Terrorismo, o retorno da Al-Qaeda
Esta organização radical implantou-se crescentemente na África Ocidental e no Iémen. Recrudesce a implantação no Afeganistão e, potencialmente bem pior, no Paquistão.O objetivo central desse percurso estratégico continuamos a ser nós – o Ocidente.
No passado o terrorismo basicamente resumia-se a atentados bombistas em aviões e aos seus sequestros. Há 22 anos, em 1995, presidi à conferência internacional “European Security and Defense” e foquei novamente o terrorismo como futura ameaça central à segurança coletiva do mundo em geral e da Europa em particular, sob formas muito diferentes, designadamente centradas na operacionalidade com baixa tecnologia de simples indivíduos e pequenas entidades. À comunidade esse tipo de ameaça parecia ainda demasiado imaginativo. Mas sublinhei que “é difícil combater militarmente o terrorismo internacional e, no entanto, ele pode vir a revelar-se, nas próximas décadas, como uma ameaça predominante à segurança internacional, incluindo a segurança europeia”. Cerca de um mês antes, noutra conferência internacional sobre a segurança no Norte de África, realcei a forma como o terrorismo islâmico iria projetar-se na Europa e apontei como graves pontos de infiltração Hamburgo, Bruxelas e Londres. Tal como há 22 anos poucos acreditavam que tudo aquilo iria acontecer (sucede agora), atualmente a comunidade continua sem perceber o que, de formas diferentes, irá acontecer dentro de cinco, 10 ou 20 anos. Será muito pior mas só então a miopia coletiva o verá.
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No passado o terrorismo basicamente resumia-se a atentados bombistas em aviões e aos seus sequestros. Há 22 anos, em 1995, presidi à conferência internacional “European Security and Defense” e foquei novamente o terrorismo como futura ameaça central à segurança coletiva do mundo em geral e da Europa em particular, sob formas muito diferentes, designadamente centradas na operacionalidade com baixa tecnologia de simples indivíduos e pequenas entidades. À comunidade esse tipo de ameaça parecia ainda demasiado imaginativo. Mas sublinhei que “é difícil combater militarmente o terrorismo internacional e, no entanto, ele pode vir a revelar-se, nas próximas décadas, como uma ameaça predominante à segurança internacional, incluindo a segurança europeia”. Cerca de um mês antes, noutra conferência internacional sobre a segurança no Norte de África, realcei a forma como o terrorismo islâmico iria projetar-se na Europa e apontei como graves pontos de infiltração Hamburgo, Bruxelas e Londres. Tal como há 22 anos poucos acreditavam que tudo aquilo iria acontecer (sucede agora), atualmente a comunidade continua sem perceber o que, de formas diferentes, irá acontecer dentro de cinco, 10 ou 20 anos. Será muito pior mas só então a miopia coletiva o verá.
Nos últimos anos o Ocidente tem-se centrado em derrubar o ISIS, aparentemente acreditando que tal equivaleria à derrota do terrorismo islâmico. A ingenuidade é pungente. Destruir organizacionalmente o ISIS era e é uma questão de tempo. O erro do ISIS foi definir-se “romanticamente” como um “Estado” num sentido clássico territorial. Nesse plano não poderia resistir, porque materialmente exposto à superioridade militar de outros. O “Estado Islâmico” está agora a entrar numa fase terminal de implosão. Perante a iminência do colapso na Síria e no Iraque, o ISIS já instrui os seus simpatizantes na Europa para, em lugar de se deslocarem para a Síria, permanecerem nos seus países para que aí possam prosseguir a jihad de terror. Afinal, a estratégia de conquista do mundo pelos extremistas é um objetivo a atingir no muito longo prazo. De resto, o ISIS poderá desaparecer mas a jihad continuará pelas mãos de múltiplas organizações sucessivas. O terror será ainda pior.
Vive-se uma parcial ilusão. O perigo essencial do ISIS nunca foi o seu poder militar ou o seu domínio territorial de pedaços de solo. A sua mais perigosa implantação é a que se localiza nas mentes de milhões de indivíduos que estão espalhados no mundo e que subscrevem o seu demoníaco ideário de crueldade. O ISIS pode ser logisticamente desmantelado, mas o terrorismo sobrevive em milhões de mentes. E multiplica-se rapidamente. É uma pandemia que mal começou. A Internet é a nova malha operativa de coordenação. O tenebroso submundo online do Tor está a atrair células terroristas em comunicações anónimas. Mesmo o financiamento já inclui o uso do Bitcoin. É a fusão entre o primitivismo da Jihad e das decapitações com os instrumentos tecnológicos do séc. XXI.
No entanto, nas sombras, a derrocada do “Estado Islâmico” tem estado a gerar uma outra dinâmica que irá provocar consequências temíveis – a ressurreição da Al-Qaeda, que há cinco anos esteve â beira da virtual extinção. Olhemos o que se passa enquanto o ISIS absorve a nossa atenção recente.
Enquanto o ISIS tem sido atacado no norte da Síria a Al-Qaeda tem renascido fortemente no centro do país. Paralelamente, através de uma engenhosa nova organização está a conseguir polarizar muitos pequenos grupos da oposição ao regime. Enquanto o mundo olha fixamente a Síria e o Iraque a Al-Qaeda desenvolve-se impressionantemente noutros países. Entre a profunda informação, designadamente ficheiros informáticos, recentemente conseguida no Iémen, muito indicia o salto qualitativo que a Al-Qaeda prepara.
Esta organização radical implantou-se crescentemente na África Ocidental e no Iémen. No Norte de África, e daí expandindo a sul através do Sahel, já não exerce a sua subterrânea pressão apenas através de países como a (ineficiente) Argélia e a Tunísia mas também no Niger, no Burkina Faso e, fortemente, no Mali que, na realidade, está a ser transformado numa base de coordenação importante da Al-Qaeda. Recrudesce a implantação no Afeganistão e, potencialmente bem pior, no Paquistão. Mas não nos iludamos com o crescimento da Al-Qaeda em exóticos países longínquos. O objetivo central desse percurso estratégico continuamos a ser nós – o Ocidente.
A Al-Qaeda continua a ser liderada pelo veterano Ayman al-Zawahiri mas em segundo lugar, de facto, posiciona-se um filho de bin Laden, Hamza bin Laden, que está a introduzir uma nova estratégia de operacionalização através da Internet e de captação de jovens em todo o mundo e especialmente na Europa. É o novo estilo que a Al-Qaeda começará a demonstrar dentro de pouco tempo. Um dos mais importantes alvos dessa reorientação estratégica é o Reino Unido. A sugestão explícita de utilização de facas e atropelamentos em grandes concentrações de massas tem sido também veiculada pela Al-Qaeda na sua nova rede de simpatizantes europeus.
No Reino Unido as células tendem a ser agora muito mais pequenas. Mais de 70% dos atentados têm sido realizados por cidadãos nacionais ou com dupla nacionalidade. Mais de 50% descendem de imigrantes do Sul da Ásia. Um quarto tem formação superior e 76% já eram referenciados pelas autoridades. Três regiões deste país congregam grande parte dos radicais islâmicos que preparam atentados – Londres, West Midlands e, assustadoramente, Birmingham, especialmente nos bairros de Spark Hill, Hall Green, Springfield e Hodge Hill. Tal como o bairro de Molenbeek em Bruxelas, em várias cidades europeias criaram-se berços de radicalização em bairros específicos.
A facilidade com que simples indivíduos conseguem aterrorizar o Ocidente também não nos deve iludir sobre o persistente esforço da Al-Qaeda em realizar atentados de grande envergadura. Essa estratégia continua a incluir as armas e os materiais nucleares mas, recentemente, uma estratégia específica concentra-se na utilização de armas químicas na Europa.
Em síntese, pensar que a derrota do ISIS equivale à derrota do terrorismo islâmico é simplesmente irrealista. A Al-Qaeda renasce no vazio criado pela implosão do “Estado Islâmico”. A jihad continua, com mais imaginação.