Cronologia BES: Factos já conhecidos antes da reunião de Dezembro de 2013

Se Ricardo Salgado tivesse sido afastado no final de 2013 e o Banco de Portugal tivesse nomeado gestores, o destino teria sido outro?

Foto
PAULO PIMENTA

Final de 2012 O Grupo Espírito Santo (GES), accionista de referência do Banco Espírito Santo (BES), estava mergulhado em dívida, cheio de investimentos especulativos e de risco. O programa de ajustamento da troika e as novas regras europeias de supervisão mais exigentes em termos de capital acentuavam os seus problemas. Ainda assim, Ricardo Salgado garantia: “O BES não necessita de pedir ajuda ao Estado.”

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Final de 2012 O Grupo Espírito Santo (GES), accionista de referência do Banco Espírito Santo (BES), estava mergulhado em dívida, cheio de investimentos especulativos e de risco. O programa de ajustamento da troika e as novas regras europeias de supervisão mais exigentes em termos de capital acentuavam os seus problemas. Ainda assim, Ricardo Salgado garantia: “O BES não necessita de pedir ajuda ao Estado.”

8 de Dezembro de 2012 A publicação, Círculo Angolano Intelectual, observava: “A transferência [saída de Álvaro Sobrinho do Banco Espirito Santo Angola (BESA)] foi noticiada como uma forma de o afastar do poder. Esperamos que Sobrinho não seja uma espécie de ‘Angola Connection’.” O BESA “de Espírito Santo pouco mais tem do que o nome, pois parece ter vida própria e paralela, controlado por accionistas locais. […].”

18 de Dezembro de 2012 Depois do Diário de Notícias ter, pela primeira vez, mencionado que Ricardo Salgado, ao abrigo dos regimes extraordinários de regularização tributária dos anos de 2005, 2010 e 2011, tinha corrigido as declarações de rendimentos, o BES reagiu: "Após uma vaga de notícias baseadas em rumores especulativos informa-se” que Ricardo Salgado “se prontificou voluntariamente a prestar os esclarecimentos." A mensagem surge horas depois de Salgado regressar do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) onde foi ouvido no âmbito da Operação Monte Branco.

17 de Janeiro de 2013 O jornal “i” voltava à carga: Salgado tinha efectuado três rectificações no valor de 8,5 milhões (relacionados com 26 milhões depositados no banco suíço UBS) face à colecta inicial (apenas 183 mil euros). O que o levou a pagar ao fisco mais 4,3 milhões de euros. Começou nessa altura a circular que o responsável financeiro do BES, Amílcar Morais Pires, tinha igualmente a aproveitado a “amnistia fiscal” e, entre Agosto e Outubro de 2012, pagou 1,1milhões de euros imposto a mais do que o declarado em Maio.

30 de Janeiro de 2013 O DCIAP vem esclarecer que Ricardo Salgado foi identificado como cliente da sociedade suíça que se encontra no centro do caso de lavagem de dinheiro e fuga ao fisco, a AKOYA, mas não esteve envolvido no escândalo de fuga aos impostos.

2 de Fevereiro de 2013 O PCP e o BE interrogam o Banco de Portugal (BdP) sobre a idoneidade de Ricardo Salgado por considerarem que “está claramente posta em causa devido à sua atitude perante o fisco português principalmente numa altura em que os cidadãos são chamados a efectuarem sacrifícios, muitos dos quais em nome do salvamento dos bancos portugueses”.

4 de Fevereiro de 2013 O PÚBLICO escreve em manchete que o BdP pediu explicações a Salgado, mas revela mais: há quadros da instituição que consideram que um banqueiro que, por três vezes, corrige as declarações fiscais mostra “uma possível confissão de que sistematicamente omitiu de forma deliberada os juros e as mais-valias apuradas no exterior à espera das amnistias fiscais que acabaram por ser decretadas". E defendem que a sua idoneidade está em causa.

5 de Fevereiro Contrariando a prática habitual de manter reserva sobre matérias sensíveis, Carlos Costa emite um comunicado onde clarifica que após ter "aberto procedimentos, recolhendo e recebendo informações", considera que não há fundamento “para a abertura de processos de reavaliação de idoneidade” a Salgado. Horas depois, o banqueiro dá início à conferência de imprensa de divulgação das contas de 2012. Sem ser interpelado sobre o tema.

31 de Agosto de 2013 As guerras entre o Grupo Queiroz Pereira (GQP) e o GES estão a ser descarregadas no espaço público, com processos judiciais, e é o Expresso que as revela: “PQP [Pedro Queiroz Pereira] é acusado pela irmã Maude de controlar ilegalmente o grupo. Este diz que o GES quer ficar com a Semapa.” E fica a saber-se que o presidente da Semapa fez chegar a Carlos Costa documentação sobre as contas das holdings que dominam o GES e o governador envia mensagens para Salgado resolver o conflito.

Em Setembro, o Sol e depois o “i”, avançam com novos detalhes: como o contabilista de Salgado não sabia como inscrever a origem dos 8,5 milhões  registou-os como comissões na declaração fiscal, mas afinal resultam de um presente oferecido por um cliente, o construtor José Guilherme  por prestação de serviços de consultoria.  

Mas, desta vez, a supervisão do BdP aumenta a pressão com pedidos de esclarecimento. As perguntas destinam-se ao banqueiro, mas é o gestor do BES, Rui Silveira, que assina as cartas de resposta. E com o advogado Daniel Proença de Carvalho, Silveira constrói a tese da liberalidade, um presente de Guilherme. Que Salgado só aceitou depois de ser aconselhado por advogados, Luís Branco e Rui Patrício, corroborados por juristas de Coimbra, João Galvão e Pedro Maio. Todos concluíram que por oferecido a título pessoal, o banqueiro o podia receber.

18 de Setembro de 2013 O PÚBLICO revela que  “milhares de clientes” do BES “que subscreveram as unidades de participação de dois fundos geridos pela ESAF-Espírito Santo Activos Financeiros, têm estado, desde Maio de 2008, a financiar em larga escala (um total de cerca de 2,2 mil milhões de euros) empresas do universo” familiar.

Em Outubro, a atitude desafiante de Pedro Queiroz Pereira servia de combustível à guerra entre Salgado e o seu primo-direito, José Maria Ricciardi, presidente do BESI.  

8 de Novembro. É o Jornal de Negócios a pôr em evidência os problemas no coração do GES. Num trabalho sobre a sucessão de Salgado — “O golpe de Estado ao estado de golpe no GES”, mostra, pela primeira vez, o funcionamento de uma caixa negra: o Conselho Superior do GES. O texto leva Ricciardi a reagir publicamente, no que será, um de muitos comunicados que a partir dali irá subscrever, isto, para se distanciar de eventuais responsabilidades que possam ocorrer.

11 de Novembro. Com o diferendo a ameaçar tornar-se no folhetim do ano, em apenas 24 horas, Salgado retira Ricciardi do espaço público. Os dois primos direitos publicam em conjunto um comunicado de paz. Mas, evidentemente, as guerras internas continuaram.

Em Dezembro, a percepção é que a situação no topo do GES está estabilizada, pois Pedro Queiroz Pereira e Ricardo Salgado também anunciaram um acordo. Parceiros há 80 anos, os dois grupos selaram um pacto de separação de águas (o BES saiu do GQP e o GQP saiu do GES). Nessa fase, um grupo restrito no BdP e no Governo, já conhecia o buraco de 1,3 mil milhões e as contas adulteradas. E que o Expresso dará a conhecer em Maio de 2014.

E começou a corrida contra o tempo que culminou a 3 de Agosto de 2014 no colapso do BES. E há uma questão legítima: Se Ricardo Salgado tivesse sido afastado no final de 2013, e o BdP tivesse nomeado gestores, o destino teria sido outro?