“Fiquei com 'uma marca' junto da banca”

A proposta de Orçamento para 2005 fez com que a banca marcasse Bagão Félix. O fim dos benefícios aos PPR levou todos os banqueiros a uma reunião com o primeiro-ministro na qual Bagão era para não ter estado, mas esteve.

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Havia uma ameaça dos banqueiros em relação ao Governo? “Havia pressão, foram os banqueiros todos a essa reunião na residência oficial”, revela Bagão Félix. Daniel Rocha

Bagão Félix foi o ministro das Finanças do primeiro-ministro Pedro Santana Lopes e viveu por dentro os dias em que o então Presidente da República, Jorge Sampaio, decidiu dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas. Tudo aconteceu numa terça-feira, estávamos a 30 de Novembro de 2004. Mas os dias mais marcantes para o economista ocorreram semanas antes. Como é habitual, o Orçamento do Estado para 2005 foi apresentado a 15 de Outubro e foi essa proposta de Orçamento que Bagão Félix diz que lhe deixou “uma marca” junto da banca que nunca desapareceu.

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Bagão Félix foi o ministro das Finanças do primeiro-ministro Pedro Santana Lopes e viveu por dentro os dias em que o então Presidente da República, Jorge Sampaio, decidiu dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas. Tudo aconteceu numa terça-feira, estávamos a 30 de Novembro de 2004. Mas os dias mais marcantes para o economista ocorreram semanas antes. Como é habitual, o Orçamento do Estado para 2005 foi apresentado a 15 de Outubro e foi essa proposta de Orçamento que Bagão Félix diz que lhe deixou “uma marca” junto da banca que nunca desapareceu.

A conversa surge no âmbito da recente polémica entre Jorge Sampaio e Pedro Santana Lopes e sobre os reais motivos que levaram à dissolução do Parlamento entre 2004 e 2005. O país estava à deriva, como Sampaio argumenta? Ou houve pressão feita pelos poderosos junto do Presidente devido às medidas que o Governo estava a adoptar contra estes, como assegura Santana Lopes?

Bagão Félix recusa entrar nesta discussão, até porque diz ter consideração por ambos os intervenientes. Jorge Sampaio “é uma pessoa elegantíssima, até na sua forma de se exprimir”. “[Pedro Santana Lopes] nunca me condicionou em qualquer decisão.” E prossegue: “[Tudo] o que fiz, tudo o que disse e tudo o que errei foi simplesmente resultado da minha maior ou menor capacidade.”

E, apesar da marca com que diz ter ficado, o antigo ministro recusa qualquer relação com a decisão do Presidente da República: “Não tenho esse direito, nem tenho condições para isso.”

Em relação àqueles dias de Novembro, Bagão diz “que a Assembleia da República foi dissolvida numa terça-feira à noite [30 de Novembro]”. E recorda apenas: “E segunda-feira de manhã estava no meu gabinete, no Ministério das Finanças, e recebi um telefonema do primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, a dizer estar absolutamente descansado, que a situação era normalíssima e que não havia qualquer dissolução do Parlamento. E no dia seguinte também estava no meu gabinete e sei por via das notícias que ia ser dissolvido.”

O então ministro das Finanças diz que do ponto vista do Governo a dissolução não fez sentido. “Não a compreendo. O Governo era coeso. A maioria que sustentava o Governo não tinha dado sinais de fraqueza. Não sei que razões é que houve.”

Foram as medidas contra os interesses dos poderosos?

“Não sei, mas há alguns pontos que, de facto, levam a pensar que houve algum incómodo, sobretudo do sistema bancário e financeiro”, admite Bagão Félix. Em causa estava a proposta de Orçamento para 2005 na qual, entre outras matérias, estava previsto o fim dos benefícios fiscais relativos à subscrição de planos poupança reforma (PPR). “A eliminação de incentivos à entrada ou à compra de PPR que beneficiavam 8% dos contribuintes contra 92% que não tinham PPR. Enfim, cada um terá a sua opinião – uns continuarão a pensar como eu, outros pensarão o contrário, é natural, mas incomodou muito o sistema bancário. Tal como outras medidas.”

Terá sido este incómodo que juntou, numa reunião, banqueiros e Pedro Santana Lopes, um ou dois dias antes da data de entrega da proposta orçamental. Bagão Félix também esteve presente, mas contra a vontade dos banqueiros.

“À última hora o sistema bancário pediu uma audiência ao primeiro-ministro, na qual estive presente, na véspera do Orçamento, que é tipicamente aquele tipo de reuniões que servem para pressionar, já sem tempo”, recorda o economista. “[Aquela] era uma reunião em que eu em princípio não estaria, mas estive”, adianta.

Mas havia uma ameaça dos banqueiros em relação ao Governo? “Havia pressão, foram os banqueiros todos a essa reunião na residência oficial.” A proposta orçamental não foi alterada. Passado pouco mais de um mês era anunciada a dissolução do Parlamento e em 2005 Bagão Félix e restante equipa saem do Governo. “Saí do Governo e estes anos todos desde 2005 até agora tive essa marca junto da banca.” Sentiu-se ostracizado pelo sector bancário? “Sim, de um modo geral sim. Mas não estou nada arrependido.”

Bagão Félix diz, aliás, que nunca aceitaria determinados cargos no sector bancário depois da passagem pelas Finanças. “Nunca aceitaria, depois de ter sido ministro das Finanças, alguns lugares no sector bancário e financeiro”, assegura, lembrando que quando foi “para ministro das Finanças” rescindiu “o contrato com o banco em que trabalhava”. “Como ministro da Segurança Social e Trabalho não senti essa necessidade. Como ministro das Finanças senti essa necessidade e fi-lo. Tinha 56 anos.”