Alguém lhes deu uma prenda que eles não puderam recusar
Só uma pessoa tem a chave do armário onde estão guardadas as prendas com valor igual ou superior a 150 euros oferecidas aos governantes. São do Estado.
Teresa Resende não chama armário ao armário, chama-lhe cofre. Mas o cofre parece um armário de escritório. Não é um cofre antigo, não é um armário com portas de vidro, cheio de peças reluzentes e enigmáticas lá dentro. É um móvel pesadão e cinzento, fechado à chave e, quando é aberto, o que se vê são caixotes. Dentro deles, há um drone, um telemóvel e alguns objectos mais delicados, como jarras ou serviços de chá. Bem-vindos ao gabinete das prendas de valor igual ou superior a 150 euros que os governantes recebem, em visitas oficiais a outros países por exemplo.
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Teresa Resende não chama armário ao armário, chama-lhe cofre. Mas o cofre parece um armário de escritório. Não é um cofre antigo, não é um armário com portas de vidro, cheio de peças reluzentes e enigmáticas lá dentro. É um móvel pesadão e cinzento, fechado à chave e, quando é aberto, o que se vê são caixotes. Dentro deles, há um drone, um telemóvel e alguns objectos mais delicados, como jarras ou serviços de chá. Bem-vindos ao gabinete das prendas de valor igual ou superior a 150 euros que os governantes recebem, em visitas oficiais a outros países por exemplo.
É uma sala igual a tantas outras. Três sofás encostados à parede, uma secretária igual a tantas outras secretárias de escritório. E um armário do qual só a chefe de divisão de Arquivos, Teresa Resende, tem a chave. “Sou a fiel guardiã das prendas”, diz, bem-disposta. O armário fica na Presidência do Conselho de Ministros e reúne, até agora, 14 presentes. É o gabinete de Teresa Resende, onde há técnicos de museologia, que faz a avaliação dos objectos que são dados aos governantes. Não lhes atribuem o valor exacto, determinam apenas se é igual ou superior a 150 euros. Se for esse o caso, o destino para já escolhido para ficarem guardados é aquele armário, as prendas são do Estado.
Este é o processo desde que foi aprovado o código de conduta do Governo. Publicado há meio ano em Diário da República, a 21 de Setembro, surgiu em resposta às polémicas viagens pagas pela Galp a governantes para assistirem a jogos no europeu de futebol em França. Depois há outras prendas menos valiosas, como medalhas e bandeiras, que estão num armário (mais pequeno, este de madeira e vidro) no gabinete de Teresa Resende. Ainda nessa sala, e também noutra, estão espalhadas mais ofertas, mas são todas de valor inferior a 150 euros. Neste caso, algumas já foram exibidas em exposições sobre determinada localidade.
O mundo no armário
Na sala do armário das prendas mais caras, há uma janela. Vêem-se telhados, prédios e, ao longe, um pouco de rio. Teresa Resende vai pondo as prendas em cima da secretária: da Colômbia, o primeiro-ministro António Costa recebeu um serviço de jantar; do Brasil, um cubo forrado a azulejo de João Henrique; do Egipto um prato em prata; da China um jarrão em porcelana, um serviço de chá, uma jarra em porcelana, um drone “Phantom 3 advanced”, um telemóvel Huawey P9. Espanha deu a António Costa duas peças em cerâmica; a Câmara Municipal de Guimarães escolheu um faqueiro; e da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Portugal em Marrocos, veio uma caneta de tinta permanente.
Depois, da Grécia e para o ministro Adjunto Eduardo Cabrita há ainda uma coroa de louro (metal banhado a ouro) e uma outra mais pequena para a secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade. Por fim, a escultura em madeira preta de Moçambique, e oferecida à ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, está no gabinete de Maria Manuel Leitão Marques.
O código de conduta vincula todos os membros do Governo e dos gabinetes. Aplica-se “ainda, com as devidas adaptações, a todos os dirigentes superiores da Administração Pública sob a direcção do Governo, bem como aos dirigentes e gestores de institutos e de empresas públicas”. Determina “um condicionamento da integridade e imparcialidade do exercício de funções quando haja aceitação de bens de valor estimado igual ou superior a 150 euros”. Se uma recusa puder ser mal interpretada do ponto de vista protocolar e institucional, as prendas são aceites em nome do Estado.
É o caso das prendas daquele armário: “Oferta de bem que constitua ou possa ser interpretada, pela sua recusa, como uma quebra de respeito interinstitucional, designadamente no âmbito das relações entre Estados.” A justificação está no n.º 4 do artigo 8 do código de conduta e também plasmada no registo feito, pelos serviços da Presidência do Conselho de Ministros, das ofertas.
Mas há mais prendas. De acordo com a agência Lusa, é no Instituto Diplomático, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, que estão os presentes dados ao ministro Augusto Santos Silva, à secretária de Estados dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação e ao da Internacionalização. Entre as 12 ofertas a Santos Silva, há uma estatueta do rei Ekuikui II, “símbolo da bravura e coragem contra a ocupação colonial portuguesa”, oferecida por Angola.