O pão que a máquina amassou

O mais provável é que o pão que hoje comeu ao pequeno-almoço tenha saído de uma fábrica. Também é quase certo que a farinha de que é feito tenha levado aditivos. Mas há pão e pão, dizem.

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Não há mesas, apenas vitrines cheias de bolos, bolinhos e biscoitos, e cestos de pão encostados à parede. Quem entra na Panificadora do Areeiro não adivinha o que está para lá da pequena porta atrás do balcão. São 75 anos de história contada em toneladas de farinha e fornadas pela noite fora.

Mário Jorge Madeira, de 70 anos, faz praticamente parte da mobília, disse-lhe o patrão quando ele se reformou e esteve quase a deixar a panificadora. Trabalha aqui desde Junho de 1970, acabado de chegar do Ultramar. “Passei 20 anos à porta do forno. Entrava à uma da manhã e saía ao meio-dia. Por isso trago as costas a doer. As articulações estão feitas num oito. Eram dez, onze horas em pé. Sempre a despachar. Depois reformei-me, e trabalhar de noite acabou.” 

De qualquer forma, já ninguém ali carrega sacas de farinha às costas. “Ainda apanhei os sacos de 75 quilos cada um. Quando comecei, era mais ou menos as pessoas que temos hoje. Mas a padaria agora é como deve ser.” Ou seja, está automatizada de forma a poupar esforços: uma manga leva a farinha directamente para os dois silos, na cave, e, quando se trata de a levar para as amassadeiras, basta carregar no botão de um computador, que ela sobe e cai directamente nas tinas.

José Neves herdou o negócio do pai. “Sou a segunda geração e já está a terceira a trabalhar: tenho cá dois filhos.” É a ele que cabe avançar com a empresa e os seus 45 trabalhadores. Por isso, vai abrir um “balcão de charme” duas portas ao lado, para se actualizar – preços mais caros, sim, “mas produtos de maior qualidade”.

Na Panificadora do Areeiro já se trabalha com uma tonelada de farinha por dia. Ou seja, é uma padaria tradicional, mas com escala. “Forneço hotéis – 40, todos em Lisboa –, restaurantes, cafés. Fora de Lisboa não vou, não saio da minha área de conforto”, diz.

Trabalha sobretudo com massas directas, que são preparadas e cozidas aqui. Mas também faz massas refrigeradas (com frio positivo) e massas pré-cozidas – significa que o pão ganha a primeira cor mas o centro não atinge a temperatura de cozedura; sai do forno e congela-se; depois, ou volta ao forno aqui na panificadora antes de ser distribuído, ou é entregue em locais que têm fornos para acabar de cozer. “Fazemos 15 ou 20 variedades de pão. Só para os hotéis são umas 12 variedades por dia.”

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Ao seu lado está Fernanda Rebelo, engenheira alimentar. “Assistiu-se há anos a uma guerra contra o pão. Só há cinco ou seis anos é que o povo se reconciliou com o seu pão”, afirma. “O pão tradicional perdeu expressão junto do consumidor quando entraram as grandes cadeias do pão totalmente industrializado, carregado de conservantes, mas que ia no caminho da conveniência porque já estava fatiado, embalado e dava para vários dias.”

Em 2008, produziram-se mais de 261 mil toneladas de pão e até 2011 o número não andou longe disso. Mas em 2012 houve um salto assinalável para as 431 mil toneladas. Os dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que desde então tem havido uma ligeira quebra, mas ainda assim não chegam aos valores de 2008 (no último ano com registo, 2015, a produção foi de 395 mil toneladas).

Com o aumento do consumo acentuou-se a demanda por outro tipo de produtos. “A determinada altura, a tendência foi de procurar os alimentos mais saudáveis, mais nutritivos”, afirma Fernanda Rebelo. “As pessoas começaram a procurar pão mais escuro, com mais fibra, mais centeio.” Isto, por seu lado, fez com que “a carcaça perdesse posição”. Mas agora “está-se a voltar à padaria da rua”. Alguns padeiros “conseguiram perceber que não podiam continuar a fazer só carcaça e pão de forma. Tinham de fazer o rústico, os pães de sementes…”

Foi o que fez José Neves. “Desde há dois ou três anos que tem crescido o pão de cereais, com centeio…”. Usa melhorantes – “o mínimo possível”  – nas carcaças e pão de forma. “É uma enzima que se junta à farinha para a massa não ter de esperar para levedar: amassa-se e trabalha-se. A maioria das nossas massas não leva o aditivo.” “Fazemos o mais artesanal possível”, assegura. “Não temos estufas. Temos tabuleiros, a massa cresce ali lentamente, algumas ficam mais de duas horas a levedar.”

José Francisco Silva, presidente da Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares (ACIP), salienta que o pão feito de forma tradicional segue uma receita “tão simples” que conseguiu “resistir ao tempo e à história”. E o pão que iremos comer no futuro – ou deveríamos comer – é precisamente igual ao que comíamos no passado. “Há mais de 20 intolerâncias alimentares [incluindo ao glúten, presente no trigo]. Cada vez mais teremos de regressar a uma alimentação próxima da natureza e ir buscar os alimentos simples, sem aditivos. A nova geração vai exigir este tipo de produtos”, acredita. O pão do futuro será assim apenas “farinha, água e sal. O elemento diferenciador será a tecnologia de fabrico: sem pressas”.

Segundo as investigadoras Ana Gomes e Ana Sofia Pimenta, da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto, o pão das padarias não difere daquele que se encontra nas prateleiras dos supermercados – “a composição será similar dentro de cada tipo – integral, mistura, com sementes…” A grande diferença é para o pão industrial, embalado. “Basta olhar para o rótulo da maioria dos produtos que se constata que têm adição de açúcares, mais aditivos tecnológicos que permitem estender o prazo de validade.”

Os consumidores preocupam-se cada vez mais com o que comem e os seus efeitos para a saúde, e isso “conduziu ao surgimento de padarias e empresas de panificação que produzem pães especiais, com farinhas alternativas que contribuem para melhorar o perfil nutricional dos produtos”, afirmam as investigadoras.

“Uma história de amor entre duas plantas”

Há um pão 100% português, farinha incluída, à venda nos supermercados do Continente (do grupo Sonae, ao qual pertence o PÚBLICO). Fernando Carpinteiro Albino, presidente do Clube Português dos Cereais de Qualidade, esteve desde o primeiro momento envolvido no projecto. O objectivo foi juntar “toda a fileira”: a produção de trigos moles (os que são usados no fabrico do pão) foi conseguida no Alentejo; a sua transformação em farinha foi feita pela Gérmen Moagem de Cereais; o pão foi produzido pela Panificadora Marques Filipe (já lá iremos); e o produto final está à venda no Continente.

Luís Bulhão Martins, presidente da Cersul (agrupamento de produtores de cereais do Sul), e Fernando Carpinteiro Albino asseguram que “toda a fileira existe, é pena não a aproveitar para a produção nacional. Temos pessoas para produzir, um sector relativamente bem organizado, terreno, grande capacidade técnica. Nada está a ser aproveitado”, queixam-se. Em vez disso, Portugal está a comprar trigo à Europa de Leste, França, Alemanha e América do Norte.

A conversa decorre na Cersul em Santa Eulália (Elvas), onde se armazenam 25 mil toneladas de cereais, provenientes de cerca de 170 produtores de “todo o Alto Alentejo até Évora” – uma grande parte destinada a rações animais. É um gigante dividido no seu interior em 22 unidades, permitindo uma separação por lotes. Não estamos em período de ver entrar grãos, só de os ver sair (a campanha do trigo vai de Junho a Agosto). Mas concentrar assim a produção ajuda a colocar o produto no mercado. “É mais fácil vender cinco mil toneladas do que mil a uma grande unidade”, que precisa de quantidades elevadas para fabricar consistentemente o seu produto, explicam. “Mas a indústria da transformação de cereais, que havia muito – só em Elvas havia duas –, desapareceu quase toda.”

Segundo o GlobalStat, uma organização da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do Instituto Universitário Europeu, Portugal produzia 1,4 milhões de toneladas de cereais em 1961; em 2013 foram 1,2 milhões (Espanha passou, no mesmo período, de 7,5 milhões para 25 milhões). No ano passado, foi preciso importar 98% dos cereais para alimentação humana (que representa apenas 25% do consumo total; o resto é para animais), indica o Instituto Nacional de Estatística.

A Cersul não se limita a receber os cereais. Tem também um centro de análise para aferir a sua qualidade. “Há uma lista de variedades recomendadas, mas queremos criar novas variedades com as características que procuramos”, explica Carpinteiro Albino. O Clube Português dos Cereais de Qualidade (que junta 2500 produtores) também tem como objectivo “distinguir o trigo do joio”, literalmente.

Para isso, é fundamental o trabalho com a Estação de Melhoramento de Plantas do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) em Elvas – um braço da investigação no domínio dos cereais, para que os agricultores possam adaptar a inovação às suas necessidades. Benvindo Maçãs conduz-nos pelos campos onde leva o estudo à prática. “Fazemos cruzamentos genéticos [não confundir com organismos geneticamente modificados, nos quais se insere um gene exterior] para obter variedades mais produtivas, de melhor qualidade, de melhor glúten, para que com a mesma farinha se consiga fazer mais quantidade de pão. Ou para evitar pragas nas plantas. Para isso tem de haver trigo de boa qualidade.” O método é resumido nesta frase: “É uma história de amor entre duas plantas.”

Ao longo dos 40 hectares da herdade, encontram-se algumas vacas mertolengas – “ajudam-nos a testar as nossas soluções para pastagens, tudo em harmonia com o sistema. Sem os cereais, não há palha para alimentar os animais no Verão”. Agora, a forragem cresce nos dois lados do caminho. Naquele que não levou herbicida há plantas daninhas cheias de flores amarelas. Várias faias indicam que aqui perto há água – não é por acaso, o terreno está à beira do rio Caia.

Benvindo Maçãs aponta para as parcelas onde se estudam as tais variedades mais produtivas. Cada uma tem a sua própria combinação genética, com linhas bem direitas de plantas a crescer, “repetidas três ou quatro vezes para afastar erros humanos”. “As plantas têm de ser observadas aqui, no campo [não em laboratório]. E a gente tem de ouvir o que têm para nos dizer.” Tudo tem o seu ritmo: “O nosso material [variedades portuguesas] só pode ser semeado quando as temperaturas começam a baixar e os dias se tornam mais pequenos. Tem de espigar quando as temperaturas não são muito altas, dez dias à volta de 1 de Abril; tem de encher o grão entre Abril e Maio e secar em Junho.”

O trigo melhorado que sai daqui já está a ser produzido em herdades como a de Carpinteiro Albino: mais de dois mil hectares no concelho de Monforte, onde há décadas é semeado (“interrompemos cinco ou seis anos a partir de Outubro de 1975, quando fomos ocupados”). “Temos variedades nacionais – paiva, celta, hélvio, marialva – e também algumas estrangeiras. Mas a produtividade média no Alentejo de sequeiro é relativamente baixa”, afirma. No seu caso, foram cinco toneladas por hectare no ano passado, o que foi “excepcionalmente bom”.

A sua principal dificuldade como produtor? “O clima. Temos invernos muito molhados e prolongados. A chuva é muito mal distribuída e haver muita água em Outubro e Novembro é mau.”

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Daniel Rocha

Pão de família

Seguindo o rasto ao pão 100% português vamos ter à panificadora Marques Filipe. Luís Filipe e Cátia Filipe: pai e filha num negócio que já vinha da família na geração anterior.

Uma ou duas vezes por semana, as amassadeiras desta panificadora da Rexaldia (Torres Novas) recebem a farinha de trigo alentejano. Com o pão branco, 20% da massa é feita no dia anterior – será a massa-mãe, ou isco, como aqui também lhe chamam, que ajudará a levedar. “Tem de ter no mínimo 12 horas de descanso mas se tiver mais tempo, melhor”, afirma Luís Filipe. “Evita meter tanta levedura.” Se for para esperar mais tempo, então terá de ir para a câmara de conservação, que está a 2º, e o processo de fermentação detém-se – se houver fermentação a mais perde-se gosto e qualidade. “Esta massa-mãe pode ficar aqui quatro ou cinco dias.”

É uma fábrica com janelas horizontais e vista para a serra D'Aire, onde todos estão de branco dos pés à cabeça, incluindo as pestanas e sobrancelhas que vão acumulando farinha ao longo do turno. Fazem aqui mais de 20 tipos de pão. Mas só este é 100% nacional. A massa está agora à vista, dentro de tinas: 600 quilos de massa. “É uma farinha excelente, não é preciso colocar aditivos nenhuns. Quando é o trigo francês, que é o mais consumido cá, já não é tão forte. É preciso corrigir com trigos melhorados, ou com aditivos”, indica Luís Filipe.

Depois de amassada, a massa entra numa máquina que a pesa e divide. Uma tina com 100kg dará para 300 pães. À mão, enrola-se em bolas, que serão pousadas em tapetes enfarinhados. Depois de repousar, entra no forno de lenha prensada durante uns 20, 25 minutos. “Se for a gás, o calor é mais intenso, a temperatura sobe mais, mas também arrefece mais depressa. Com este, está sempre a arder e a temperatura mantém-se constante.”

Ao lado dos fornos, está uma mulher de balança e régua para ter a certeza de que as bolas de centeio seguem com o peso e tamanho certo: 80 gramas, 5cm de altura e 9cm de comprimento.

São duas da tarde, o turno que entrou às seis da manhã prepara-se para sair. Aqui trabalha-se 24 horas por dia, em três turnos. À noite faz-se o pão que é cozido e distribuído de madrugada (em escolas, hospitais, restaurantes e revendedores tradicionais); de dia, o pré-cozido (vai ao forno aqui, mas a cozedura é terminada em loja para ser vendido quentinho). Para além disso, faz também massas refrigeradas (as tais com frio positivo) e toda a cozedura é feita nas lojas. Só nestas massas, e nas carcaças, é que entram aditivos, “para não perderem o volume”. Os aditivos neste caso resumem-se ao ácido ascórbico (identificado nos alimentos como E300), ou seja, vitamina C, esclarece Cátia. Mas 85% da produção desta panificadora não o leva. “E conservantes não usamos. É um produto diário”, de consumo rápido. “Nasci dentro de uma panificadora. Antes havia muito mais aditivos. Agora tentamos que seja o mais natural possível, com o máximo de repouso nas bacias, ou tinas, depois de amassada”, diz o pai. Têm ao todo 12 tinas, mas o ideal seria haver 20 para que o tempo de repouso pudesse ser aumentado e a quantidade de levedura diminuída.

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daniel rocha

Hipermercados regressam à base

O projecto do pão 100% português começou apenas com 50 toneladas de farinha, que resultaram em 50 mil pães, mas “mostrou que é possível fazer um pão totalmente nacional, e que é um produto excepcional”, comenta Ondina Afonso, responsável pelo Clube de Produtores do Continente. “É estratégico em termos de economia nacional e vem reverter toda uma situação de dependência”, adianta. O Clube de Produtores não quer apenas apoiar a produção nacional, mas também regional e local, ou seja, “as cadeias curtas, com menor pegada de carbono... O pão tradicional está a ganhar espaço, as pessoas estão a voltar à base”.

No total, 100 padarias trabalham diariamente para os supermercados da Sonae, muitas delas negócios familiares como a Marques Filipe. “Permite que cresçam com mais bagagem”, comenta Ondina Afonso. Destas, 50 fazem uma distribuição apenas local, com produtos da região onde estão. “Em termos de variedade, não há nenhuma grande superfície que concorra connosco.”

Há uns anos, pão era a carcaça. Hoje, está longe de ser assim. “Fazemos cada vez mais o nicho”, adianta. O pão tradicional está sob a alçada do Clube de Produtores, mas há outros segmentos a levar pão para as prateleiras dos supermercados: o centro de produção do Continente em Ermesinde faz massas que depois são distribuídas por todo o país (pão com frutos vermelhos, com mais proteína, com alfarroba, milho, sementes, sem glúten...) Há ainda o pão de forma industrial (fatiado e embalado) e, por fim, o pão tipo carcaça, as bolas...

Confirmando a tendência, nas cerca de 620 lojas Minipreço, o pão mais vendido é o de forno de lenha (pré-cozido em forno de lenha, terminado no local de venda em forno eléctrico), afirma Ricardo Assunção, director de comunicação do grupo Dia.

Ao todo, vendem-se 5 milhões de unidades de pão por mês. Todos são pré-cozidos – a empresa afirma que a lista de fornecedores é muito vasta, e estão espalhados por vários pontos do país para estarem mais próximos das lojas; alguns são estrangeiros. “É um produto com grande rotação”, adianta Ricardo Assunção. “As massas vêm diariamente ou de dois em dois dias, dependendo da loja. Mas o pão [terminado] nunca está aqui mais do que duas horas.”

Nas próprias etiquetas podemos ler a composição: entre as farinhas de trigo e centeio, por exemplo, há emulsionantes (E472e) e agentes de tratamento da farinha (E300).

As investigadoras Ana Gomes e Ana Sofia Pimenta explicam que “grande parte dos aditivos permitidos pertencem ao grupo dos antioxidantes e emulsionantes utilizados como melhorantes da farinha, emulsionantes ou como substitutos de gordura permitindo uma melhor lubrificação da massa aquando do trabalho mecânico, uma melhor interacção com o glúten e pães com maior volume e melhor textura, respectivamente”. São ingredientes altamente controlados por testes laboratoriais, certificados por várias entidades, para garantir que são inócuos para a saúde humana.

Nos supermercados Pingo Doce, da Jerónimo Martins, o pão também não fica a ocupar lugar. Das 414 lojas, 156 são abastecidas com massas frescas; as outras têm a padaria na própria loja.

A fábrica de massas frescas na Azambuja foi criada há oito anos para dar resposta a 50 ou 60 lojas, mas agora já vai numa centena. Abastece todas as lojas da Figueira da Foz até Sines (o Norte tem outros produtores e no Algarve há um também).

Dora Rodrigues é a engenheira responsável pela fábrica e, juntamente com Rui Santos, coordenador da área de padaria e pastelaria do grupo, avança com alguns números: em média, saem daqui 19 toneladas de pão por dia; sete mil toneladas por ano.

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Há três silos que acomodam 25 toneladas de farinha de trigo 65; três mais pequenos para sete toneladas de farinha de centeio e ainda um de 500kg para farinha de cereais. Do outro lado da parede, um depósito muitíssimo mais pequeno para os aditivos (ácido ascórbico) e melhorantes. “Muitos pães nem chegam a levar 1%”, garante Rui Santos. “É a forma de as farinhas ganharem estrutura para fazer o pão. Os fermentos caseiros também têm melhorantes.”

O único melhorante que é usado pela Jerónimo Martins tem farinha de trigo, antiaglomerante (E170), emulsionante (E472e), fibra de trigo agente de tratamento da farinha (E300), enzimas, para estabilizar os processos de levedação e de conservação. No peso final de uma massa representa cerca de 0,4%.

Uma vez que é feito o rastreio completo do pão, é possível saber com rigor o que levou e em que quantidades.

Há ainda uma câmara com a levedura líquida, que tal como a farinha também chega às amassadeiras (existem seis) sem manuseamento humano. Só as sementes de cereais, ou as frutas para o bolo-rei, por exemplo, é que são colocadas à mão, por serem em quantidades muito mais pequenas.

Aqui fazem-se 20 referências de pão (alguns podem ter a mesma massa mas com formas diferentes). Mas o mais vendido é o pão da avó. Leva massa velha (ou massa-mãe) desidratada, que foi desenvolvida em parceria com um fornecedor, e que por ser seca permite “um controlo maior do processo. A massa velha [tradicional] nem sempre tem o mesmo sabor – assim é sempre igual. É um produto completamente natural”, afirma Rui Santos.

Misturados os ingredientes, a massa vai para a linha de laminagem, onde uma máquina começa por simular a acção das mãos, “sem massacrar”. Depois a massa é esticada, dividida em seis filas compridas, que por sua vez são cortadas horizontalmente de modo a formar pequenos rectângulos, que vão caindo em caixas de plástico brancas. Seguem para o abatedor de temperatura, onde passam dos 22º para os 5º, para que não continuem a fermentar. A cada hora, saem 9 mil pãezinhos destes. Na máquina ao lado a produção é maior: 10 mil papo-secos por hora – a massa leva menos água e por isso é mais fácil de manusear. Dos abatedores de temperatura seguem de imediato para as carrinhas, com temperatura e humidade controladas, e dali para as lojas. Não há stocks. “Uma massa não pode ter mais de 48 horas.”

O pão tradicional representa 80% das vendas (o restante é regional e de forma). “Estamos a tentar voltar aos processos antigos: pão da avó, badas [aqueles que parecem duas bolas pegadas], pão rústico, carcaça rústica, todos com fermentação lenta, que dá mais sabor.”

Devemos comer pão?

Perguntámos às duas investigadoras da UCP. “É verdade que não é obrigatório comer pão para se conseguir praticar uma alimentação saudável, a partir do momento que se incluam na dieta, de forma moderada, outros alimentos equivalentes ao pão; mas também é verdade que não é necessário abdicar do consumo moderado de pão para se praticar uma alimentação equilibrada, saudável e que permita controlar o peso corporal.”

Nem todos os tipos de farinha trazem os mesmos benefícios, sendo que devem ser sempre integrais (trigo, centeio, aveia, arroz, espelta, trigo-sarraceno...), farinhas de leguminosas (grão-de-bico, tremoço…), sementes e frutos gordos. Isto, claro, no caso de não haver intolerância ao glúten ou doença celíaca. “Os pães integrais e os pães de mistura são mais ricos em fibra alimentar, vitaminas do complexo B e minerais, como magnésio, fósforo, zinco e ferro, comparativamente aos pães produzidos a partir de farinhas mais refinadas. Os pães integrais de trigo são mais ricos em fibras insolúveis, que contribuem para a regulação do trânsito intestinal e potencial prevenção de algumas doenças, por exemplo, cancro do cólon. Já os pães confeccionados à base de farinhas pouco refinadas de cevada ou aveia são mais ricos em fibras solúveis, cuja ingestão contribui para a regulação dos níveis plasmáticos de glicose e colesterol, podendo beneficiar a saúde cardiovascular e diabetes.”

Sementes e frutos secos trazem mais-valias, açúcares, enchidos e óleos, não. “É, por isso, fundamental ler a lista de ingredientes, evitando comprar aqueles que são adicionados de ingredientes que não beneficiam a saúde. Convém referir que os ingredientes aparecem listados por ordem decrescente, o que significa que os primeiros ingredientes são aqueles que estão presentes em maior quantidade no produto final.”

Se fizermos uma busca (em inglês) pelo Google sobre se devemos comer pão ou não, aparecem dezenas e dezenas de artigos com títulos como “5 razões para não comermos pão”, “porque é que o pão é prejudicial”, “o pão é o inimigo do nosso corpo”... Também aparecem títulos como “Sete razões para comermos mais pão”, “Oito óptimas razões para comermos pão”... Talvez baste apenas uma: comer pão, sim, porque poucas coisas são tão boas como um pão acabado de sair do forno.