De Sagres ao Gerês conduzidos pela voz de Sandy Kilpatrick
O músico escocês Sandy Kilpatrick apresenta esta sexta-feira no Theatro Circo de Braga o seu quarto álbum, uma viagem com folk e rock por dez lugares do país onde vive há cerca de 15 anos – Portugal.
Há seis anos um fotógrafo e um músico viajaram até três lugares com o mesmo nome em Espanha, França e Inglaterra. Locais onde a terra acaba e o mar começa. Foi a partir dessa jornada de quase cinco mil quilómetros por Finisterre, Finistère e Land’s End que o artista Eduardo Brito e o músico Sandy Kilpatrick lançaram em 2010 o livro-disco Terras Últimas.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Há seis anos um fotógrafo e um músico viajaram até três lugares com o mesmo nome em Espanha, França e Inglaterra. Locais onde a terra acaba e o mar começa. Foi a partir dessa jornada de quase cinco mil quilómetros por Finisterre, Finistère e Land’s End que o artista Eduardo Brito e o músico Sandy Kilpatrick lançaram em 2010 o livro-disco Terras Últimas.
“Foi uma viagem muito inspiradora”, recorda Sandy Kilpatrick, o músico escocês que vive em Portugal há cerca de 15 anos. “Viajámos de carro, tomei notas, tirei fotos e de imediato pensei que aquilo era um arquétipo para um trabalho maior”, afirma. Foi aí que começou a desenhar-se o projecto que vai revelar esta sexta-feira no Theatro Circo de Braga, no dia em que o álbum Confessions from the South também chega às lojas. “Depois dessa viagem comecei a fazer pesquisa sobre a Irlanda, Escócia, Noruega e Portugal e surgiu a ideia de criar um projecto com os quatro países como fio condutor”, revela.
Trata-se de uma espécie de viagem musical por esses países e a primeira paragem é em Portugal. O álbum que agora é lançado inclui dez canções, todas elas referentes a diferentes pontos do país, sendo de esperar, nos próximos tempos, outros tantos lançamentos referentes aos restantes países nomeados. Ao longo dos últimos anos lançou três álbuns e outros tantos EP, expondo uma música folk-rock que tanto é capaz de criar zonas de recolhimento, como vastos espaços de transcendência ou propor momentos de celebração.
Existe quase sempre um misto de melancolia e de luz esperançosa naquilo que propõe e isso está presente no novo álbum, apesar de este ser um disco menos intimista do que o seu antecessor. “Há mais instrumentos e um grupo de músicos fixos, a The Origins Band, que são muito talentosos e tornaram o som mais rico.” É uma obra sobre Portugal, de Sagres ao Gerês, com passagens pelo Alentejo ou pelas Ilhas, mas também sobre o momento convulso do mundo de hoje, de Trump ao “Brexit”. “É um disco de ligações e não de criação de muros”, diz. “Há canções que funcionam como refúgio, mas também existe dureza e confronto com a realidade.”
O single Whispering winds é uma homenagem a Sagres, “o ponto mais sudoeste da Europa”, enquanto Ponte de Lima é visada em Stand united with your brothers. Na maior parte dos temas evoca-se o universalismo, o humanismo e a natureza, mas não de forma romantizada. “Já criei canções pastorais e idílicas, mas aqui não quis voltar apenas a esse modelo, reflectindo maior crueza”, afirma. Acrescenta que nos últimos anos deixou de fumar, voltou a passear pelo campo e a fazer desporto, ao mesmo tempo que descobriu o mundo das massagens shiatsu – “Por causa das dores de costas provocadas pela postura de tocar guitarra”, diz –, o que lhe permite ter hoje uma relação mais prazenteira com o acto de criar. “Do ponto de vista espiritual e físico sinto-me mais disponível.”
Sandy Kilpatrick nasceu nas Escócia, estudou literaturas inglesa e americana, tendo formado em Manchester, onde viveu, a banda rock Sleepwalker, que chegou a granjear culto em Inglaterra. Depois apaixonou-se por uma portuguesa, de Braga, e mudou-se. Aqui lançou álbuns como Incandescent Night Stories (2005) ou Redemption Road (2012), revelando sempre uma assinalável simplicidade poética nos seus trabalhos cruzada por arranjos luminosos e um sentir quase religioso. Hoje fala com entusiasmo do Alentejo – “Era capaz de viver por ali, com aquela luz, o céu, a planície e as pessoas” –, de Ponte de Lima, do Minho, do Gerês ou de Sagres, mas nem sempre foram fáceis os seus anos de Portugal.
“No início foi uma lua-de-mel, mas depois foi difícil. O primeiro disco, em relação às minhas expectativas, poderia ter corrido melhor. Depois tive de aprender português, encontrar músicos, fazer amigos, enfim, foi difícil.” E depois houve um momento doloroso, quando estava na fase final das misturas do primeiro álbum. “Nunca falei disto publicamente, mas um grande amigo meu que estava de férias na Turquia viu-se envolvido numa zaragata de café com dois turcos, tendo um deles puxado de uma pistola e atingido inadvertidamente e fatalmente o filho, de dois anos, do meu amigo. Aquilo mexeu imenso comigo. Foi um momento marcante de profunda tristeza que de alguma forma está transcrito também neste álbum.”
Foi tão relevante esse episódio, coincidindo com dúvidas em relação à sua estadia em Portugal, que colocou todas as hipóteses em cima da mesa: continuar a fazer música ou desistir? Prosseguir em Portugal ou regressar? Acabou por ficar fazendo música. Hoje vive com a mulher e os dois filhos de ambos em Vila Nova de Famalicão. Esta sexta-feira, dia de Saint Patrick, a família sobe até Braga, onde Sandy Kilpatrick irá tocar numa sala especial para ele – o Theatro do Circo, onde foi relações públicas e onde conheceu alguns heróis, como Laurie Anderson ou Philip Glass. Será ali que irá mostrar com outra família – os oito membros da The Origins Band – as dez canções que discorrem sobre o seu país do extremo sul da Europa.