Governo ignorou supervisores e manteve lei que regula Montepio
Conselho Nacional de Supervisores pediu várias vezes em 2016 mudança no código que regula Associação Mutualista Montepio Geral. Governo sem planos para alterar legislação em vigor. Alertas já tinham sido feitos em 2014.
Os supervisores do sistema financeiro pediram “reiteradamente” ao Governo, ao longo de 2016, que revisse o Código das Associações Mutualistas, a legislação que define as regras que se aplicam, entre outras, à Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG). A insistência já vinha de Setembro de 2014, quando os presidentes do Banco de Portugal, da CMVM e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) pediram por carta medidas urgentes para garantir a adequada supervisão da entidade com 650 mil associados.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Os supervisores do sistema financeiro pediram “reiteradamente” ao Governo, ao longo de 2016, que revisse o Código das Associações Mutualistas, a legislação que define as regras que se aplicam, entre outras, à Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG). A insistência já vinha de Setembro de 2014, quando os presidentes do Banco de Portugal, da CMVM e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) pediram por carta medidas urgentes para garantir a adequada supervisão da entidade com 650 mil associados.
No relatório de actividades referente a 2016 divulgado ontem, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF), lembra que no ano passado, “voltou a abordar o enquadramento legal da actividade desenvolvida pelas associações mutualistas” e que essa abordagem foi feita perante a presença, “a título de observador” de um representante “do membro do Governo responsável pela área das Finanças”. E foi nesse contexto, prossegue o mesmo relatório, que o CNSF “reiterou a necessidade de uma iniciativa legislativa que proceda à revisão do Código das Associações Mutualistas, tendo por base contributos anteriores do CNFS e das autoridades que o compõe”.
Apesar dos apelos do CNSF, até ao momento, não é conhecida nenhuma alteração ao Código das Associações Mutualistas. E ainda esta semana, o ministro das Finanças, Mário Centeno, na conferência de imprensa onde deu conta do valor do défice orçamental de 2016, afastou que estivesse em curso alguma alteração. “Em relação ao Montepio – em particular à associação mutualista – apenas gostaria de dizer que neste momento não há nenhuma intervenção legislativa sobre a Associação Mutualista; o que está a correr é a transformação da Caixa Económica em sociedade anónima, é uma matéria que é vista com grande importância para robustecer em termos económicos e financeiros o banco e a sua eficiência no sentido de implementação no mercado em Portugal”.
O CNSF é um órgão que tem como membros permanentes o governador do Banco de Portugal (que preside), o membro do Conselho de Administração do Banco de Portugal com o pelouro da supervisão, o Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e o Presidente da ASF. No entanto, quando são discutidas questões relacionadas com a política macroprudencial, também participa nas reuniões do Conselho, como observadores e sem direito de voto, um representante do membro do Governo responsável pela área das finanças e o membro do conselho de administração do BdP com o pelouro da política macroprudencial. Terá sido neste âmbito que se discutiu o Código das Associações Mutualistas.
A divulgação do relatório de actividades do CNSF surge numa altura em que o universo Montepio tem sido abalado por diversas notícias que dão conta de irregularidades, quer na Associação Mutualista, quer na Caixa Económica. E numa altura em que se têm levantado dúvidas sobre a real supervisão que é exercida sobre a Associação Mutualista, que cabe, nos termos do Código das Associações Mutualistas, ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Apesar da ausência de medidas legislativas, o próprio presidente da Associação Mutualista, António Tomás Correia, disse não se importar que a supervisão passasse a ser feita pela ASF.
Em causa estão não só as contas da Associação Mutualista, como também o facto de produtos emitidos por esta serem vendidos aos balcões da Caixa Económica. Este terá sido, aliás, um dos aspectos focados no CNSF. Há produtos vendidos pela Associação Mutualista que se assemelham a produtos de seguros mas estes, no entender dos supervisores, apenas devem poder ser vendidos por seguradoras. Uma situação que, ao que o PÚBLICO apurou, terá mesmo sido exposta a Mário Centeno por carta.
No último trimestre de 2014, o CNSF já tinha chamado a atenção do Governo para a degradação da situação da Associação Mutualista e solicitado a adopção de medidas urgentes, que possibilitassem uma adequada supervisão da entidade. Mas até final do seu mandato, em Novembro de 2015, Passos Coelho não tomou medidas.
O alerta chegou ao Governo da maioria PSD/PP, por carta, e na sequência de uma reunião da CNSF que decorreu em Setembro de 2014, para debater, especificamente, o Montepio. No final do encontro, liderado por Carlos Costa, foi decidido pedir, por escrito, à ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, que iniciasse um processo de mudança legislativa para dar competências à ASF para passar a inspeccionar a Associação, cabeça do grupo, que, em 2013, tinha tido prejuízos de 336 milhões.