Alternativas e factos alternativos
Quem optar por desenhar cenários que sirvam para espalhar o pânico, mesmo que não tenham qualquer base factual ou plausibilidade, sacrificará a sua credibilidade em nome de uma estratégia com pernas muito curtas.
O debate sobre a saída do Euro está lançado na sociedade portuguesa. Independentemente da opinião que tenhamos sobre o assunto, penso que todos concordaremos que a nossa atitude em relação à Zona Euro e à União Europeia irá determinar muito do futuro do país. E do presente, como podemos confirmar todos os dias nos jornais. O debate sobre o Euro deve ser feito com clareza nas propostas e seriedade nos argumentos. Infelizmente, o artigo de Quarta-Feira passada de Rui Tavares é tudo aquilo que esse debate sério dispensa.
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O debate sobre a saída do Euro está lançado na sociedade portuguesa. Independentemente da opinião que tenhamos sobre o assunto, penso que todos concordaremos que a nossa atitude em relação à Zona Euro e à União Europeia irá determinar muito do futuro do país. E do presente, como podemos confirmar todos os dias nos jornais. O debate sobre o Euro deve ser feito com clareza nas propostas e seriedade nos argumentos. Infelizmente, o artigo de Quarta-Feira passada de Rui Tavares é tudo aquilo que esse debate sério dispensa.
1. Rui Tavares invoca contra a saída do Euro a consequência imaginada de uma saída da UE, após a qual Portugal “não poderia exportar para os mercados que são os nossos maiores clientes no mercado único da UE”. Nada suporta esta afirmação. A Noruega não faz parte da União Europeia e as suas exportações ascendem a 29% do seu PIB, mais de 80% das quais para países da UE. Dezenas de países exteriores à UE têm relações comerciais importantes com países da UE.
O cenário acima descrito configuraria um embargo comercial, sem precedente comparável, que violaria as regras da OMC e o espírito de várias resoluções da ONU. Tal como o Reino Unido manterá relações comerciais com a UE, mesmo saindo da UE o mesmo acontecerá com Portugal se sair do Euro.
2. Quanto à mudança de moeda, as dívidas entre residentes e uma parte da dívida externa são redenominadas porque foram contraídas no quadro da jurisdição portuguesa. A redenominação da dívida externa contraída no âmbito de outras jurisdições é assunto de negociação com os credores, mas pode ser uma alternativa ao “haircut” preferida pelos próprios credores. Mas não é muito claro a que se refere Rui Tavares quando fala da possibilidade de ser “determinado pelos tribunais internacionais que a nova moeda não é transacionável.”
A convertibilidade das moedas (se é a isto que Rui Tavares se refere) varia e pode ser limitada por factores de mercado, políticos ou do seu próprio desenho. Mas não conheço nenhuma moeda que tenha sido declarada não-convertível por qualquer tribunal internacional. Muito menos uma moeda emitida por um Estado internacionalmente reconhecido.
3. É indiscutível que quem propõe que o país deve abandonar a união monetária deve detalhar a sua proposta e os passos a seguir. Falar da preparação de um plano para a saída é reconhecer essa necessidade e não ocultar propósitos que, de resto, foram claramente assumidos. Essa tarefa exige o envolvimento e as competências de todos os níveis de administração pública.
No entanto, não posso deixar de reparar que Rui Tavares não faz a si próprio esta legítima exigência. A descrição que Rui Tavares faz de um processo interminável para obter uma derrogação para a saída da zona Euro omite o facto de Portugal ainda ser uma República soberana. Mas chama sobretudo a atenção para o enorme silêncio dos que defendem uma reforma da Zona Euro sobre os seus próprios planos para a concretização dessa reforma.
A construção de uma Europa solidária, com transferências que compensem os seus desequilíbrios tem enormes implicações, incluindo a alteração radical dos tratados, que exige a unanimidade dos Estados-membros. Até hoje nunca li nenhuma proposta concreta sobre como convencer os governos da Alemanha e das restantes economias superavitárias a prescindir dos privilégios exorbitantes que o desenho institucional da UE lhes confere. E também nunca ouvi uma posição clara sobre o que deverá fazer o nosso país, se for confrontado com um ultimato como o que foi feito à Grécia, obrigada a escolher entre um programa de austeridade punitiva e a expulsão.
A saída do Euro é um processo suficientemente difícil e complexo para que seja possível aos seus opositores construir um argumentário consistente e fundamentado. Quem optar por desenhar cenários que sirvam para espalhar o pânico, mesmo que não tenham qualquer base factual ou plausibilidade, sacrificará a sua credibilidade em nome de uma estratégia com pernas muito curtas.