Irá o discurso anti-comércio livre de Trump alguma vez passar à prática?
Passados 76 dias desde a tomada de posse do novo Presidente, a dúvida não se desfez. E é dentro do Partido Republicano que Trump encontra alguns dos maiores obstáculos.
Quando chegou à Casa Branca, era evidente o entusiasmo de Donald Trump para passar à prática o discurso anti-comércio livre que tinha sido uma das imagens de marca da sua campanha eleitoral. E a verdade é que o novo Presidente não precisou de mais do que quatro dias para anunciar a saída dos Estados Unidos do TPP — o acordo comercial que tinha sido assinado por Obama com 11 outros países dos dois lados do Oceano Pacífico. No entanto, passados 76 dias da tomada de posse e no dia em que se reúne pela primeira vez com o seu homólogo chinês, Donald Trump não tem mais do que essa medida — vista por muitos como meramente simbólica — para mostrar, mantendo-se uma elevada incerteza sobre qual irá ser efectivamente o rumo seguido pela política comercial dos EUA nos próximos quatro anos.
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Quando chegou à Casa Branca, era evidente o entusiasmo de Donald Trump para passar à prática o discurso anti-comércio livre que tinha sido uma das imagens de marca da sua campanha eleitoral. E a verdade é que o novo Presidente não precisou de mais do que quatro dias para anunciar a saída dos Estados Unidos do TPP — o acordo comercial que tinha sido assinado por Obama com 11 outros países dos dois lados do Oceano Pacífico. No entanto, passados 76 dias da tomada de posse e no dia em que se reúne pela primeira vez com o seu homólogo chinês, Donald Trump não tem mais do que essa medida — vista por muitos como meramente simbólica — para mostrar, mantendo-se uma elevada incerteza sobre qual irá ser efectivamente o rumo seguido pela política comercial dos EUA nos próximos quatro anos.
Nos seus discursos, tanto na campanha como na presidência, Trump não tem tido dúvidas em apresentar a política comercial seguida nos últimos anos como a principal razão para tudo o que acontece de mal na economia americana. Taxas de crescimento mais baixas, desemprego mais elevado e estagnação dos salários devem-se, defende o Presidente, às relações comerciais “injustas” e “desequilibradas” que os EUA mantêm com as outras potências económicas mundiais.
Nesse discurso, a China é, a par do México, o principal alvo. E não é difícil de perceber porquê: em 2016 contribuiu com cerca de 60% do défice de 500 mil milhões de dólares dos EUA. A economia americana exportou nesse ano para a China bens no valor de 170 mil milhões de dólares, mas em simultâneo as importações ascenderam a 480 mil milhões, em produtos tão variados como telemóveis, roupa, automóveis e computadores.
Mais dúvidas que certezas
Desde que a China aderiu à Organização Mundial do Comércio, as suas vendas aos EUA dispararam e, quase em simultâneo, o número de empregos na indústria norte-americana caiu de quase 17 milhões de pessoas para os 11 milhões actuais. Vários especialistas dizem que as causas para a redução do número de empregos na indústria são variadas, com destaque para a robotização, mas Donald Trump centrou todas as culpas no comércio e a verdade é que conseguiu, com isso, ganhar votos essenciais para a sua vitória nos estados mais afectados pela desindustrialização.
O problema para Trump, agora, é saber como irá passar das palavras aos actos. Se antes de tomar posse já havia muitas dúvidas, passados dois meses e meio estas parecem até ter-se acentuado.
Uma das ameaças que Trump tem feito é a de classificar a China como “manipuladora” da sua divisa. Isso conduziria, como consequência, à aplicação de penalizações à entrada nos Estados Unidos dos produtos chineses. Seria a maneira simples de limitar as importações e forçar empresas que decidiram passar a sua produção dos EUA para a China a voltar para o país.
No entanto, para além do argumento da manipulação ser agora muito mais difícil de sustentar internacionalmente (a generalidade dos economistas aceita que a variação do iuan é actualmente ditada pelo mercado), não existem ainda muitas certezas em relação à totalidade dos efeitos do lançamento de uma guerra comercial por parte dos EUA.
Aquilo que a economia norte-americana ganharia com a redução do seu défice comercial e com o eventual regresso de empregos na indústria seria suficiente para compensar o aumento de custos suportado pelas empresas de retalho e pelos consumidores por causa do agravamento de preços dos bens provenientes da China (e de outros países)? Esta questão, a que Trump tem respondido afirmativamente desde que iniciou a sua campanha, é motivo de debate aceso no resto do país, dividindo de forma muito significativa tanto o Partido Republicano como o Democrata.
E é aqui que estão as dificuldades de Trump em avançar para a política comercial que prometeu na campanha. Iniciar uma guerra de tarifas aduaneiras com a China seria visto muito negativamente por importantes sectores do Partido Republicano que, aliás, sempre foi o partido com credenciais mais fortes na defesa de políticas de comércio livre.
Outra opção que tem vindo a ser considerada é a de tentar influenciar a política comercial através da política fiscal. A liderança republicana no Congresso tem vindo, com o aparente apoio da Casa Branca, a tentar incluir na reforma dos impostos sobre as empresas a aplicação de um agravamento de taxa sobre as empresas que importam produtos. A ideia é replicar no IRC aquilo que a maior parte dos países tem no IVA (que é aplicado às importações, mas não às exportações).
Mas mesmo aqui, conseguir o apoio suficiente no Congresso parece estar a revelar-se uma tarefa extremamente complicada, principalmente tendo em conta o peso que o lobby das grandes empresas de retalho tem junto de vários senadores e membros da Câmara dos Representantes.
Perante isto, Donald Trump fica-se para já apenas pelos discursos. Na semana passada aprovou duas ordens executivas que não faziam mais do que reafirmar a intenção de aplicar as penalizações já existentes contra práticas anti-concorrenciais de outros países e promover uma análise de quais são os produtos e países mais responsáveis pelo défice norte-americano. Isto é, o Presidente assumiu na prática que ainda é preciso esperar para que seja possível aplicar as prometidas medidas de mais proteccionismo que podem mudar a face do comércio internacional.