Como se atinge um défice histórico com menos carga fiscal
O défice mais baixo desde 1974 foi conseguido cumprindo as metas da despesa corrente, com menos investimento e juros, e com a ajuda de um plano de regularização fiscal que compensou o desempenho mais fraco das receitas fiscais.
Em Outubro prometeu um défice de 2,4% a Bruxelas e, agora, o Governo tem nas suas mãos os números para o confirmar, mas a forma como o objectivo foi atingido tem muitas diferenças face ao plano que foi delineado.
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Em Outubro prometeu um défice de 2,4% a Bruxelas e, agora, o Governo tem nas suas mãos os números para o confirmar, mas a forma como o objectivo foi atingido tem muitas diferenças face ao plano que foi delineado.
Quando teve de apresentar a sua proposta de orçamento para 2017, em Outubro do ano passado, o Governo estava ainda a tentar convencer Bruxelas que seria capaz de cumprir as metas que se tinha proposto em 2016. Nessa altura, perante a exigência da Comissão de que o défice ficasse pelo menos em 2,5%, avançou com uma nova meta de 2,4%, efectuando uma ligeira revisão em alta face aos 2,2% que tinham sido traçados como objectivo no início do ano.
Agora, o resultado final foi de 2,1%, mas com uma diferença fundamental: quando prometeu um défice de 2,4% a Bruxelas não tinha sido ainda anunciada a implementação do programa excepcional de regularização de dívidas ao fisco e à Segurança Social (conhecido como PERES). Este plano, confirmou agora o INE, rendeu aos cofres do Estado 588 milhões de euros (cerca de 0,3 pontos percentuais do PIB).
O que isto significa é que, sem o PERES, o défice teria ficado efectivamente nos 2,4% que o Governo prometeu em Outubro a Bruxelas.
No entanto, não se pense que, entre Outubro e o final do ano, tudo correu exactamente como o Governo estava à espera. Houve áreas em que os resultados foram mais favoráveis para o défice e áreas em que foram piores.
Pela negativa, o que se destacou foram as receitas fiscais. Apesar de em Outubro o Executivo já ter revisto em alta a sua estimativa de cobrança de impostos, a verdade é que no final do ano, apenas o facto de se ter lançado o PERES permitiu que as novas metas acabassem por ser praticamente atingidas e, ainda assim, com menos receita ao nível dos impostos indirectos.
Na verdade, apesar do PERES, registou-se em 2016, uma ligeira redução da carga fiscal, representada pela soma das receitas fiscais com as contribuições recebidas pela Segurança Social.
Na despesa registaram-se algumas derrapagens, de pequena dimensão. A mais importante foi nas despesas com pessoal, que ficaram 0,1 pontos percentuais do PIB acima daquilo que era esperado pelas Finanças.
Como é que se compensaram estas derrapagens, para além do PERES? O principal contributo veio do investimento público. Em Outubro, o Governo colocou a sua previsão para este indicador nos 1,9%, um valor que já ficava bastante abaixo do orçamento inicial e seria o resultado mais baixo desde 1995. Mas ao fim de três meses, a verdade é que no final, o investimento público não passou dos 1,6% do PIB, o que acabou por ajudar as contas do défice em 0,3 pontos percentuais, o equivalente à derrapagem registada na receita fiscal.
Outro contributo positivo veio dos encargos com os juros da dívida pública, que estão dependentes do calendário de amortização das emissões obrigacionistas do Estado. Em Outubro previa-se uma despesa com juros de 4,3% do PIB em 2016, mas o resultado final acabou por ser de 4,2%. Em compensação, para 2017, a previsão passa de 4,3% para 4,4% do PIB.
Esta sexta-feira, na conferência de imprensa marcada para depois da apresentação pelo INE dos números do défice, o ministro das Finanças apostou em capitalizar politicamente a descida do défice e refutar uma das críticas que a oposição lhe aponta sobre a estratégia de correcção das contas públicas. Ladeado pelos cinco secretários de Estado, sustentou que as metas seriam atingidas mesmo sem recurso às medidas extraordinárias usadas.
Num discurso repleto de recados, com destinatários implícitos mas nem sempre nomeados, Centeno criticou desde o PSD e o CDS por terem falhado metas quando eram Governo, quer as instituições que não acreditaram nas projecções do executivo (também elas revistas em 2016). Quando afirmou que não houve nem “milagres nem habilidades” na redução do défice, deixava uma crítica implícita à presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP), Teodora Cardoso. Mas também se virava para o anterior Governo de Passos Coelho, a quem acusou de ter deixado reembolsos de impostos e benefícios fiscais de “mil milhões de euros de receita que embelezou 2015 à custa da execução orçamental de 2016”. “Quem nunca cumpriu, começou por não cumprir internamente”, disse.