Ulrich enviou carta a Carlos Costa para repor “a verdade dos factos"
Governador disse ao PÚBLICO que o aviso de Ulrich sobre o GES, em 2013, tinha contexto de "assessoria" num conflito. Ulrich enviou-lhe carta a dizer que "não é correcto".
O presidente do Conselho de Administração do BPI, Fernando Ulrich, não gostou de ouvir o governador do Banco de Portugal a desvalorizar os seus alertas de 2013 sobre a situação do Grupo Espírito Santo, na entrevista que deu ao PÚBLICO esta semana. E enviou de imediato uma carta a Carlos Costa, para "repor a verdade dos factos".
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O presidente do Conselho de Administração do BPI, Fernando Ulrich, não gostou de ouvir o governador do Banco de Portugal a desvalorizar os seus alertas de 2013 sobre a situação do Grupo Espírito Santo, na entrevista que deu ao PÚBLICO esta semana. E enviou de imediato uma carta a Carlos Costa, para "repor a verdade dos factos".
Num email enviado ao PÚBLICO, Ulrich é sucinto sobre o teor dessa missiva: "Na entrevista com o senhor governador do Banco de Portugal, a dada altura consta a seguinte afirmação: 'O documento que me é entregue pelo Dr Fernando Ulrich foi produzido num contexto diferente, que admito que tenha sido de assessoria num conflito entre partes.' Esta afirmação não é correcta, por isso enviei uma carta ao sr. governador do Banco de Portugal, na qual reponho a verdade dos factos".
Recorde-se que, naquela entrevista, Carlos Costa dizia que o documento que lhe foi entregue pelo presidente do BPI não acrescentava informação face ao que o Banco de Portugal já sabia da situação do GES. "O documento foi entregue em Agosto de 2013. Nesse momento, o Grupo GES já tinha sido identificado como uma das grandes entidades devedoras do sistema. E já estávamos a preparar o ETRIC 2, que é um pedido aos auditores para, numa área que não era da nossa supervisão, emitirem os seus pareceres sobre a solidez financeira das instituições(...). O BPI entregou um documento que foi devidamente tido em conta, embora não acrescentasse ao que já conhecíamos."
Depois na mesma entrevista, com insistência do PÚBLICO, Carlos Costa foi um pouco mais longe: "O documento que me é entregue pelo dr. Fernando Ulrich foi produzido num contexto diferente, que admito que tenha sido de assessoria num conflito entre partes. Não tem a mesma natureza nem da auditoria feita pela KPMG nem pelos documentos financeiros que nos foram dados."
Contactado pelo PÚBLICO, na tentativa de conhecer o conteúdo da missiva (ou o contexto da crítica de Carlos Costa), Fernando Ulrich preferiu nada acresentar.
Um contexto: a tensão PQP/ Salgado
Na Comissão de Inquérito ao BES, o empresário Pedro Queiroz Pereira relatou como, na guerra que teve com Ricardo Salgado até Novembro de 2013, várias pessoas se envolveram nas negociações para que os dois chegassem a um entendimento - incluindo Fernando Ulrich e Eduardo Catroga.
"O BPI foi adviser [conselheiro] no início das negociações. Só que, depois, as negociações começaram a decorrer com Ricardo Abecassis Espírito Santo [primo de Salgado] e Francisco Cary, reconhecidamente duas pessoas razoáveis", contou Queiroz Pereira na audição de 10 de Dezembro de 2014, na comissão parlamentar de inquérito - acrescentando que tudo se tornou "mais fácil" sem Salgado nas negociações.
Na mesma audição, o deputado comunista Miguel Tiago perguntou precisamente qual tinha sido o papel de Ulrich e Catroga no acordo em que Queiroz Pereira vendeu posições que tinha no GES (enquanto o GES vendeu participações que tinha em sociedades de Queiroz Pereira), deixando todos eles cair os processos judiciais.
Se o empresário não disse muito sobre Catroga, amigo de Ricardo Salgado ("ele também não me disse), já sobre Ulrich admitiu que terá feito um papel de conselheiro no arranque das negociações - a seu pedido -, mas apenas no início do processo. "Andei com ele no colégio, sou amigo dele de toda a vida. De facto, pedi-lhe porque percebe muitas dessas coisas como banqueiro de sucesso. Ajudou-me no início, depois não foi preciso. Ter-me-á dado conselhos. Depois participou no financiamento", relatou. Mas acrescentando o seguinte: "Ele [Fernando Ulrich] estava muito preocupado com a história do risco sistémico, que podia atingi-lo a ele".
Os alertas: de Gaspar a Costa
Na mesma CPI, Ulrich explicou - sem querer dar detalhes - sobre os alertas que fez ao Banco de Portugal para a situação do GES. Porém, o seu primeiro alerta, disse Ulrich na altura, foi para o então ministro das Finanças Vítor Gaspar (que antes tinha dito por escrito aos deputados ter sabido da fragilidade do GES pelos jornais).
Na comissão, Ulrich foi claro: “Gostava de dizer que falei com Vítor Gaspar, em finais de Maio ou princípio de Junho de 2013. Foi uma conversa bilateral. Referi a minha preocupação com o assunto do BES e do GES. Vítor Gaspar actuou de imediato, porque em menos de 48 horas fui contactado por um alto quadro do Banco de Portugal, instruído pelo governador". Ainda de acordo com o que disse o administrador do BPI, esse alto quadro do BdP foi ao BPI falar com Ulrich, que nessa conversa explicou as razões de ser da preocupação. Com base em informação que era pública, o CEO alertou para a concentração de dívida de entidades do GES no Fundo ES Liquidez. “A informação pública que existia desde finais de 2011 evidenciava a fragilidade do grupo Espírito Santo”, afirmou (citado então pela Agência Lusa).
Mas na comissão de inquérito, o presidente executivo do BPI não referiu a existência de uma carta que terá entregue em mãos ao governador, na versão contada pela SIC há uma semana (e não refutada pelo governador, na entrevista ao PÚBLICO). Uma carta onde fazia aqueles mesmos alertas que admitiu ter feito a Vítor Gaspar e que terão tido por base uma análise de uma equipa de técnicos do BPI, feita com dados que Ulrich garantiu serem públicos (ou seja, compilando o que era publicado por cada insituição do próprio GES).
Na altura, o BPI detinha uma participação de 75 milhões de euros no capital da holding não financeira do BES, a Rio Forte, pelo que estava especialmente exposto ao sector imobiliário, o sector mais sensível do GES, de acordo com o que é recordado pelo Jornal Económico. “Todas as partes envolvidas fizeram o que tinham a fazer. O ministro actuou imediatamente porque contactou o governador” e Carlos Costa instruiu um alto quadro a falar com o banqueiro, disse mesmo assim Fernando Ulrich aos deputados, em Março de 2015 - onde fez uma exposição dos aumentos de capital, da exposição do BES ao GES e ao BES Angola. “O que deitou abaixo o BES foram os problemas em Angola e a exposição ao GES”.