A câmara passou a licença. Ilegal. Agora a moradia tem de ir abaixo
Olhão autorizou a construção de uma casa de férias, de dois artistas da Broadway londrina, em zona de Domínio Público Marítimo, onde a câmara não tem jurisdição.
Paul Roseby e James Tod ergueram uma imponente casa de férias na ilha da Armona, cumprindo aquilo a que a Lei os obrigava, isto é, obtendo todas as licenças necessárias. Agora viram-se envolvidos — tal como aconteceu a mais de três centenas de outros cidadãos — no processo das demolições das casas ilegais da ria Formosa. Tudo porque a câmara lhes passou um alvará numa zona para a qual, segundo as autoridades do Ambiente, não tem poderes de decisão. A câmara entende o contrário.
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Paul Roseby e James Tod ergueram uma imponente casa de férias na ilha da Armona, cumprindo aquilo a que a Lei os obrigava, isto é, obtendo todas as licenças necessárias. Agora viram-se envolvidos — tal como aconteceu a mais de três centenas de outros cidadãos — no processo das demolições das casas ilegais da ria Formosa. Tudo porque a câmara lhes passou um alvará numa zona para a qual, segundo as autoridades do Ambiente, não tem poderes de decisão. A câmara entende o contrário.
A moradia, com 260 metros quadrados, recebeu ordem para vir abaixo emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) por se encontrar na zona do Domínio Publico Marítimo. Os proprietários responderam com a entrada de uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé com o objectivo de suspender a tomada de posse administrativa. Os dois britânicos, ligados ao mundo artístico da Broadway londrina, dizendo-se “vítimas” do sistema legal e administrativo português, alegam que obtiveram da câmara de Olhão alvará de construção. E não são os únicos: a ameaça que recai sobre este imóvel é igual à que pesa sobre mais 139 casas da Armona localizadas fora da área concessionada à autarquia.
A câmara de Olhão, sem pedir o parecer, vinculativo, às entidades com jurisdição na zona — Parque Natural da Ria Formosa (PNRF), Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC), Reserva Ecológica Nacional (REN) e Domínio Público Marítimo (DPM), emitiu o alvará para a construção de uma moderna moradia em Janeiro de 2016. Quatro meses depois, a 16 de Maio, o Parque Natural ordena o embargo das obras. E, logo a seguir, a Agência Portuguesa do Ambiente, invocando o POOC, manda demolir.
O processo de contra-ordenação, do qual pode resultar a aplicação de uma coima que varia entre os 10 e os 100 mil euros, está a ser instruído pela Autoridade Marítima Nacional — neste caso, a capitania do Porto de Olhão.
A providência cautelar dos britânicos, alegando que a ordem de demolição é ilegal, deu entrada no tribunal no dia 3 de Março. Os proprietários são representados pelo advogado José Eduardo Martins. “Nós somos vítimas inocentes”, declarou o director artístico, Paul Roseby, ao jornal Algarve Resident, acrescentando que ele e o produtor James Tod, vão dar conhecimento desta situação a nível internacional. “Estamos absolutamente devastados”.
Construção por toda a ilha
A autarquia de Olhão tem jurisdição sobre a ilha da Armona mas os seus poderes não são totais nem abrangem toda a zona.
A concessão da ilha da Armona ao município de Olhão ocorreu em 1983, altura em que o Estado passou para a autarquia o poder de gestão da ilha. A partir dessa altura, na área que foi lhe confiada, a câmara ficou com o poder de emitir licenças de construção, de acordo com os instrumentos de ordenamento em vigor. Assim, foram construídas cerca de 850 casas legais, a que se juntaram aproximadamente mais 140 fora da área concessionada — consideradas ilegais, à luz do POOC mas autorizadas pela câmara.
Recorde-se que por ter violado o regime da REN — não no litoral, mas em espaço rural — o ex-presidente da Câmara de Tavira, Macário Correia, foi condenado à perda de mandato e a uma pena suspensa de quatro anos e meio de prisão.
O Projecto de Intervenção e Requalificação (PIR) desta ilha previa a elaboração de um “plano de forma a abranger as edificações legais”. Da intervenção constava ainda a “retirada de ocupações em risco” mas ao mesmo tempo seriam feitos os necessários investimentos para “garantir condições de uso e habitabilidade” ao núcleo habitacional consolidado. O plano não chegou a ser elaborado e a Sociedade Polis da Ria Formosa — a quem tinha sido incumbido desenvolver o trabalho — encontra-se em fase de extinção.
Os dois britânicos adquiriram os lotes 203 e 204, em zona do Domínio Publico Marítimo, com licenças camarárias que conferiam o direito de “demolição, alteração e ampliação” do edificado (alvarás n. 133
89 e 443/89). Decidiram então juntar os dois lotes e construir uma edificação única. Segundo o ICNF/PNRF, com uma área muito superior ao pré-existente.
O presidente da Câmara, António Pina, interpelado pelo PÚBLICO, defendeu-se afirmando que não foram solicitados os pareceres ao ICNF, APA e CCDR “porque se trata de uma concessão que se rege pelas regras do plano de pormenor [Plano de Ocupação e Recuperação da Zona Urbano-Turística da Armona — PPORZUTA]”. A emissão do alvará, acrescentou, foi sustentada pelos “pareceres técnicos da Divisão de Urbanismo, reforçado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo”.
Mas não foi esse o entendimento das entidades dependentes do Ministério do Ambiente, que consideraram que seria necessária pedir pareceres prévios, vinculativos, ao ICNF
PMRF, APA (que teria de emitir o título de utilização do Domínio Público Hídrico) e à CCDR/Algarve.
Autarca pede “compreensão”
Uma vez que a ilha da Armona se encontra sob a jurisdição da câmara de Olhão (PS), Paul Roseby declarou ao Algarve Resident que “presumia-se que a ameaça às casas não seria igual às da ilha de Faro [presidida por Rogério Bacalhau, PSD]”, onde foram derrubadas as casas em situação de risco situadas fora da zona concessionada. O autarca de Olhão disse ao PÚBLICO que espera contar “com a compreensão do senhor ministro [Pedro Matos Fernandes]” para defender os interesses dos dois cidadãos que se dizem lesados. Nos aglomerados das ilhas-barreira já foram demolidas 370 edificações.
O Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) prevê o derrube de mais 369 edificações, nos Hangares e no Farol. Porém, a lista já caiu para 57, depois do ministro do Ambiente ter deixado a promessa que o processo das demolições passaria a ser analisado “caso a caso”.
O Movimento SOS Ria Formosa, entretanto, anunciou que rejeita os critérios de definição de risco, invocados pela Sociedade Polis. “Irão haver casas que serão deixadas em situação de risco, e outras nas mesmas condições que serão demolidas”, criticou. No último comunicado divulgado à imprensa, deixou um aviso: “Neste momento iremos estar entre as máquinas e as habitações, é o único e último sítio em que nos resta lutar”.
Por menos, Macário Correia perdeu o mandato
A violação da Reserva Ecológica Nacional (REN) ditou a perda de mandato do antigo presidente da câmara de Tavira, Macário Correia, mais uma pena suspensa de quatro anos e meio de prisão. O Tribunal de Faro deu como provado, em Junho do ano passado, quatro dos cinco crimes de prevaricação que o ex-autarca estava acusado por licenciar moradias e piscinas em zonas rurais, violando “claramente o regime de Reserva Ecológica Nacional”, determinou a justiça.
Os factos dizem respeito ao terceiro mandato de Macário Correia à frente da Câmara Municipal de Tavira, entre 2005 e 2009. Na perspectiva do colectivo de juízes que julgou o antigo autarca, a aprovação dos projectos estava dependente dos pareceres da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve.
O antigo autarca, invocando razões ponderosas, então aplicadas no âmbito do Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve (PROTAL) e do Plano Director Municipal (PDM), licenciou obras contra o parecer dos técnicos.
Após a condenação, o ex-autarca declarou aos jornalistas: “Não há um único tijolo de pé ilegal nas situações que hoje aqui foram apreciadas”, embora a câmara de Tavira tivesse recebido ordem judicial para demolir três instalações e duas piscinas.
A perda de mandato ocorreu quando Macário Correia já presidia ao município de Faro. Porém, de recurso em recurso, manteve-se em funções até concluir os quatro anos de mandato. I.R.