Portugal é o país da UE onde o investimento chinês tem mais peso
Portugal, com “uma população mais pequena do que a de Pequim”, situou-se no topo da tabela em termos de peso do investimento chinês no PIB nacional, entre 2011 e 2015.
O investimento chinês começou a ganhar peso em 2011, no sector da energia, expandiu-se para sectores como a banca, saúde e imobiliário, e atingiu 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, colocando assim Portugal como principal destino do capital deste gigante asiático em termos de dimensão da economia.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O investimento chinês começou a ganhar peso em 2011, no sector da energia, expandiu-se para sectores como a banca, saúde e imobiliário, e atingiu 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, colocando assim Portugal como principal destino do capital deste gigante asiático em termos de dimensão da economia.
De acordo com os cálculos de Ivana Casaburi, autora de uma análise aprofundada aos investimentos chineses na Europa (Chinese investment trends in Europe), Portugal, com “uma população mais pequena do que a de Pequim”, situou-se no topo da tabela entre 2011 e 2015, acima da Irlanda e Hungria (3,2%) e de países como Itália e Reino Unido (0,8% do PIB).
Nas contas desta investigadora da ESADE, escola de negócios onde é directora do departamento Europa-China, estão apenas contempladas as aquisições feitas directamente nos mercados em análise (só apresenta a lista das mais relevantes), deixando de fora operações como a que juntou a Sinopec à Galp na pesquisa e exploração de petróleo no Brasil. Anunciado no final de 2011, o negócio deu 30% da Petrogal Brasil à petrolífera estatal chinesa, em troca de 4,8 mil milhões de dólares (hoje, o equivalente a cerca de 4100 milhões de euros).
Depois, foi a vez do primeiro grande negócio em Portugal, com a China Three Gorges (CTG) a ultrapassar concorrentes como os alemães da RWE e garantir a privatização de 21,35% da EDP com um cheque de 2700 milhões de euros, no final de 2011. No pacote vinha ainda a promessa de adquirir activos da EDP Renováveis, como aconteceu com 49% da EDPR Portugal (359 milhões de euro). Mais recentemente, em Janeiro deste ano, a CTG desembolsou mais 242 milhões por activos eólicos do projecto ENEOP.
Deste então, a energia não deixou de estar na mira: a estatal State Grid, outro gigante chinês, ficou com 25% da REN (390 milhões), no âmbito da política de privatizações articuladas entre a troika de credores e o governo PSD/CDS.
Com as empresas vieram linhas de financiamento (numa conjuntura de escassa liquidez), e dois bancos instalaram-se em Lisboa: o ICBC e o Bank of China, este último mais visível. Pela mesma altura, em 2012, a Huawei abriu um centro tecnológico de raiz (aplicando cerca de 10 milhões), tendo recentemente reforçado a aposta, com um centro de inovação e experimentação de produtos.
As grandes aquisições surgiram depois pelas mãos dos privados, ou, mais concretamente, pela mão da Fosun, dominada por Guo Guangchang e que ficou com a Fidelidade (na qual a CGD ainda detém uma pequena participação). Aquela que é uma das empresas chinesas com mais activos no estrangeiro ficou com as unidades hospitalares da Luz Saúde (numa batalha entre concorrentes que foi ganha pelo preço) e, recentemente, tornou-se o maior accionista do BCP com 23,9% do capital, e quer ir até aos 30%. Ao todo, já aplicou mais de 2000 milhões de euros nestas operações.
Apostas no futebol
Guo Guangchang – que perdeu na semana passada o CEO da Fosun, Liang Xinjun, por "motivos de saúde", bem como Ding Guoqi, vice-presidente executivo e também fundador da empresa, para "passar mais tempo com a família" – tem também interesses directos no mundo do futebol. No início de 2016, Guo Guangchang associou-se ao empresário Jorge Mendes, responsável por algumas das maiores transferências no mundo do futebol, numa conjuntura de investimentos chineses em clubes como o AC de Milão e de angariações milionárias de jogadores para a China.
De acordo com a TTR – Transactional Track Record (empresa que recolhe dados sobre fusões e aquisições), o negócio incluiu uma tomada de capital na Start, empresa de Jorge Mendes localizada em Portugal, no âmbito de uma parceria articulada entre a Foyo, de Guangchang, e a Gestifute. Esta foi oficializada com pompa e circunstância em Janeiro do ano passado, na cidade de Xangai, e a cerimónia incluiu personalidades como José Mourinho, Domingos Oliveira (Benfica), e responsáveis do Real Madrid, do Mónaco e do Shanghai Football Club. A parceria, de acordo com a Gestifute, tem por objectivo “estabelecer uma relação que contribua para a dinamização da expansão do futebol na China, quer na vertente desportiva como na comercial”.
Entretanto, a Fosun, via Fidelidade, garantiu 5,3% da REN, onde a EDP/CTG é dona de outros 5%. A EDP, por sua vez, também assistiu a um reforço accionista, com a entrada de mais uma empresa estatal chinesa, a Guoxin, que desde o final de 2015 detém 3% da eléctrica. Tudo somado, os interesses chineses dominam, directa e indirectamente, 35,3% da REN e 24,35% da EDP.
Na área da energia, há também o exemplo recente da CTIEC – China Triumph International Engineering, que, juntamente com a britânica We LinK, anunciou um investimento de 200 milhões de euros num parque de produção de energia solar. Presente na cerimónia de apresentação do projecto, com capacidade para abastecer uma cidade de 130 mil habitantes (produção instalada de 220 megawatts), o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, ao lado de Peng Shou, líder da CTIEC, salientou que este era “o primeiro de uma série de investimentos que a empresa quer realizar em Portugal”.
Na banca, há ainda o caso do BES Investimento, vendido pelo Novo Banco no final de 2014 à Haitong (por 379 milhões), e do Banif – Banco de Investimento, que aguarda ainda a luz verde dos reguladores para ser alienado pela Oitante à Bison Capital (estima-se que por 18 milhões de euros).
À procura de PME
Nem todos os negócios, no entanto, são de grande dimensão. Aliás, tal como se passa a nível europeu, e mundial, a China está à procura de pequenas e médias empresas (PME) especializadas em áreas que vão desde a industria automóvel ao tratamento de resíduos. Exemplo é a Taikai, que adquiriu 30% da EIP – Electricidade Industrial Portuguesa (por 30 milhões, de acordo com os dados da TTR). Criada há mais de 50 anos e presente em 11 mercados externos, a EIP está ligada à produção e distribuição de energia eléctrica. A Taikai fabrica equipamentos para transmissão e armazenamento de energia.
Outro caso é o da Marfresco, empresa de importação-exportação de peixe e marisco, com sede em Loures, detida agora a 51% pela China National Fisheries (por cinco milhões, segundo a TTR).
Numa dimensão totalmente distinta, há ainda que contar com os múltiplos investimentos no pequeno comércio, desde as lojas onde se vende um pouco de tudo até às mercearias de bairro, bem como a vertente imobiliária. Neste último caso, além de negócios mais estruturados, como os da Level Constellation, dirigida por Yong Wen, existe o fenómeno dos vistos gold (de seu nome oficial: autorizações de residência para actividade de investimento – ARI). Os vistos gold já geraram 2808 milhões de euros (dados até Fevereiro) e a esmagadora maioria veio através da aquisição de bens imóveis.
A China assumiu, de longe, a primazia em termos de nacionalidades, estando registados 3207 em nome de cidadãos chineses. Uma vez que o valor mínimo de imóveis para atribuição de visto gold é de meio milhão, foram já aplicados, pelo menos, 1603 milhões de euros por investidores chineses.
A caminho está a primeira ligação área directa com a China, deverá ter início em Julho. Os voos vão ser realizados pela Beijing Capital Airlines, do grupo HNA. Esta empresa está ligada a David Neelman (através da companhia brasileira Azul), sócio de Humberto Pedrosa na Atlantic Gateway, o consórcio privado que ficou com a TAP, e na qual a HNA se prepara para entrar. Além de dinamizar o turismo, a aproximação temporal entre os dois países ajuda à dinamização dos negócios.
Tendências de futuro
No prefácio do estudo de Ivana Casaburi, Javier Solana, presidente da ESADE, ex-ministro dos negócios estrangeiros de Espanha e antigo secretário-geral da NATO, destaca que o investimento chinês está a dirigir-se para a Europa como nunca antes aconteceu, e que o incremento e consolidação desses investimentos são “uma excelente notícia”.
Em Dezembro, o embaixador da China, Cai Run, afirmou que Portugal “assume uma atitude mais aberta sobre o investimento externo”, em comparação com os outros países europeus. De acordo com a Lusa, o embaixador tem a expectativa de ver reforçada “a cooperação entre as empresas portuguesas e os investidores chineses nas áreas de cooperação da capacidade produtiva, cooperação marítima [há um forte interesse nos Açores], de empreendedorismo, de medicina tradicional chineses, de turismo e de educação”.
Na sua análise, apresentada na faculdade Nova SBE (com o apoio do escritório de advogados Cuatrecasas e da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa), e cuja cerimónia foi encerrada pelo ministro da Economia, Ivana Casaburi identifica as tendências de negócio.
Numa altura em que se espera a concretização da entrada de investidores de Macau, via KNJ, no grupo Controlinveste (dono do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF), esta investigadora considera que os próximos negócios podem ocorrer em três grandes dimensões. Uma é a área da energia/tratamento de resíduos, onde, aliás, já estão presentes.
Em 2013, a Beijing Enterprises Water Group comprou, por 95 milhões, a Compagnie Générale des Eaux Portugal, que opera sob a marca Veolia. Depois, no final do no passado, foi anunciada a aquisição da espanhola Urbaser por parte da Firion (do grupo estatal chinês China Energy Conservation and Environmental Protection).
Assim, acabaram por ser parceiros indirectos da Mota-Engil, já que a empresa espanhola detinha 38,5% da Suma, controlada pelo grupo português e dona da EGF – Empresa Geral do Fomento.
Outro universo é o das empresas de média dimensão com boas marcas e internacionalizadas, com destaque para as agro-alimentares presentes no mercado do vinho e do azeite. Por fim, há o sector do desporto e lazer, incluindo grupos hoteleiros, empresas ligadas aos negócios do golfe e clubes de futebol.
Ao PÚBLICO, Ivana Casaburi destaca que a tendência, em geral, é para que o tempo que decorre entre as negociações e o fecho do negócio seja cada vez mais curto, e que os valores das operações sejam cada vez maiores. E antevê um interesse acrescido das empresas chinesas, privadas, nos países do Sul da Europa: Itália, Espanha, Grécia e Portugal.