Gibraltar é a primeira amostra da dificuldade das negociações do "Brexit"

Europeus pedem contenção nas palavras a Londres, após sugestão de que defesa do território poderia seguir o exemplo das Malvinas. May assegura que isso não vai acontecer

Foto
Gibraltar é território britânico desde 1713 Jon Nazca/Reuters

O Reino Unido não vai enviar uma armada para Gibraltar e Espanha não planeia forçar o Rochedo a hastear a sua bandeira. Mas a troca de palavras entre os dois países expôs aquilo a que o jornal francês Le Monde chamou a “primeira consequência nefasta” do “Brexit”: “o ressurgimento dos conflitos bilaterais, até agora geridos pela União Europeia, num contexto de nacionalismos exacerbados”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O Reino Unido não vai enviar uma armada para Gibraltar e Espanha não planeia forçar o Rochedo a hastear a sua bandeira. Mas a troca de palavras entre os dois países expôs aquilo a que o jornal francês Le Monde chamou a “primeira consequência nefasta” do “Brexit”: “o ressurgimento dos conflitos bilaterais, até agora geridos pela União Europeia, num contexto de nacionalismos exacerbados”.

“Vemos agora o quão difícil é um divórcio”, reagiu o ministro dos Negócios Estrangeiros holandês, Bert Koenders, ecoando o apelo da Comissão Europeia a favor do diálogo e da cooperação. “Vamos ter calma e evitar usar uma linguagem tão dura”. O chefe da diplomacia espanhola disse também que Madrid “está um pouco surpreendido pelo tom dos comentários vindos do Reino Unido”. “Acho que alguém no Reino Unido está a perder a calma e não há nenhuma razão para isso”, afirmou Alfonso Dastis, o mesmo que sábado disse ao jornal El País que Madrid não vetaria o processo de adesão da Escócia à UE se esta se tornar independente.

Os dois ministros reagiam às declarações de Michael Howard, antigo líder dos conservadores britânicos, que na véspera tinha dito que, se necessário for, o país defenderá Gibraltar como fez com as Malvinas (Falklands) em 1982, quando enviou soldados para derrotar a invasão argentina do arquipélago. “Isso não vai acontecer”, assegurou nesta segunda-feira o porta-voz da primeira-ministra britânica, Theresa May, apesar de recusar condenar o tom bélico da intervenção de Howard, que a imprensa eurocéptica depressa aproveitou – o Telegraph escreveu que a Marinha britânica, apesar de ter menos recursos do que em 1982, teria ainda força suficiente para “incapacitar” a congénere espanhola; o Sun sugeriu que May poderia expulsar milhares de espanhóis do país como retaliação.

Na origem desta fúria está o sucesso de Madrid a convencer os parceiros europeus a aceitar que Espanha possa ter poder de veto sobre a aplicação a Gibraltar de um futuro acordo comercial entre a UE e o Reino Unido – tal como consta da versão inicial do guião para as negociações do “Brexit” que o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, enviou sexta-feira aos restantes 27 Estados-membros. Gibraltar, um território britânico desde 1713, e que ainda em 2002 rejeitou em referendo ficar sob soberania partilhada de Londres e Madrid, acusa o Governo espanhol de se comportar como “um bully” e Tusk de partir para estas negociações “como o marido traído que se vinga nas crianças”.

Theresa May riu-se quando lhe perguntaram se admitia o uso da força, mas ao mesmo tempo que prometeu dialogar de boa-fé com todos os parceiros, repetiu que a política britânica para Gibraltar “não mudou, nem vai mudar”. Mas em Bruxelas várias fontes asseguram que é pouco provável que os 27 deixem cair a polémica cláusula quando aprovarem, a 29 de Abril, a versão final do guião para as negociações. “Qualquer que seja o papel que Gibraltar acabe por ter nas negociações há uma coisa que o Reino Unido tem de se habituar”, escreveu o Financial Times: “O resto da UE tem agora uma relação fundamentalmente diferente com Londres, na qual as preocupações britânicas interessam menos.”