Como é apitar um jogo do Canelas? "Eles dão-te no focinho e depois não me peças ajuda"
Um jogo do Canelas 2010 na boca de um árbitro.
É um retrato, na primeira pessoa, de um árbitro que já apitou vários jogos do Canelas 2010 e que relata o clima de intimidação que se vive em muitos dos jogos daquela equipa dos distritais da Associação de Futebol do Porto (AFP).
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É um retrato, na primeira pessoa, de um árbitro que já apitou vários jogos do Canelas 2010 e que relata o clima de intimidação que se vive em muitos dos jogos daquela equipa dos distritais da Associação de Futebol do Porto (AFP).
Sem poder dar a cara ou identificar-se para não ser alvo de um processo disciplinar por parte do Conselho de Arbitragem, este juiz de campo da AFP, habituado a fazer jogos desta categoria, indica que nada se aproxima ao ambiente que jogadores e alguns adeptos da equipa daquela freguesia do concelho de Vila Nova de Gaia constroem antes, durante e depois das partidas.
Marco “Orelhas” Gonçalves, agressor do árbitro José Rodrigues, é qualificado por este juiz de campo que aceitou falar com o PÚBLICO com a expressão… “é do pior”. Mas há vários elementos que dominam a equipa de futebol do Canelas que merecem qualificativos semelhantes – um defesa lateral chamado Isaac, o guarda-redes Chibante e, claro, Fernando Madureira, capitão de equipa, líder da claque SuperDragões do FC Porto e conhecido no mundo do futebol com a alcunha de “macaco”. “Havia outro, Bruno Ribeiro, conhecido por ‘Aranha’, mas foi detido recentemente por causa do caso de viciação de resultados com jogos do Oriental, Penafiel e Académico de Viseu”, na Operação Jogo Duplo.
Este árbitro que falou ao PÚBLICO viu as imagens televisivas da agressão ao seu colega e identificou aquilo que designa por “forma de actuação recorrente” por parte dos homens-forte da equipa do Canelas 2010. “Se reparar, o Marco começa por agredir um adversário. Face a essa agressão clara, o árbitro dirige-se para o atleta de forma a exibir-lhe o cartão vermelho e é logo abordado não pelo ‘orelhas’ mas pelo ‘macaco’. É sempre assim. É sempre ele que vem primeiro e começa com as ameaças – ‘olha que eu não seguro isto, olha que eu não aguento esta merda. Eles dão-te no focinho e depois não me venhas pedir ajuda. É melhor não expulsares’”.
Na boca deste árbitro, situações deste tipo são recorrentes. E aproveita para alertar para outro detalhe que é possível constatar nas imagens televisivas da agressão a José Rodrigues. “Se reparar, o agressor não foi logo agarrado. Mesmo com a polícia ali, a própria polícia tem consciência de que as coisas podem complicar-se. Nos jogos em casa do Canelas 2010 podem até vir pessoas das bancadas, entrarem em campo…”
Outra das singularidades que ocorrem nas partidas que envolvem esta equipa do concelho de Vila Nova de Gaia tem a ver com o facto de os jogadores que estão perfilados no relvado antes do início de cada jogo não cumprimentarem o adversário.
Na opinião deste juiz que aceitou falar com o PÚBLICO sob anonimato, depois de vários clubes terem recusado defrontar o Canelas 2010 a situação mudou a partir do momento em que o clube passou a disputar a fase de subida. É que neste campeonato os adversários já não podem fazer falta de comparência, pois os regulamentos determinam que isso implica a despromoção automática. “Antes ameaçavam mais os jogadores, agora estão a ir para os árbitros”, diz este homem do apito.
Mas não é apenas durante os jogos que as ameaças existem. “Eles sabem onde os árbitros moram, as escolas dos filhos, os estabelecimentos comerciais dos familiares… Entram nos cafés dos pais dos árbitros antes dos jogos dizendo… ‘se não se portam bem partimos esta merda toda’”, acrescenta. E mesmo nos minutos que antecedem as partidas em casa do Canelas 2010 há imensa gritaria nos túneis, com ameaças gritadas para o ar, sem se saber concretamente de quem, indica este árbitro que aceitou falar com o PÚBLICO. “Garanto-lhe que nenhum árbitro consegue apitar com tranquilidade um jogo ali”, concluiu.