Perdeu-se o rasto a 15 menores que chegaram sozinhos a Portugal

Dados de 2016 confirmam tendência dos últimos anos de desaparecimento de menores: 73 em quatro anos. Conselho Português para os Refugiados não vê motivo para alarme. Grupo de peritos em tráfico de pessoas do Conselho da Europa preocupado.

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Maioria dos menores vítimas de tráfico são da Nigéria e de Angola Enric Vives-Rubio

No ano passado, a Casa de Acolhimento para Crianças Refugiadas (CACR), em Lisboa, perdeu o rasto a 15 menores com idades entre os 15 e os 17 anos, que saíram das instalações e não voltaram. Um dos menores não-acompanhados e à procura de asilo apresentou sinais "subjectivos" de que teria sido vítima de tráfico de seres humanos. Originários de países da África ocidental, abandonaram as instalações poucos dias depois de terem chegado.  

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No ano passado, a Casa de Acolhimento para Crianças Refugiadas (CACR), em Lisboa, perdeu o rasto a 15 menores com idades entre os 15 e os 17 anos, que saíram das instalações e não voltaram. Um dos menores não-acompanhados e à procura de asilo apresentou sinais "subjectivos" de que teria sido vítima de tráfico de seres humanos. Originários de países da África ocidental, abandonaram as instalações poucos dias depois de terem chegado.  

Uma única jovem foi identificada como vítima de tráfico de seres humanos: foi sinalizada por causa da rota até à chegada (vinha da Nigéria), e por ter mostrado comportamentos de isolamento, o que costuma indicar que não tem planos para continuar no país, e de não querer participar nas actividades, disse ao PÚBLICO Dora Estoura, coordenadora da CACR. Em 2016, o CACR acolheu 54 menores. 

Os desaparecimentos são "naturalmente uma fonte de preocupação", mas "é um traço comum a esta população a nível europeu", disse a coordenadora. "Há que não criar alarmismos." O CACR é um espaço livre e as saídas sem regresso são frequentes, como mostram dados de anos anteriores, que somam um total de 73 desaparecimentos: em 2015, por exemplo, saíram sem explicação 29 menores, entre um total de 66 que estavam acolhidos; em 2014 o número foi mais baixo, 13 desapareceram, entre 38 acolhidos, e em 2013 saíram 16, entre um total de 85. "Há coisas que nos ultrapassam, nomeadamente a vontade dos mesmos não quererem ficar em Portugal", comenta Dora Estoura. É possível que muitos queiram ir para outros países. "Procuramos informar dos direitos e deveres à chegada, que a protecção em Portugal não é válida nos outros países, que há riscos."

Os desaparecimentos são comunicados às entidades competentes, como Tribunal de Menores e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, e, no caso de suspeita de tráfico, contactam o Observatório de Tráfico de Seres Humanos. 

Esta situação preocupou o Grupo de Peritos em Acção Contra o Tráfico de Seres Humanos (GRETA), organização do Conselho da Europa que controla a forma como é implementada a convenção contra este tipo de crime, em vigor em Portugal desde 2008. O GRETA visitou o CAR e, na altura, em Abril, tinha registado nove desaparecimentos, mas mesmo assim, no relatório da segunda avaliação ao país, publicado nesta sexta-feira, colocou no topo de preocupações estes desaparecimentos.

Peritos europeus preocupados

Os peritos europeus estão, de resto, preocupados com a situação das crianças vítimas de tráfico em Portugal (são consideradas crianças todos os menores de 18 anos). Dão este retrato de Portugal: entre o início de 2012 e Junho de 2016 foram confirmados 36 menores vítimas de tráfico de seres humanos. A esmagadora maioria – 32 – eram do sexo feminino. Vieram sobretudo da Nigéria (quinze) e de Angola (dez), mas também da Guiné-Bissau (três) e da Bulgária (três). Razões porque a maioria foi traficada: exploração sexual. Três dos menores foram-no com o objectivo de exploração laboral e outros dois para actividades criminosas. Nesse período, houve 226 vítimas de tráfico de seres humanos confirmadas, a maioria homens.

No relatório de 50 páginas, as autoridades portuguesas são incitadas a melhorar a identificação e a assistência a crianças vítimas de tráfico e a olhar com especial atenção para migrantes e menores não acompanhados. Querem que as autoridades prestem apoio a nível da habitação e da educação e que assegurem que há uma monitorização da reintegração das crianças a longo-prazo, tentando encontrar famílias de acolhimento, por exemplo.

É citado um relatório de 2014 do Comité das Nações Unidas para os Direitos das Crianças que “expressou sérias preocupações” pelo facto de Portugal "não ter adoptado medidas adequadas para a recuperação e reintegração de crianças vítimas de crimes, incluindo de tráfico para exploração sexual e laboral".

Composto por 15 peritos independentes, vindos de várias áreas, o GRETA organizou a visita de três peritos em Abril do ano passado, altura em que se encontraram com várias entidades oficiais, como a secretária de Estado para a Igualdade, Catarina Marcelino, o relator nacional para o Tráfico de Seres Humanos, Manuel Albano, ou o Observatório de Tráfico de Seres Humanos.

A primeira avaliação do GRETA a Portugal foi em 2011-2013, e a sua publicação aconteceu em 2013. Nela, recomendava-se que Portugal prestasse mais atenção ao tráfico de seres humanos para exploração laboral e dizia que era preciso criar mais abrigos para vítimas masculinas e crianças, pois apenas havia um abrigo para mulheres, no Porto. A recomendação foi seguida: desde então foram criados mais dois abrigos, um para homens, em Coimbra, e outro para mulheres e crianças, no Alentejo, cada um com capacidade para acolher oito vítimas.

Indemnizações às vítimas

O tráfico de seres humanos para diversos fins foi constituído como crime específico na lei portuguesa apenas em 2007 (até lá era apenas para exploração sexual). Exploração sexual, laboral ou serviços forçados, escravatura ou práticas idênticas a escravatura, servidão e remoção de órgãos são as formas de exploração cobertas pela convenção europeia.

No seu primeiro relatório, o GRETA recomendou que a escravatura e práticas semelhantes fossem explicitamente incluídas como formas de exploração na definição de tráfico de seres humanos no Código Penal português, algo que aconteceu em 2013.

Na primeira avaliação, o GRETA dizia ainda que era necessário dar atenção à ausência de um sistema eficaz de indemnizações às vítimas e agora continua a incitar Portugal a desenvolvê-lo e a incluir este tema em programas de formação de juízes e procuradores, por exemplo. Também defende que é preciso criar medidas adicionais que assegurem o cumprimento do princípio de não punição das vítimas de tráfico pelo seu envolvimento em actividades ilícitas. Entre as várias recomendações, fica também a de expandir o campo de actuação dos inspectores do trabalho que neste momento não podem fiscalizar casas privadas.

No relatório há referência a progressos. A criação da Rede de Apoio e Proteção às Vítimas de Tráfico, acções de luta contra o tráfico de seres humanos, a formação de profissionais envolvidos, a criação de uma unidade de combate ao tráfico de seres humanos no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) ou a formação de inspectores do trabalho sobre tráfico para exploração laboral foram alguns dos pontos de melhoria que o GRETA assinalou.

Embora não possa ainda revelar os dados de 2016, Rita Penedo, responsável pelo Observatório de Tráfico de Seres Humanos, confirmou ao PÚBLICO que em 2016 houve um aumento de vítimas confirmadas de tráfico de seres humanos, incluindo de menores, e um aumento das sinalizações. Portugal continua a prevalecer como destino para exploração laboral, nomeadamente na agricultura, acrescentou.