Em Loures, a arte urbana deu a volta ao bairro. E está a dar a volta ao concelho
No concelho de Loures, a Quinta do Mocho deu a conhecer a capacidade inclusiva da arte, quando levada à porta de casa das pessoas. Em Junho, prédios, escolas e muros serão a tela para mais uma centena de artistas tornarem a arte pública.
Nos últimos anos, a arte urbana têm deixado de ser o “patinho feio” das cidades. Muitas vezes “a custo e com alguma reticência”, cada vez mais municípios vêem nos grafittis e outras formas de pintura artística de paredes um veículo para reabilitar edifícios e, por arrasto, valorizar determinadas zonas dos concelhos. Loures quer estar “na primeira fila, senão em primeiro lugar”, desta revolução. Para Bernardino Soares, presidente da câmara, iniciativas como “Loures Arte Pública”, apresentada esta quinta-feira, colocam o concelho nesse pódio.
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Nos últimos anos, a arte urbana têm deixado de ser o “patinho feio” das cidades. Muitas vezes “a custo e com alguma reticência”, cada vez mais municípios vêem nos grafittis e outras formas de pintura artística de paredes um veículo para reabilitar edifícios e, por arrasto, valorizar determinadas zonas dos concelhos. Loures quer estar “na primeira fila, senão em primeiro lugar”, desta revolução. Para Bernardino Soares, presidente da câmara, iniciativas como “Loures Arte Pública”, apresentada esta quinta-feira, colocam o concelho nesse pódio.
Pelo segundo ano consecutivo, durante uma semana, paredes, muros, até caixas de electricidade do concelho servem de tela para mais de uma centena de artistas. 82, de 11 países, já confirmaram a presença.
Com esta iniciativa, a decorrer de 17 e 25 de Junho, Loures dá mais um pulo no número de peças de arte disponíveis nas ruas. Já há cerca de duzentas em todo o concelho. Nos últimos dois anos, tornou-se possível ver obras de artistas “tão exóticos” como distantes: do México, Chile, Uruguai, Rússia, Israel. Em lugares tão improváveis como a escola de Santa Iria da Azoia, vila onde "no café já se discutem os graffitis”.
“A arte urbana tem esta capacidade de levar as questões artísticas à porta de casa das pessoas”, diz Oze Arv, nome artístico de José Carvalho.
A expectativa da edição deste ano passa também por conquistar os espaços privados: um objectivo que está a ser cumprido. “Cada vez mais proprietários têm dado autorização para os artistas pintarem. Há um conjunto de condomínios que já aderiu”, acrescenta Rui Monteiro, do pelouro dos Direitos Sociais da autarquia.
Aos artistas não é dado um tema nem “autorização prévia”: são convidados a desenhar o que quiserem. É o que faz, na manhã desta quinta-feira, Oze Arv. Não tem nenhum desenho planeado para o autocarro que lhe deram para as mãos. Apenas uns esboços e a noção de que o autocarro da Rodoviária de Lisboa que se prepara para preencher vai ser uma montra permanente, e itinerante, do seu trabalho. Também RAF (Rui Alexandre Ferreira), Tamara Alves, Andreia Maeve e Glam (Catarina Monteiro) estão à frente dos respectivos veículos. Ao final do dia as obras estão completas, prontas para a estrada, onde circulam os cinco autocarros pintados na edição passada.
Todos os artistas são voluntários. A autarquia assegura refeições, alojamento, material de pintura e logística.
Esta edição tem mais artistas mulheres que homens. “E não é por acaso”, diz Rui Monteiro, é uma intenção da autarquia “mostrar a relevância do trabalho das artistas neste campo”. Afinal “este projecto tem sido muito à base de quebrar estigmas”, reforça. Glam sente “realmente” que “as coisas mudaram nos últimos cinco anos”. Há menos barreiras para os artistas, há menos relutância a permitir e apreciar o seu trabalho. “Talvez porque as pessoas estão mais familiarizadas com esta forma de arte”, acredita.
Há um sentimento de pertença que se traduz em números: das cerca de 200 obras do concelho apenas uma foi vandalizada.
Lista de espera para (re)pintar o Mocho
“No work, no money, no food” (inglês para “Sem trabalho, sem dinheiro, sem comida”) – é uma realidade que Damien Mauro conhece. O artista não a sentiu no bolso nem no estômago, mas viu-a na “espiral de pobreza” da vida de outros. Trabalhou em projectos de inclusão social em bairros franceses. O bairro municipal da Quinta do Mocho, em Sacavém, não lhe é diferente. Claro que o contexto muda, mas os problemas, “a droga, o desemprego, o tempo desocupado”, são comuns.
Foi na Quinta do Mocho que se acendeu o rastilho de uma explosão de arte urbana no concelho. A Galeria de Arte Pública criada em 2015 foi um “ponto de viragem para o bairro”. Ainda há muitos problemas por resolver, mas a baixa da criminalidade é uma vitória para a autarquia. “Passamos do inverno muito frio para o verão”, ilustra Rui Monteiro. O bairro deixou de ser uma ilha. Mais do que isso, “é um local de visita”: está no mapa dos turistas e nos guias de arte urbana da capital. A própria autarquia tem o seu roteiro.
Damien Mauro, neste momento a terminar a 68º obra do bairro, encontrou aí “pessoas interessantes e interessadas”. Mas o interesse que têm pela arte não “resolve tudo”, diz o francês. É um “bom passo em frente”, acredita, mas quando o problema “não é simples, a arte não pode ser a única solução”.
Na Quinta do Mocho, “mais do que em qualquer lugar, as pessoas vêem as obras a nascer. Apropriam-se delas. Sentem que aquilo também lhes pertence”, explica Oze Arv, ele que também já lá pintou. À margem da iniciativa “Loures Arte Pública”, esta galeria a céu aberto cresce durante todo o ano. E já há lista de espera para lá pintar.