Nem oito, nem oitenta
Numa altura em que tanto se fala sobre o controlo das informações pessoais dos cidadãos, não se compreende como é que ainda não há uma forma de partilhar informações relevantes entre as várias entidades oficiais
Tenho uma amiga que, aos 15 anos, decidiu fugir de casa. Um acto de rebeldia, típico da adolescência, que durou apenas um dia e cuja única consequência mais grave foi o enorme susto que, na altura, pregou aos seus pais. Ora, essa mesma amiga estava, há uns dias, a passear num jardim público quando, subitamente, se deparou com uma jovem, que se encontrava bastante agitada. Preocupada, decidiu aproximar-se da rapariga para averiguar o que se passava e esta — uma turista espanhola — confidenciou-lhe estar a ser assediada por um homem, cuja má fama era já conhecida por aqueles lados. Perante isto, a minha amiga decidiu chamar a polícia, que interveio na situação e anotou os dados de ambas, caso fosse necessário prestar declarações mais tarde.
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Tenho uma amiga que, aos 15 anos, decidiu fugir de casa. Um acto de rebeldia, típico da adolescência, que durou apenas um dia e cuja única consequência mais grave foi o enorme susto que, na altura, pregou aos seus pais. Ora, essa mesma amiga estava, há uns dias, a passear num jardim público quando, subitamente, se deparou com uma jovem, que se encontrava bastante agitada. Preocupada, decidiu aproximar-se da rapariga para averiguar o que se passava e esta — uma turista espanhola — confidenciou-lhe estar a ser assediada por um homem, cuja má fama era já conhecida por aqueles lados. Perante isto, a minha amiga decidiu chamar a polícia, que interveio na situação e anotou os dados de ambas, caso fosse necessário prestar declarações mais tarde.
Porém, uns dias depois, essa amiga lembrou-se que daí a umas semanas viajaria de volta para a Alemanha, onde vive actualmente, e, portanto, não poderia comparecer no tribunal caso fosse convocada. Assim, decidiu dirigir-se à esquadra da polícia para se informar sobre o que deveria fazer. Chegada à esquadra, o polícia que a atendeu pediu-lhe os dados pessoais. Após inseri-los no computador, fitou a minha amiga, com um semblante sério: “Menina, diz aqui que a menina está desaparecida há cinco anos.” Imagine-se a cara de espanto: “Desaparecida? Como assim? Acha que se eu estivesse desaparecida estava aqui a falar consigo?”, contestou, incrédula. O polícia indicou-lhe a data do suposto desaparecimento: 2012. Após um momento de confusão, fez-se luz na cabeça dela: tinha sido o ano em que decidira fugir de casa. Na altura, os seus pais notificaram a polícia no dia em que a filha voltara a aparecer. No entanto, por lapso de alguém, esse aparecimento nunca chegou a ser registado. E, assim, esta amiga permaneceu desde aí na lista de pessoas desaparecidas. “Mas, entretanto, eu viajei, inscrevi-me na faculdade, fui ao hospital… como é que nunca repararam nisso?”, questionou, perplexa. Pelos vistos, ficou a saber, as listas de desaparecidos não são partilhadas com essas entidades. Perante o mal-entendido, a polícia apressou-se a rectificar o erro — não sem antes telefonar aos familiares para confirmar a veracidade da história, tendo em conta a sua menoridade na altura do desaparecimento — e a minha amiga saiu dali com uma história caricata para contar.
O episódio até podia ser engraçado, não fosse o seu quê de sombrio. Se esta pessoa não se tivesse dirigido à esquadra naquele dia para cumprir um dever cívico, teria permanecido para sempre na lista de jovens desaparecidos. Mais um número esquecido entre as estatísticas. Faz-me pensar se isto terá sido uma excepção ou se, como este, haverá outros casos semelhantes — e essa possibilidade é inquietante. Numa altura em que tanto se fala sobre o controlo das informações pessoais dos cidadãos, especialmente no que diz respeito ao combate ao terrorismo, e em que as novas tecnologias imperam, permitindo-nos estar em contacto permanente com pessoas de todo o mundo, não se compreende como é que ainda não há uma forma de partilhar informações tão relevantes entre as várias entidades oficiais. Por um lado, procuram controlar tudo e, por outro, deixam escapar algo assim. É caso para dizer: nem oito, nem oitenta!