Justiça põe fim a carreira de avó, filha e netas no ramo das carteiras de luxo

Três das seis colombianas que a PSP alcunhou de Manitas de Plata foram condenadas a prisão efectiva.

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RITA CHANTRE / PUBLICO

A justiça pôs no mês passado fim a uma carreira de sucesso no ramo das carteiras de luxo protagonizada por uma família inteira de mulheres.

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A justiça pôs no mês passado fim a uma carreira de sucesso no ramo das carteiras de luxo protagonizada por uma família inteira de mulheres.

Todas de origem colombiana, avó, filha e netas corriam centros comerciais um pouco por todo o país e, como num passe de mágica, aquilo que num momento estava guardado dentro das malas das mulheres que abordavam com conversas de circunstância, no momento seguinte já tinha passado para as suas mãos. Quando as vítimas davam por isso era tarde demais: às suas preciosas carteiras já só encontravam o sítio, e os cartões multibanco que se havia lá dentro já se encontravam às ordens dos caprichos sofisticados das seis empreendedoras, que tinham uma gama de interesses que ia dos perfumes caros aos gadgets tecnológicos. Sempre bem arranjadas, não despertavam suspeitas.

Com 66 anos, a matriarca reside com o marido num condomínio no concelho de Palmela. Quando finalmente a polícia lhes entrou em casa – as outras cúmplices também moram na Margem Sul – ia perdendo a conta à impressionante quantidade de malas e carteiras Louis Vuitton, Dior, Gucci, Burberry, Moschino, Guess e Carolina Herrera que encontrou. E que pode ser agora vir a ser declarada perdida a favor do Estado, se as arguidas não provarem que as arranjaram por meios legítimos. É que depois de terem sido presas, e numa tentativa de travar o passo à justiça, as seis mulheres conseguiram que várias das suas vítimas retirassem a queixa que tinham apresentado na polícia indemnizando-as do dinheiro roubado, das despesas pagas com os cartões e das carteiras e malas furtadas. Um expediente que não garantiu a absolvição de nenhuma delas, mas que lhe granjeou uma atenuação das penas.

Filha de um vendedor de cautelas, a matriarca Myriam foi mãe pela primeira vez aos 15 anos, mas só em 1996, já com um companheiro português, trocou a Colômbia por Lisboa. Chegou a ter um restaurante, enquanto a sua neta Liz se declara cabeleireira de cães, apesar de já ter estado na cadeia em Gibraltar por outras proezas com carteiras alheias. Do bando fazem ainda parte uma esteticista viúva e uma estudante que trabalhava no call center do Novo Banco. Astuciosa, a forma de actuação desta família não era demasiado complicada: observavam as suas presas a usar o código dos cartões na máquina multibanco e seguiam-nas até lhes aparecer uma oportunidade para se aproximarem o suficiente. Actuavam sempre em grupo, e enquanto a umas se lhes colavam as carteiras alheias às mãos a outras cabia a tarefa de se "darem à morte", uma expressão que no jargão policial significa ficar para trás a distrair as vítimas. Pedindo informações sobre qualquer coisa, por exemplo. Eram muito simpáticas, recordou uma das lesadas em tribunal.

Costumava correr bem, mas houve um dia em que a matriarca foi retida por populares, que se aperceberam das suas manobras nos Pastéis de Belém, em Lisboa, e teve de ser chamada a polícia. Noutra ocasião, foi Liz que teve azar, quando uma angolana levou a mão à mala na Zara do Colombo, também em Lisboa, e deu pela falta de mais de mil euros e um telemóvel de 600 euros ainda a tempo de a agarrar.

Foram todas traídas pela tecnologia: a videovigilância dos centros comerciais apanhou-as nuns casos a rodearem as vítimas, noutros a usarem os cartões multibanco alheios em lojas e também em casinos. A Divisão de Segurança a Transportes Públicos da PSP baptizou a investigação com o sugestivo nome de Manitas de Plata.

Em tribunal foram ilibadas da acusação mais grave de todas as que impendiam sobre elas: associação criminosa. “Os factos provados não permitem concluir pela existência de altíssima perigosidade”, pode ler-se no acórdão proferido no Campus da Justiça, em Lisboa. Também não se provou a existência de uma chefe do bando, nem a obediência a regras estritas de actuação. Certo é que faziam do roubo um modo de vida e de sustento.

A sexagenária, que tinha um cofre num banco com jóias e peças em ouro no valor de mais de 46 mil euros, foi poupada à cadeia. Ficou com pena suspensa e terá de entregar ainda 150 euros mensais à instituição de solidariedade social Raríssimas, que apoia portadores de deficiências mentais e raras. Liz e outra neta também escaparam, mas as restantes colombianas vão mesmo ter de cumprir entre seis a quase sete anos de prisão, a menos que os recursos que apresentaram tenham sucesso.

O que as movia? É difícil saber porque nunca falaram durante o julgamento, mas uma fonte ligada à investigação descreve-as como sendo pessoas com uma vida absolutamente normal, tirando os furtos. “Talvez o vício. Viciaram-se em compras”.