Do "Portexit" à "Ronaldeira" (ou "Jardineira"?)
"Ronaldeira", ainda vá. Mas… "Jardineira", por favor, mil vezes não! Já agora, porque não deixaram o Aeroporto da Madeira como estava, sem precisar de acrescentos ridículos e justificados pelas razões mais saloias do mundo?
Duas cerimónias de sinal oposto sobre o destino da Europa: logo depois da Declaração de Roma, que supostamente deveria relançar a esperança no projecto europeu, seguiu-se a declaração de divórcio – potencialmente litigioso – apresentada pelo Reino Unido em Bruxelas, confirmando o início do "Brexit". O simbolismo cruzado dos dois acontecimentos é flagrante, até pela sua sequência imediata: sessenta anos após o Tratado de Roma, celebrado pela dita Declaração, o divórcio britânico constitui porventura o maior revés sofrido pela Europa ao longo desse tempo. Pela Europa, mas acrescente-se: sobretudo pelo Reino Unido, como começa a ser evidente para os britânicos.
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Duas cerimónias de sinal oposto sobre o destino da Europa: logo depois da Declaração de Roma, que supostamente deveria relançar a esperança no projecto europeu, seguiu-se a declaração de divórcio – potencialmente litigioso – apresentada pelo Reino Unido em Bruxelas, confirmando o início do "Brexit". O simbolismo cruzado dos dois acontecimentos é flagrante, até pela sua sequência imediata: sessenta anos após o Tratado de Roma, celebrado pela dita Declaração, o divórcio britânico constitui porventura o maior revés sofrido pela Europa ao longo desse tempo. Pela Europa, mas acrescente-se: sobretudo pelo Reino Unido, como começa a ser evidente para os britânicos.
De qualquer modo, o "Brexit" e os ventos isolacionistas que sopram da América de Trump estão a obrigar a Europa a reencontrar-se como única alternativa à sua morte anunciada – e as próximas eleições em França e na Alemanha poderão desenhar uma nova paisagem política favorável a esse objectivo. A aposta numa ambição mais vasta, federalista e solidária para a Europa é hoje encarnada sobretudo pelas gerações mais jovens – também largamente maioritárias no Reino Unido contra o "Brexit" –, face ao eurocepticismo e o nacional-populismo representado essencialmente pelos desiludidos e frustrados de gerações anteriores ou pelos partidos extremistas.
Entretanto, em Portugal, ao velho anti-europeísmo do PCP soma-se hoje o anti-europeísmo oportunista do Bloco de Esquerda, ambos reféns das respectivas rivalidades eleitorais e da incapacidade de crescerem face a um PS cada vez mais perto da maioria absoluta. O ensimesmamento político de comunistas e bloquistas leva-os a um beco sem saída, onde o que está em causa não são temas de debate necessário, como a renegociação da dívida, mas uma espécie de "Portexit" puramente ideológico – e demagógico –, desprovido de agenda, conteúdo ou soluções concretas.
Pela sua escala e pelas suas características socioeconómicas, Portugal não tem hoje alternativas viáveis fora da União Europeia e do euro. Ora, em vez de se abrirem a uma nova paisagem política europeia, o PCP e o Bloco apostam numa via que acabará por ser fatal a eles próprios quando se esgotarem os mecanismos de equilíbrio interno da chamada geringonça e apenas restar o recurso a eleições. Se ainda há pouco tempo referi aqui que os dois aliados do actual Governo não deviam ser suspeitos de populismo, manda a verdade dizer que eles se aproximam hoje perigosamente dessa tentação, marcada pela deriva do Podemos espanhol ou do candidato às presidenciais francesas Jean-Luc Mélenchon, numa simetria bizarra com Le Pen.
Na crónica anedótica da vida portuguesa, o busto de Cristiano Ronaldo no aeroporto da Madeira, rebaptizado esta semana com o seu nome, tornou-se a caricatura grotesca do próprio acontecimento através das redes sociais. Por razões de marketing turístico – e défice de auto-estima, pelos vistos – a Madeira converteu-se em… "Ronaldeira". Mas existem pessoas altamente estimáveis, como Seixas da Costa ou Pacheco Pereira que, eventualmente por preconceito anti-futebolístico primário, prefeririam ver no aeroporto o nome de Alberto João Jardim. Ora, se há memórias que eu, como madeirense, cuidaria de não eternizar no bronze kitsch de um aeroporto seria, sobretudo, a do pequeno reinado despótico, clientelista, asfixiante, “betanizador” e destruidor da paisagem madeirense de Jardim. "Ronaldeira", ainda vá. Mas… "Jardineira", por favor, mil vezes não! Já agora, porque não deixaram o Aeroporto da Madeira como estava, sem precisar de acrescentos ridículos e justificados pelas razões mais saloias do mundo?