. Entretanto, a junta mandou calcetar os passeios logo de manhã — e já quase não há vestígios da passagem da EMEL pelo bairro.
"A minha terra está a acordar", afirmou. orgulhosa. Palmira Pinto, que acompanha as queixas da junta de que a chegada da EMEL foi inesperada e não teve envolvimento dos cidadãos. "Andava-se a dizer que a EMEL vinha aí, vinha assado. Nunca pensámos que fosse assim, foi praticamente da noite para o dia", disse.
Segundo os habitantes, a EMEL pintou lugares de estacionamento nas ruas nas últimas semanas e activou os parquímetros na sexta-feira passada, sem aviso prévio. "Abusivamente. Não comunicaram nada. Primeiro façam os alicerces da casa, depois então até podem pôr parquímetros", disse um comerciante.
O presidente da junta concorda, lembrando que Carnide tem três projectos aprovados no âmbito dos Orçamentos Participativos de Lisboa de 2012, 2014 e 2015 que ainda não saíram do papel. Um prevê a contrução de um parque de estacionamento de 200 lugares, os outros dois contemplam a requalificação de algumas ruas do centro histórico. "Sabemos que a câmara tem capacidade para estes projectos e muitos mais, como se viu agora no eixo central. Começa a cheirar a má-fé", criticou Fábio Sousa.
Num comunicado enviado ao fim da manhã de quinta-feira, a Câmara Municipal de Lisboa diz que este é "um acto grave e inédito, de deliberada danificação de património municipal, e um acto inaceitável num Estado de direito". Além disso, deu indicações à EMEL para reinstalar imediatamente os parquímetros e remeteu o assunto para a polícia e o Ministério Público.
"A entrada da EMEL no centro histórico de Carnide já se encontrava prevista e aprovada pelos órgãos municipais. A sua implementação neste momento resultou da vontade de dar resposta positiva aos alertas de moradores para o agravamento da situação do estacionamento nesta zona e teve o apoio expresso do presidente da junta de freguesia na reunião descentralizada de 11 de Janeiro de 2017", acrescenta o comunicado.
Contudo, não é isso que se lê na acta da dita reunião, a que o PÚBLICO teve acesso. "Nós andamos há não sei quanto tempo a pedir ao presidente da EMEL uma audição para sermos ouvidos e não somos ouvidos, nem sequer se chega a marcar reunião", disse Fábio Sousa na ocasião, insistindo na necessidade de cumprir os projectos aprovados no Orçamento Participativo. "Não é aceitável: neste momento, no centro histórico de Carnide, nós não temos um parque de estacionamento. E não é aceitável quando existem alternativas concretas", disse.
No comunicado, a câmara diz ainda que, com esta medida, há um aumento de 43 lugares exclusivos para residentes em quatro ruas, "estacionamento gratuito na zona 45 (Quinta da Luz) e avenças mensais, em condições favoráveis, no Parque da Rua D. Ana de Castro Osório."
Neste comunicado nada se diz sobre o cumprimento das promessas feitas no âmbito dos orçamentos participativos. Com Lusa