Caso dos offshores chega ao Parlamento Europeu com perguntas a Rocha Andrade

Requerimento de Nuno Melo acolhido na comissão de inquérito aos Panama Papers. Eurodeputado do CDS quer saber mais detalhes sobre as transferências desconhecidas.

Foto
Rocha Andrade referiu as transferências para o Panamá na audição de 1 de Março no Parlamento português Miguel Manso

A comissão de inquérito do Parlamento Europeu aos Panama Papers deu seguimento a um requerimento do eurodeputado do CDS Nuno Melo para o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, explicar o caso das transferências para offshores que não foram alvo de processamento no sistema central do fisco português, em especial os fluxos financeiros relacionados com o Panamá.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A comissão de inquérito do Parlamento Europeu aos Panama Papers deu seguimento a um requerimento do eurodeputado do CDS Nuno Melo para o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, explicar o caso das transferências para offshores que não foram alvo de processamento no sistema central do fisco português, em especial os fluxos financeiros relacionados com o Panamá.

A proposta do eurodeputado centrista surgiu na sequência da audição de Rocha Andrade no Parlamento português há duas semanas e foi agora aprovada na PANA, a comissão de inquérito do Parlamento Europeu onde, no rescaldo dos Panama Papers, se discutem temas relacionados com o combate ao branqueamento de capitais, elisão e evasão fiscais.

A notícia de que o Parlamento Europeu vai pedir a Rocha Andrade uma série de informações sobre o caso foi avançada pelo semanário Expresso e confirmada ao PÚBLICO pelo eurodeputado.

Ao ouvir Rocha Andrade afirmar na Assembleia da República que o Panamá é um dos paraísos fiscais de destino de uma parte das transferências desconhecidas do fisco até há pouco tempo por falhas no tratamento da informação recebida pelos bancos, Nuno Melo considerou que o governante estava a lançar “uma suspeição para o ar” e movimentou-se em Bruxelas para que Rocha Andrade prestasse mais esclarecimentos.

Logo no dia seguinte, a 2 de Março, elaborou um requerimento à comissão de inquérito em Bruxelas, contando o que o governante português dissera em Lisboa: que de todas as transferências hoje conhecidas em relação ao Panamá no ano de 2014, 97,7% estão nos valores ocultos; e que Rocha Andrade invocara o sigilo bancário para não especificar quais foram as instituições financeiras por onde passaram as transferências ocultas.

Os números globais sobre os fluxos para o Panamá referidos pelo governante no Parlamento podem ser aferidos através das estatísticas públicas do Portal das Finanças, quando se comparam os valores que foram publicados em Abril do ano passado, pela primeira vez desde 2010 – dados que o PÚBLICO tem em arquivo e que foram o ponto de partida para a notícia sobre os 10.000 milhões de euros que não foram alvo de tratamento no fisco – com as estatísticas mais recentes.

Nuno Melo sustenta ao PÚBLICO que o Governo português, pela voz do secretário de Estado, deve dizer tudo o que sabe sobre “essas transferências” e que o governante não se pode escudar no segredo bancário.

As informações que pede, justifica, são um “trabalho fino” que importa à comissão PANA e que cabe dentro do seu objecto como comissão de inquérito.

Nuno Melo pede no requerimento para Rocha Andrade “informar sobre as datas concretas, beneficiários e operações relativas às transferências para o Panamá”, enviar todos os documentos que o Governo tenha sobre estes fluxos e dizer explicitamente quais são as entidades financeiras relacionadas. Outro ponto que o eurodeputado centrista quer esclarecer é se “essas operações foram legais ou ilegais”. E de uma forma geral, quer saber qual a razão de as declarações não terem sido correctamente transferidas para o sistema central do fisco, algo que está a ser investigado na auditoria da Inspecção-Geral de Finanças (IGF).

Não é claro se estas informações serão prestadas por escrito pelo governante ou através de uma audição do secretário de Estado no Parlamento Europeu, porque o requerimento não é explícito em relação a isso. O PÚBLICO questionou o Ministério das Finanças para saber se Rocha Andrade está disponível para ser ouvido pelos eurodeputados, mas até ao momento não foi possível obter uma reacção.

Como o PÚBLICO já noticiou a partir da comparação das estatísticas do fisco (as divulgadas em Abril de 2016 e as actuais, que foram corrigidas), mais de um quarto do valor das transferências ocultas teve como destino o Panamá (2600 milhões de euros de 2011 a 2014).

Ao mesmo tempo, é possível perceber que 77% do montante transferido para o Panamá estava oculto (2011 a 2014). Pensava-se que tinham sido enviados para esta praça financeira 770,3 milhões de euros ao longo daqueles quatro anos, mas o valor hoje conhecido é de 3380 milhões.

Ano a ano, sabe-se hoje que 91% das transferências feitas em 2012 para o Panamá não apareciam no sistema central do fisco; em 2013, isso aconteceu com 89% dos valores transferidos; e é em 2014 que esta percentagem é de 98% (o valor especificado no Parlamento por Rocha Andrade).