Preços base baixos estão a deixar concursos de obras públicas desertos
Preços base irrealistas levam a que concursos para obras públicas fiquem desertos, ou que se transformem em ajustes directos. Proposta de revisão do Código dos Contratos Públicos não altera os critérios de definição de preço
Num passado não muito longínquo, quando a empresa criada para acelerar um ambicioso programa de modernização do Parque Escolar lançava um concurso público a concorrência entre as empresas era notória, e cada concurso recebia dezenas de propostas. Hoje em dia já não é assim. Por exemplo, o concurso público internacional para a modernização da escola secundária de Amarante, com um preço base de 3,6 milhões de euros, só viu admitidas a concurso quatro propostas – e três foram excluídas. O concurso para a conclusão das obras de modernização da escola de música Antonio Arroio, com um preço base de três milhões de euros, só foram apresentadas duas propostas, sendo que apenas uma delas foi admitida, porque a outra apresentava um preço que estava 50% acima da base. Ou seja, a Parque Escolar ficou reduzida a uma concorrente. Como é que se explica este alheamento das empresas de construção, numa altura em que o sector da construção se tem vindo a queixar da escassez de investimento público e da falta de obras no mercado? “Com os preços irrealistas com que são lançados os concursos”, responde com prontidão, Manuel Reis Campos, presidente da Confederação da Construção e do Imobiliário.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Num passado não muito longínquo, quando a empresa criada para acelerar um ambicioso programa de modernização do Parque Escolar lançava um concurso público a concorrência entre as empresas era notória, e cada concurso recebia dezenas de propostas. Hoje em dia já não é assim. Por exemplo, o concurso público internacional para a modernização da escola secundária de Amarante, com um preço base de 3,6 milhões de euros, só viu admitidas a concurso quatro propostas – e três foram excluídas. O concurso para a conclusão das obras de modernização da escola de música Antonio Arroio, com um preço base de três milhões de euros, só foram apresentadas duas propostas, sendo que apenas uma delas foi admitida, porque a outra apresentava um preço que estava 50% acima da base. Ou seja, a Parque Escolar ficou reduzida a uma concorrente. Como é que se explica este alheamento das empresas de construção, numa altura em que o sector da construção se tem vindo a queixar da escassez de investimento público e da falta de obras no mercado? “Com os preços irrealistas com que são lançados os concursos”, responde com prontidão, Manuel Reis Campos, presidente da Confederação da Construção e do Imobiliário.
Querendo tirar o foco da atenção na Parque Escolar – até porque os exemplos de concursos que ficam desertos, ou vêem todas as propostas excluídas abrange os vários donos de obras públicas – Reis Campos refere que as empresas se têm alheados dos concursos públicos por estarem sistematicamente a enfrentar preços “ardilosamente baixos”. “As empresas até começam a trabalhar a proposta e a fazer um orçamento, mas rapidamente concluem que o preço é irreal. E, das duas uma, ou é para executar mal a obra, e ficar inacabada, ou donos de obra são forçados a complementá-la com sucessivos ajustes directo”, refere o dirigente. De acordo com ultimo comunicado da Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), de que Reis Campos também é presidente, o número de ajustes directos no sector aumentou 20% em 2016.
Como se chegou aqui?
O preço base com que é lançado um concurso público acaba por definir o valor máximo pelo qual a entidade adjudicante pode assinar o contrato. Estre facto acaba por limitar, sob pena de exclusão, as propostas que podem ser apresentadas pelas empresas. Na proposta de revisão que o actual governo está a fazer ao Código dos Contratos Públicos (CCP), os critérios para definição do preço base mantêm-se: a fixação do preço base do contrato deve ser fundamentada com critérios objetivos, utilizando como referência preferencial, os custos médios unitários de prestações do mesmo tipo adjudicadas em concursos anteriores. Ou seja, os preços baixos vão gerar preços ainda mais baixos. Na contraproposta que fez para alteração ao CCP, a Confederação da Construção defende que o preço base que vai a concurso deverá ser uma mera estimativa do valor da obra e não um factor de exclusão em si
A Confederação da Construção tem uma preocupação acrescida relacionada com a forma como é estipulado este preço base e que é a fórmula como são calculados os chamados “preços anormalmente baixos”, e que também deveriam levar à exclusão de candidatos. A actual lei prevê que uma entidade que lance uma obra, definindo um preço base que considera justo e adequado, pode admitir entregar essa obra a quem se proponha executá-la por valores que chegam a descontos de 40%.
Esse é um problema para o qual a Confederação da Construção tem vindo a lançar vários alertas. Os números de 2016 ainda estão a ser apurados, mas os de 2015 indicam que, em média, os contratos de empreitadas de obras públicas celebrados nesse ano registaram um preço que se situou 21% abaixo do respetivo preço base do concurso, como o PÚBLICO então noticiou.
A proposta de revisão do Código dos Contratos Públicos saiu de discussão pública no passado mês de Outubro. Desde então o ministério do Planeamento, que tem a tutela do sector, tem vindo a analisar as centenas de propostas que lhe chegaram. Fonte do gabinete do Ministro Pedro Marques adiantou que o documento está agora a circular entre os ministérios – já que é matéria que envolva de forma transversal todos eles. A ideia do governo continua a ser ter o novo Código em vigor no próximo dia 1 de Julho, pelo que o documento terá de ser aprovado em Conselho de Ministros nas próximas semanas.
As preocupações do sector, porém, mantêm-se. Reis Campos refere que na identificação de propostas de preço anormalmente baixo a nova redação proposta pelo governo nada resolve. “Desde logo porque deixa à discricionariedade da entidade adjudicante a definição do que entende por preço anormalmente baixo e ignora a média das propostas apresentadas, solução que é por nós preconizada”, explica. “A referência nunca pode ser, como até agora acontece, o preço base – muitas vezes mal calculado e que não tem qualquer correspondência com a realidade – mas sim o mercado, traduzido nas propostas dos concorrentes”, argumenta o presidente da Confederação.
“O Código dos Contratos Públicos já devia ter sido revisto, vai para muito tempo!”, limita-se a afirmar Hipólito Ponce de Leão, que presidia a entidade que regula o sector da construção quando a actual legislação foi lançada (ex-IMOPPI, actual INCI). “Recordo-me que chegou a haver discussão se deveria ou não haver um limite para os preços anormalmente baixos. Mas rapidamente se perdeu que este ponto teria de ser revisto. Não acho nada bem que um autarca deve pensar que agora pode fazer duas estradas pelo preço de uma. A estrada pode não chegar ao local desejado”, ironiza