Alex primeiro foi "o português", depois o "estrangeiro"
O jornalista pergunta se a tolerância que os holandeses tinham ou apregoavam ter nos anos 1990 não seria, afinal, indiferença.
Nasceu em Haia em meados dos anos 1970. Sempre pensou em si como “o Alex, ou o Alexandre”. Até que a dada altura, nos anos 1990, começou a perceber que era “o português”. Uma década mais tarde, já era “o estrangeiro”. E não gostou.
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Nasceu em Haia em meados dos anos 1970. Sempre pensou em si como “o Alex, ou o Alexandre”. Até que a dada altura, nos anos 1990, começou a perceber que era “o português”. Uma década mais tarde, já era “o estrangeiro”. E não gostou.
Foi com o surgimento do político populista Pim Fortuyn (assassinado em 2002) que o jornalista Alexandre Nunes Roque decidiu pedir a nacionalidade holandesa. Não demorou nem cinco minutos, foi à repartição local e recebeu um papel. Em mais um exemplo de como a Holanda mudou, o seu irmão, que pediu a nacionalidade um pouco mais tarde, já teve de pagar pelo processo. E o seu sobrinho, ainda mais holandês, se possível, teve de fazer o teste em que se respondem a perguntas sobre a língua e a História do país.
Andando pelas ruas da sua cidade natal, Haia, Alexandre tem dificuldade em falar da sua identidade. Nasceu na Holanda, fala holandês (pede desculpa pelo seu português “de casa”, que, no entanto, é quase perfeito), fez a sua carreira na Holanda, casou-se na Holanda, com uma holandesa.
Por outro lado, cresceu numa casa portuguesa, com “carne de porco e lulas estufadas”. E é quando há campeonatos de futebol que este lado sobressai: “Torço sempre por Portugal.”
Maneira de ser, tem dos dois lados. Por vezes, destaca-se a portuguesa: o modo directo que reina na Holanda não é o seu, os portugueses são mais delicados.
Mas quem o vê não vê um holandês típico. Não é alto, nem tem o cabelo claro. E, como acontece a muitos portugueses, apenas o facto de ter uma estatura menor e um cabelo mais escuro (nem é preciso pele morena) faz com que muitos pensem que é turco ou marroquino.
Se lhe perguntam de onde é, ele responde “de Haia”. Logo a seguir, às vezes, perguntam-lhe de onde é “mesmo”. “Normalmente não me importo. Mas quando perguntam a décima vez, já chateia.”
Ele não percebe a conversa. “O que é que isso interessa?”, diz. “Nunca pensei em grupos.” Tem dificuldade em aceitar que algum comportamento para consigo possa ter como base o facto de alguém pensar que é estrangeiro.
Quanto às eleições de amanhã, incomodam-no as ideias do populista Geert Wilders, mas critica os políticos da altura da tolerância por não terem percebido que algumas características dos imigrantes — em relação à posição das mulheres na sociedade, por exemplo — poderiam causar fricção. Nos anos de 1990, diz, no período da “coligação roxa” (do Governo de Wim Kok, dos sociais-democratas do Partido Trabalhista e de dois partidos liberais, o da Liberdade e Democracia, de Mark Rutte, e o D66), não se acreditou que poderia vir a haver algum tipo de problema com a integração de imigrantes. “Poder-se-ia ter investido na educação e tentar prevenir potenciais problemas”, defende.
Em relação à sociedade multicultural da Holanda, Alex sempre gostou da escola que tinha pessoas de todos os lados do mundo e de viver neste ambiente diverso de Haia. Mas questiona se a tolerância que os holandeses tinham ou apregoavam nos anos 1990 não seria, no fundo, indiferença.