Jason Silva, um novo guru da divulgação científica

Com um novo programa que chega este domingo ao canal National Geographic Jason Silva afirma-se cada vez mais como um comunicador de que a ciência precisa, diz. Está entre um DJ de ideias e o filósofo-performer.

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Jason Silva leva a ciência a toda uma nova geração, a dos millennials, a quem a informação chega principalmente através do Facebook e do YouTube. É o novo guru “cool” da divulgação científica ou “um Timothy Leary da Idade dos Vídeos Virais”, como lhe chamou a revista The Atlantic, evocando um dos ícones da contracultura norte-americana dos anos 60.

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Jason Silva leva a ciência a toda uma nova geração, a dos millennials, a quem a informação chega principalmente através do Facebook e do YouTube. É o novo guru “cool” da divulgação científica ou “um Timothy Leary da Idade dos Vídeos Virais”, como lhe chamou a revista The Atlantic, evocando um dos ícones da contracultura norte-americana dos anos 60.

Este nova-iorquino de 35 anos, nascido na Venezuela, é o rosto da nova série documental do canal National Geographic, que estreia este domingo à noite (22h30) e que conta em oito episódios de uma hora a história dos instrumentos e das tecnologias que nos tornaram humanos.

Encontrámo-lo esta semana em Londres, na apresentação à imprensa de Origens: A Jornada da Humanidade, que foi seguida de uma entrevista colectiva em que Jason Silva falou do seu novo programa e dos projectos futuros. Nomeado para um Emmy pelo seu papel de anfitrião do programa Brain Games, um dos grandes sucessos do canal National Geographic, Jason Silva é igual à sua personagem de apresentador: muito enfático, fala a uma velocidade estonteante e é fácil perceber por que se transformou num conferencista profissional com presença em eventos como a TEDGlobal.

Jason Silva é o criador da série digital Shots of Awe, vídeos de dois minutos a que chama “trailers para a mente”, que são um pouco os antecessores dos programas de divulgação científica que podemos ver na National Geographic. Tal como os vídeos criados por Jason, Origens recorre abundantemente à colagem digital, só que desta vez tem a mão de John Boswell (aka Melodysheep) nos mashups audiovisuais.

Estas “sinfonias digitais” de John Bosweel, como lhes chama Jason Silva, servem para nos transportar no tempo e misturam-se com um lado de puro documentário, várias recriações históricas ao estilo A Guerra dos Tronos e um conjunto de peritos vindo do mundo científico.

Ajudar a comunicar

No primeiro episódio, dedicado ao fogo, Jason Silva recua até há 14 mil anos, quando uma população nómada usava esta tecnologia como arma para combater grandes predadores, e termina no ano de 1926 com Robert Goddard, um pioneiro da ciência espacial e dos foguetões.

“Já houve programas antes de Origens que dizem que o dinheiro foi inventado no ano tal, mas não há ainda nenhum programa que fale do dinheiro como uma revolução mental e que o relacione com os factos básicos da vida”, diz Jason Silva. Além do fogo e do dinheiro, o programa vai abordar nos oito episódios temas como a comunicação, a medicina, os transportes, o abrigo.

Com uma formação em cinema e filosofia, Jason Silva apresenta-se como um “filósofo-performer” e um “DJ das ideias”.  Sem uma formação específica em ciência, acredita que o que o define como apresentador “é trazer um estilo filosófico à forma como sintetiza as ideias científicas”: “Acredito que um artista pode trazer muito à comunicação que falta a muitos cientistas. Os cientistas, que estão muitas vezes preocupados com o seu trabalho de laboratório e a pensar nas suas descobertas, publicam muitas vezes artigos nas revistas científicas que estão para lá da nossa compreensão. Precisamos de alguém capaz de sintetizar e contextualizar, que explique as implicações filosóficas que se podem tirar das ideias científicas.” Mas Jason Silva gosta de sublinhar que é antes de tudo um artista.

Os especialistas que aparecem na série estão em modo “talking heads”, talvez o aspecto mais convencional de Origens, e foram escolhidos em equipa, envolvendo os produtores e John Boswell. “Olhámos para pessoas-chave como Bill Bryson, peritos carismáticos que tinham escrito livros convincentes em alguns destes temas. Quisemos oferecer vozes únicas e uma perpectiva singular de como é que estas coisas se ligam.” Houve nomes que não estavam disponíveis, como Yuval Harari, autor de Sapiens: História Breve da Humanidade, embora haja muitas das ideias do seu livro no programa.

Jason Silva vê-se como um ser humano curioso desde sempre – “a curiosidade vem de uma ansiedade existencial” –, mas foi em 1994 que começou captar conceitos filosóficos através da câmara. “Os seres humanos estão numa posição única como criaturas morais que sonham com o infinito. Podemos pensar em milhões de anos para frente, podemos pensar em milhões de anos para trás. Podemos contemplar a nossa própria origem, olhar para nós próprios no passado, podemos pensar no nosso próprio pensamento. Somos uma espécie bizarra. Tiramos prazer da intelecção, da ruminação, da contemplação. Carl Sagan entendia-o como uma espécie de êxtase, um cérebro que nos recompensa por fazermos novas conexões.”

Vê-se como um pensador crítico e descreve a filosofia como um desejo de olhar profundamente para as coisas e sondar os mistérios do ser, lembrando que "não precisamos de ser académicos para pensar filosoficamente”.

A tecnologia é uma segunda pele

Um dos temas preferidos de Jason Silva é a forma como o cérebro filtra a informação, reflectido no programa Brain Games. “Todos os aspectos da nossa experiência são mediados pelo cérebro. Mesmo a ciência objectiva é digerida e absorvida por mentes subjectivas. De qualquer forma, a física quântica diz-nos que o observador muda o que é observado. Quanto mais profundamente olhamos para tudo, mais brechas há e isso é que é fascinante. Mas a física newtoniana, que foi destituída pela física quântica, ainda prevê a descolagem e a aterragem de um avião, a física do voo... É um bocado bizarro que alguma ciência destituída por outros ramos da ciência ainda consiga prever como parte do mundo funciona. É quase como se em escalas diferentes tivéssemos leis e princípios científicos diferentes. No macro temos algumas leis científicas, no micro temos outras, mas como se sobrepõem é ainda um mistério.”

Jason Silva, que está habituado a criar com pequenos formatos, é agora o apresentador  de um programa de uma hora (mesmo Brain Games tinha meia hora). Ele reconhece que é muito diferente e que são precisos muito mais recursos para formatos tão longos. “Para os meus conteúdos digitais somos uma equipa de três. Eu, um montador e um câmara, que são amigos próximos. Com menos recursos, pode-se ser mais experimental. Gosto da liberdade que isso traz.”

Origens levou um ano a fazer. Só para as recriações históricas houve 75 dias de filmagens na África do Sul, enquanto a parte do apresentador no estúdio demorou mês e meio. “Quando faço isto sou um dos colaboradores e não o patrão. Temos de nos render ao processo que não controlamos.”

No episódio do fogo, Richard Wrangham, autor de Catching Fire: How Cooking Made Us Human, explica que cozinhar nos deu um estômago externo, porque o fogo é uma tecnologia que pré-digere a comida. “O fogo tornou as refeições mais eficazes energeticamente porque a comida passou a ser mais absorvível. Levávamos antes muito tempo a mastigar e a digerir. Com o fogo, passámos a ficar mais cheios e tínhamos mais tempo livre pela primeira vez. Houve tempo para que a cultura emergisse. O livro [de Wrangham] explica como cozinhar nos tornou humanos.”

Para Jason Silva, os nossos instrumentos e tecnologias são como a nossa segunda pele. “Nenhum homem é uma ilha e os humanos não acabam no limite da sua pele. Parte da nossa humanidade são os nossos instrumentos e tecnologias externas. Este é o tema-chave do programa. Nós construímos os instrumentos mas, depois, os instrumentos constroem-nos a nós."

A jornalista viajou a convite da National Geographic