Legionella: Câmara de Vila Franca vai pedir indemnização por surto de 2014

Associação de vítimas da Legionella não aceita falta de “explicações” para 340 casos.

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Enric Vives Rubio

A informação divulgada nesta quarta-feira pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa sobre a acusação deduzida no caso do surto de Legionella de 2014, em Vila Franca de Xira, está a gerar várias reacções. A recém-constituída Associação de Apoio às Vítimas da Legionella de Vila Franca de Xira não entende por que é que apenas em 73 dos cerca de 400 casos de infecção registados pela Direcção-Geral da Saúde é estabelecido um nexo de causalidade com a bactéria então encontrada na torre de refrigeração da ADP-Fertilizantes. E o presidente da câmara revelou que vai dar instruções ao advogado da autarquia para que entre com uma acção de indemnização cível contra os agora acusados.

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A informação divulgada nesta quarta-feira pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa sobre a acusação deduzida no caso do surto de Legionella de 2014, em Vila Franca de Xira, está a gerar várias reacções. A recém-constituída Associação de Apoio às Vítimas da Legionella de Vila Franca de Xira não entende por que é que apenas em 73 dos cerca de 400 casos de infecção registados pela Direcção-Geral da Saúde é estabelecido um nexo de causalidade com a bactéria então encontrada na torre de refrigeração da ADP-Fertilizantes. E o presidente da câmara revelou que vai dar instruções ao advogado da autarquia para que entre com uma acção de indemnização cível contra os agora acusados.

A câmara vai exigir compensações pela mobilização de meios que o município foi obrigado a fazer no período do surto e pelos danos que a situação causou na imagem da edilidade e na imagem do concelho.

O Ministério Público, ficou a saber-se nesta quarta-feira, quer levar a julgamento sete pessoas e duas sociedades (a ADP Fertilizantes e a GE Water, empresa contratada para o tratamento da água existente nos circuitos de arrefecimento utilizados pela ADP) no caso do surto de Legionella em Vila Franca de Xira em 2014.

Uma nota informativa da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa explica que ficou provado o nexo de causalidade entre “a estirpe ST1905 da bactéria Legionella pneumophila sg1, detectada nas amostras ambientais (água do oitavo circuito de arrefecimento da fábrica de adubos) e a detectada nas amostras clínicas recolhidas em 73 pessoas” afectadas, das quais oito morreram. Não encontra explicações para as restantes situações. Primeiro, porque só em 150 dos cerca de 400 casos de infecção registados pela Direcção-Geral de Saúde foi possível recolher amostras suficientes para identificar a estirpe contaminante. E, depois, porque nos restantes casos analisados a estirpe era diferente.

Contactado pelo PÚBLICO, José Eduardo Martins, advogado que representa a ADP Fertilizantes neste caso, mostrou-se convicto de que vai ser provado em tribunal que a empresa não cometeu qualquer tipo de crime. “Registamos com agrado o arquivamento do crime de poluição, desautorizando assim todas as autoridades que apontaram a prática desse crime à ADP. Em tribunal provaremos que não ocorreu a prática de qualquer tipo de crime”, acrescentou José Eduardo Martins, que não quer tecer mais considerações, nesta altura, sobre o teor do despacho de acusação.

Paulo Saragoça da Matta, advogado que representa a GE Water neste processo, disse, por seu turno, que a empresa ainda não foi notificada do teor da acusação e que, nessas condições, não se pode pronunciar. "Seguramente a GE, sendo notificada, tomará a devida posição", observou.

“Então e as outras pessoas?”

Joaquim Ramos, presidente da Associação de Apoio às Vítimas da Legionella de Vila Franca de Xira e uma das vítimas, disse ao PÚBLICO que não pretende alongar-se em comentários, também porque ainda não teve acesso ao teor global da acusação. Mas este dirigente da associação, formalmente constituída desde Janeiro passado, lamentou que o inquérito e a acusação tenham demorado quase dois anos e meio. “Esperamos que esta demora seja, agora, compensada e que se tenha feito uma investigação aprofundada, com sentido de responsabilidade. Estamos a falar de 414 vítimas [pessoas infectadas] e de 14 mortes”, afirma.

“Estão muitas pessoas ainda a sofrer com tudo isto. Tivemos reuniões em que muitas pessoas nos dizem que estão a pagar 200 euros por mês pelas máquinas de apoio à respiração que têm que usar e que não estão a conseguir suportar essa despesa. Esperamos que tudo isto tenha, agora, um caminho”, acrescentou. Frisou que, para além das queixas individuais dos seus membros, a associação também pretende constituir-se como assistente no processo.

O presidente da associação não se conforma com o facto de se dizer que apenas para 73 casos foi encontrada uma relação entre a estirpe da bactéria que infectou as pessoas e as bactérias encontradas na torre da ADP. “Na altura queria-se encontrar um culpado. A ADP foi aquela que sobressaiu. Mas nós sabemos que há muitas mais fábricas nesta região. Se apenas encontraram explicação para 73 casos, não valeu de nada tanto tempo de espera pela acusação. Então e as outras pessoas? As entidades responsáveis pela investigação, o Ministério Público, o Ambiente, a Direcção-Geral de Saúde tinham o dever de apurar de onde é que vieram as outras bactérias."

A mesma opinião tem Alberto Mesquita, o presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, para quem, nas cerca de 340 situações sem origem identificada da infecção, em "último caso” as pessoas poderão pedir uma indemnização ao Estado. “Creio que os advogados que estão a defender essas pessoas podem sempre pedir uma indemnização ao Estado, uma vez que não se consegue encontrar a origem desses casos”, acrescenta o eleito do PS. Revela ao PÚBLICO que vai de imediato dar instruções ao advogado da autarquia para preparar uma acção cível contra as duas empresas e os sete indivíduos agora acusados.

“Vamos fazer aquilo que já tínhamos dito: quando houvesse uma acusação, íamos avançar com uma acção para também sermos ressarcidos dos prejuízos que tivemos, não só em termos de recursos disponibilizados no período em que este surto aconteceu, mas também pelos prejuízos causados à imagem do concelho e pelas iniciativas que fizemos para que, nesse período, a tranquilidade voltasse o mais depressa possível ao nosso município”, conclui Alberto Mesquita.