Um país na solidão dos atormentados

A Forma das Ruínas junta autobiografia e política num relato sensível e cru da condição de se nascer colombiano no tempo do narcotráfico.

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Depois de anos a viver na Europa, Vásquez regressou à Colômbia em 2012. Este romance nasce desse regresso que dura até hoje DANIEL ROCHA

No dia 15 de Outubro de 1914, o general liberal Rafael Uribe Uribe era assassinado em Bogotá. Mais de três décadas depois, a 9 de Abril de 1948, Jorge Eliecer Gaitán, candidato a presidência da Colômbia, também um liberal, morria, vitima de disparos numa rua da mesma cidade. Como seria a história da Colômbia sem estes assassinatos? A pergunta tornou-se uma obsessão para o escritor Juan Gabriel Vásquez que a transformou no ponto de partida de um romance tão íntimo quanto político no qual cruza a sua história pessoal com a do país onde nasceu há 44 anos e de onde fugiu em 1996, era um jovem adulto incapaz de tolerar a violência gerada pelo narcotráfico. Anos depois, conclui: “Não, não se foge da violência colombiana e eu deveria ter tido noção disso. Ninguém foge, mas menos ainda as pessoas da minha geração, a que nasceu com o narcotráfico e chegou à vida adulta quando o país naufragava no sangue da guerra que lhe declarou Pablo Escobar.”

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No dia 15 de Outubro de 1914, o general liberal Rafael Uribe Uribe era assassinado em Bogotá. Mais de três décadas depois, a 9 de Abril de 1948, Jorge Eliecer Gaitán, candidato a presidência da Colômbia, também um liberal, morria, vitima de disparos numa rua da mesma cidade. Como seria a história da Colômbia sem estes assassinatos? A pergunta tornou-se uma obsessão para o escritor Juan Gabriel Vásquez que a transformou no ponto de partida de um romance tão íntimo quanto político no qual cruza a sua história pessoal com a do país onde nasceu há 44 anos e de onde fugiu em 1996, era um jovem adulto incapaz de tolerar a violência gerada pelo narcotráfico. Anos depois, conclui: “Não, não se foge da violência colombiana e eu deveria ter tido noção disso. Ninguém foge, mas menos ainda as pessoas da minha geração, a que nasceu com o narcotráfico e chegou à vida adulta quando o país naufragava no sangue da guerra que lhe declarou Pablo Escobar.”

A Forma das Ruínas é o quinto romance (se excluirmos os dois primeiros que o autor quis rejeitar) de Juan Gabriel Vásquez, talvez o escritor mais celebrado da actual literatura colombiana, alguém que sem renegar a tradição do realismo mágico quis romper com esse legado para se fixar na narrativa crua da violência e do medo, da política e das relações pessoais no seu país. Livros como O Barulho das Coisas ao Cair (Alfaguara 2012) e As Reputações (2015) afirmaram a solidez de uma escrita com contágios universais, sobretudo das literaturas europeias e norte-americanas, mas onde a voz de Vásquez foi capaz de encontrar a sua singularidade. Aqui não é diferente.

Em 2005, ao regressar a Colômbia para um período de férias quando estava a viver em Barcelona, Juan Gabriel Vásquez e a sua mulher Mariana —no livro identificada por M —são surpreendidos com o nascimento prematuro das suas filhas gémeas, o que faz com que a estada se prolongue e Vásquez se envolva numa obsessão que começou por não ser a sua, mas a de Carlos Carballo, que ele viu ser preso ao levar uma fixação ao extremo. A história desse homem e a rede de episódios e de pormenores que a alimentou acabaram por tomar conta também da cabeça do protagonista/autor: o enigma da morte de Jorge Elicier Gaitán e uma hipotética ligação com o assassinato de John Kennedy. “Sim, admirei a intensidade da mentira, ou melhor, a intensidade do desejo que justificara ou criara a mentira.”

A tensão que a partir daí se gera é um lastro que o narrador —na voz do próprio escritor —nunca perde, guiando-o em simultâneo por um relato que mistura análise política, filosófica, literária, pessoal, formando uma teia adensada por uma requintada gestão do mistério. O protagonista quer esquecer a história que percebe estar envolta em muita paranóia, teorias da conspiração, mas ela persegue-o no regresso a Barcelona e ressurge como nunca cinco anos depois. “... será que se pode realmente esquecer a vontade?”, interroga-se, mesmo quando essa vontade de perseguir o enigma, de se envolver na paranoia, de se deixar levar imersão na violência e no medo que no caso dele e da sua geração foram formadores de carácter, parece ter-se diluído numa rotina. “Comecei a viver sem me aperceber, o que é sem dúvida uma das metáforas da felicidade”, lê-se. “Eu escrevia e trabalhava e fazia viagens que me pareciam necessárias, traduzia frases de Hemingway ou livros de conversas de Al Pacino, dava aulas de literatura a alunos norte-americanos de vinte e tal anos e tentava, por vezes com sucesso, interessá-los por Rulfo e Onetti, lia Debaixo do Vulcão e O Grande Gatsby sentindo que me queriam ensinar lições valiosas e que eu era demasiado inábil para as compreender...”

Era inevitável ir atrás desse “e se?” inicial e da sua potência transformadora - no mínimo, de pensamento e fantasia literária. E nessa perseguição, a descrição da intimidade, “aquilo que acontece no segredo das suas solidões” -- a das pessoas atormentadas --, não está dissociada da reflexão sobre o presente colombiano porque não é possível separar o homem da sua circunstância, como parece ir sempre dizendo o protagonista num romance que também é muito sobre a identidade. Quando pensava ter resolvido a sua questão com a violência colombiana em O Barulho das Coisas ao Cair percebeu que não há forma de evitar o regresso do passado. “...as nossas violências não são apenas as que nos calham em vida, mas também as outras, as que vêm de antes”. É lá que estão Uribe Uribe ou Gaitán.

Depois de anos a viver na Europa, Vásquez regressou à Colômbia em 2012. Deixava de ser um “inquilino” no estrangeiro para se reencontrar com essa memória. Este romance nasce desse regresso que dura até hoje.