Será demasiado cedo para chamar Cristiano Ronaldo a um aeroporto?

Não é habitual atribuir nomes de personalidades vivas a espaços e infraestruturas importantes, mas o Governo da Madeira ignorou a regra para prestar homenagem ao capitão da selecção nacional. Dois historiadores, da área do urbanismo e do desporto, dão razões contra e a favor.

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O capitão da selecção nacional de futebol liderou Portugal na sua primeira vitória num campeonato europeu de futebol LUSA/GEORGI LICOVSKI

Aos 32 anos, o madeirense Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro tem na sua terra natal um museu dedicado à sua carreira, uma estátua esculpida à sua imagem, um hotel com o seu nome e, a partir desta quarta-feira, um aeroporto internacional rebaptizado em sua honra.

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Aos 32 anos, o madeirense Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro tem na sua terra natal um museu dedicado à sua carreira, uma estátua esculpida à sua imagem, um hotel com o seu nome e, a partir desta quarta-feira, um aeroporto internacional rebaptizado em sua honra.

Em 2014, quando foi inaugurada, no Funchal, a estátua de bronze com a figura do jogador, o PÚBLICO colocou a questão: O que ganha a Madeira com este monumento? Esta semana, com a controversa mudança de nome do Aeroporto Internacional da Madeira - o novo nome oficial ainda não foi confirmado -, voltamos a perguntar: até onde podemos ir na homenagem a um desportista tão jovem, mesmo que se trate do melhor jogador do mundo?

O olisipógrafo José Sarmento de Matos considera haver alguma falta de bom senso na mudança do nome do aeroporto. “Não se dá a um aeroporto, a uma coisa desta dimensão, o nome de uma pessoa de 32 anos”, observa o historiador. “Não ponho em causa a qualidade de Cristiano Ronaldo, acho que é um jogador fora de série, um génio”, sublinha, “mas não sabemos o que vai ser o futuro dele. Para já, não faz sentido.”

Outro historiador, Ricardo Serrado, é de opinião contrária. “Não me choca nada que seja dado o nome ao aeroporto”, afirma ao PÚBLICO o especialista na história dos grandes clubes portugueses. “Acho que é quando as pessoas estão vivas que se deve fazer as devidas homenagens e valorizá-las.”

Ricardo Serrado considera positiva a tentativa do Governo Regional de aproveitar a fama do capitão da selecção nacional - “um filho da Madeira” - para enriquecer o seu “património turístico”. “Do ponto de vista turístico, ou é agora ou deixa de fazer sentido. Ser cedo demais é relativo, daqui a alguns anos Cristiano Ronaldo vai ser recordado como um grande jogador, mas o seu impacto turístico vai-se esvaziando”, avalia o historiador.

José Sarmento de Matos, contudo, coloca a questão do ponto de vista do legado, ainda em construção, do jogador. “Não sei o que é que o Cristiano Ronaldo vai ser aos 42 anos, ou aos 52, ou aos 62. E se, por qualquer razão, as pessoas forem obrigadas a retirar o nome ao aeroporto?”

Especialista no desenvolvimento histórico e urbanístico de Lisboa, o historiador afirma que “é uma regra de bom senso, que em princípio os nomes deste tipo de instituições, de equipamentos sociais das cidades, sejam de pessoas que já morreram.”

O que dizer, então, dos pavilhões Rosa Mota, no Porto, e Carlos Lopes, em Lisboa, rebaptizados com os nomes dos medalhistas olímpicos?

“Não se pode confundir as coisas, um aeroporto da dimensão do Aeroporto da Madeira não é um pavilhão gimnodesportivo. Hoje em dia o pavilhão Carlos Lopes já não é para eventos desportivos, mas antigamente era um pavilhão desportivo”, recorda José Sarmento de Matos.

O olisipógrafo sublinha que é preciso haver razões fortes para a atribuição de nomes a grandes estruturas, como aconteceu com o Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. “O aeroporto não recebe o nome do general Humberto Delgado por ter lutado contra Salazar, recebe o nome dele porque foi o fundador da TAP”, explica.

“Se fizessem na Madeira um pavilhão desportivo de grandes dimensões e lhe dessem o nome Cristiano Ronaldo, achava muito bem. Agora, o aeroporto? Não faz sentido.”

Ricardo Serrado, no entanto, considera que o legado do jogador para a Madeira e para o país vai muito além do seu brilhantismo desportivo.

“Tendo em conta o impacto internacional que Cristiano Ronaldo tem em todos os níveis, não só no mundo desportivo, e a valorização que a Madeira faz do atleta, que também nunca esconde que é o seu berço, existem algumas razões substanciais que levam a que o aeroporto mude de nome, e a que isso seja feito agora”, aponta.

O historiador considera, assim, natural que a Madeira se promova como ponto turístico, “aproveitando para realçar o facto de, para além de toda a beleza natural, ter também o melhor futebolista mundial da actualidade”.

José Sarmento de Matos não se deixa convencer pelo argumento. “Ninguém vai à Madeira porque o aeroporto se chama Cristiano Ronaldo. A gente vai a uma cidade qualquer e sabe lá o nome do aeroporto”.

“Independentemente de ser um grande fã do Cristiano Ronaldo e de achar que é um jogador extraordinário, acho que é uma saloiice”, conclui o historiador.