A noite em que os parquímetros de Carnide "caíram com o vento"
Moradores de Carnide não chegaram a levar os parquímetros para a câmara . EMEL apresentou queixa-crime contra "desconhecidos" e autarquia diz que este é um "acto grave" e "inaceitável num Estado de Direito". População reclama obras prometidas há vários anos.
Sentada no pelourinho do Largo do Município, em Lisboa, uma mulher discute animadamente com um conjunto de homens que a rodeiam. “Vim de Carcavelos de propósito. Não ia perder isto. Estou aqui em solidariedade para com a freguesia de Carnide, que isto é só roubar, só roubar”, atira. Está previsto que, dali a minutos, chegue uma caravana com moradores de Carnide, encabeçada pelo executivo da junta de freguesia, que vem entregar um abaixo-assinado com 2500 assinaturas e os parquímetros que a população arrancou durante a noite de quarta-feira.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Sentada no pelourinho do Largo do Município, em Lisboa, uma mulher discute animadamente com um conjunto de homens que a rodeiam. “Vim de Carcavelos de propósito. Não ia perder isto. Estou aqui em solidariedade para com a freguesia de Carnide, que isto é só roubar, só roubar”, atira. Está previsto que, dali a minutos, chegue uma caravana com moradores de Carnide, encabeçada pelo executivo da junta de freguesia, que vem entregar um abaixo-assinado com 2500 assinaturas e os parquímetros que a população arrancou durante a noite de quarta-feira.
Os 12 parquímetros, afinal, não vêm. A PSP apreendeu-os antes de deixarem Carnide e devolveu-os à dona, a Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL), que os instalara há poucos dias em quatro ruas do centro histórico daquela freguesia lisboeta. Na quarta-feira à noite, depois de uma reunião do Grupo Comunitário de Carnide (que junta moradores, comerciantes e instituições da freguesia), cerca de 200 pessoas decidiram retirar os parquímetros das ruas, apenas dois dias depois de estes terem sido ligados.
Os moradores dizem que a EMEL e a Câmara Municipal de Lisboa instituíram estacionamento pago naquela zona sem terem dialogado previamente com a população. E reclamam a construção de um parque de estacionamento de 200 lugares e a requalificação de algumas artérias da zona – tal como está previsto nos três projectos do Orçamento Participativo que a freguesia ganhou em 2012, 2014 e 2015 que ainda não saíram do papel. "Sabemos que a câmara tem capacidade para estes projectos e muitos mais, como se viu agora no eixo central. Começa a cheirar a má-fé", criticou o presidente da junta, Fábio Sousa.
“A junta continuará sempre ao vosso lado”, disse o autarca, que é recandidato à eleição pela CDU, às cerca de 30 pessoas que se deslocaram à Praça do Município ao fim da tarde de quinta-feira.
Foi o último acto de um dos dias mais mediáticos da vida de Carnide. “Parece que esteve muito vento ontem à noite”, ironizou ao PÚBLICO um comerciante durante a manhã. "Os parquímetros caíram com o vento e a junta, como pessoa de bem, vai entregar os bens encontrados", disse, optando por não se identificar. Vários outros moradores e comerciantes usaram a mesma expressão — "caíram com o vento" — para explicar o que tinha sucedido na quarta-feira à noite.
Palmira Pinto foi uma delas. "Andava-se a dizer que a EMEL vinha aí, vinha assado. Nunca pensámos que fosse assim, foi praticamente da noite para o dia", disse. “Eu, aliás, só recebi informação quando já cá estavam os ‘mealheiros’”, acrescentou, referindo-se aos parquímetros retirados em pouco mais de meia hora. A junta mandou entretanto calcetar os passeios onde os equipamentos tinham estado e, pelo meio-dia, já não havia qualquer vestígio da sua existência.
A câmara municipal reagiu a meio da manhã com palavras duras. “É um acto grave e inédito, de deliberada danificação de património municipal, e um acto inaceitável num Estado de Direito”, lia-se num comunicado que a autarquia emitiu. Entretanto, a EMEL apresentou uma queixa-crime contra "desconhecidos" mas não contra a junta.
“Não estamos contra a EMEL, sempre o dissemos”, explicou Fábio Sousa na Praça do Município. Considerando que “não houve vandalismo absolutamente nenhum”, o autarca comunista acusou a câmara de ter uma “política de imposição e prepotência” neste assunto.
"A entrada da EMEL no centro histórico de Carnide já se encontrava prevista e aprovada pelos órgãos municipais. A sua implementação neste momento resultou da vontade de dar resposta positiva aos alertas de moradores para o agravamento da situação do estacionamento nesta zona e teve o apoio expresso do presidente da junta de freguesia na reunião descentralizada de 11 de Janeiro de 2017", acrescentava o comunicado da câmara.
No entanto não é isso que se lê na acta da dita reunião, a que o PÚBLICO teve acesso. "Nós andamos há não sei quanto tempo a pedir ao presidente da EMEL uma audição para sermos ouvidos e não somos ouvidos, nem sequer se chega a marcar reunião", disse Fábio Sousa na ocasião, insistindo na necessidade de cumprir os projectos aprovados no Orçamento Participativo. "Não é aceitável: neste momento, no centro histórico de Carnide, nós não temos um parque de estacionamento. E não é aceitável quando existem alternativas concretas", disse.
A autarquia pediu à EMEL a “reinstalação imediata” dos parquímetros, mas a população de Carnide está disposta a voltar a arrancá-los. “A minha terra está a acordar. Fiquei muito contente”, disse, orgulhosa, Palmira Pinto. “Soube pela rádio! É do melhor que há. Acho lindamente”, comentou uma vizinha.
Sob aclamações de “Viva Carnide!”, “Viva o presidente!” e “Ao menos este foi eleito!”, Fábio Sousa entregou uma petição à câmara municipal, na qual pede a suspensão da entrada da EMEL na freguesia e a definição de um calendário para a construção do parque de estacionamento prometido desde 2012.
Praticamente à mesma hora, o presidente da câmara também se manifestou sobre o assunto. “Uma junta de freguesia proceder à vandalização do material público com os seus próprios meios, à sua subtracção do espaço público e depois com um jogo mediático”, disse Fernando Medina, "é algo profundamente lamentável”. O autarca disse que a instalação dos parquímetros foi feita “a pedido de muitos moradores” e da própria junta, que entretanto “mudou de opinião”. E deixou no ar uma hipótese: “Pode ser que seja do calendário”. Há eleições autárquicas em Outubro.